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janeiro 23, 2006
Uma gestão para a cultura e o pensamento, por Gilberto Gil
Uma gestão para a cultura e o pensamento
Artigo de Gilberto Gil, originalmente publicado na seção Tendências/Debates do Jornal Folha de São Paulo, do dia 18 de janeiro de 2006
Em 2005, o MinC (Ministério da Cultura) propôs um programa de alcance nacional para ativar a discussão pública em torno de temas da agenda intelectual contemporânea: "Cultura e Pensamento em Tempos de Incerteza". Em 2006, o programa será ainda mais inovador na maneira como amalgama iniciativas e anseios do poder público, da sociedade e dos segmentos culturais do país, com o espírito aberto e democrático que tem guiado nossos atos.
Não há nele respostas circunstanciais a críticas que qualquer gestão recebe por causa de suas escolhas. O programa insiste em uma forma avançada de republicanismo ao conceber as políticas culturais e está em consonância com o modo de trabalhar com a sociedade que tem marcado a conduta do MinC desde o princípio desta gestão.
Para os debates deste ano, preliminarmente, em levantamento atencioso, foram eleitos os assuntos que têm marcado nossa produção universitária, o meio editorial, pautas críticas da imprensa, manifestações de grupos culturais e organizações sociais.
Contribuindo para dinamizar a reflexão pública, o Ministério da Cultura já trabalha em quatro projetos que devem cobrir alguns temas de pertinência reconhecidamente atual. Teremos ainda outros quatro seminários, completando a série, apoiados pela Petrobras por meio de editais, e para os quais estamos convocando a sociedade a propor abordagens dos seguintes temas:
1) Biopolítica e tecnologias: padrões contemporâneos de emancipação, propriedade, dominação e controle.
2) Populações e territórios: o global, o nacional e o local no agenciamento de identidades e na diversificação da cultura.
3) Os usos e abusos do público e do privado na cultura política dos tempos atuais.
4) Lógicas e alternativas para as dinâmicas culturais no centro da economia e da sociedade.
Esses eixos temáticos, propostos de início, serão ainda desenvolvidos em reuniões públicas com pensadores convidados a intervir na proposta original durante a preparação dos editais. Uma vez reelaboradas, as pautas serão abertas à apresentação de propostas, e uma comissão de reconhecido valor escolherá projetos.
Já que todo esse processo foi pensado como diálogo constante, a interlocução não acaba aí, pois, após a seleção, os proponentes escolhidos debaterão seus projetos em um fórum de discussões com outros pensadores do Brasil e do mundo: só então serão implementados, e a vocação democrática dessa iniciativa será coroada com a realização do ciclo de debates em diversas cidades do país.
Peço a todos que se informem mais no site do MinC (www.cultura.gov.br), que estará aberto à contribuição de todo cidadão brasileiro e acolherá opiniões sobre os assuntos.
A expectativa desta gestão, com essa e outras ações, sempre foi legar a nossa sociedade um aprimoramento dos mecanismos de fomento à atividade cultural. Mais ainda, aprimorar a própria circulação de valores entre as regiões e esferas tão várias que formam o Brasil.
Esse foi o desejo que nos autorizou a embarcar na aventura incerta e delicada de assumir um ministério. Nos recusamos a enxergar o financiamento público como mero recurso ao qual se pode recorrer para a realização de projetos particulares; tampouco cabe ao governo solicitar a profissionais da cultura a execução de tarefas definidas. O Brasil só avançou nos raros momentos em que essa distorção foi enfrentada. O espírito do Minc tem sido apenas esse, embora a desinformação freqüentemente embaralhe as cartas a respeito do que tem sido feito e nos apresente como semelhantes ao nosso avesso.
Em um país em que o Estado cavou para si a fama de agente que não só não ajuda como também estorva e onera os poucos que têm iniciativa, é natural que enfrentemos resistência e antipatia eventuais: somos uma sociedade com aversão ao poder e ao Estado muito antes de qualquer ideologia preconizar o seu desaparecimento completo. A repetição de arbítrios e ditaduras e os abusos a que tantas vezes assistimos confundem, por vezes, o nosso justíssimo horror ao totalitarismo com a vaga rejeição a qualquer política pública e à criação de normas republicanas.
Neste momento bastante especial, esperamos que esse processo também seja assunto para debate. Não pode haver maior ganho para a gestão que ampliou as noções de política cultural vigentes do que chegar a refletir inventivamente sobre a própria cultura política do país.
Gilberto Gil, 63, músico, é o ministro da Cultura.