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janeiro 6, 2006
Gil ignora crítica de Caetano e responde a Gullar, por Silvana Arantes
Gil ignora crítica de Caetano e responde a Gullar
Matéria de Silvana Arantes, originalmente publicada na Folha de S.Paulo, no dia 6 de janeiro de 2006
O ministro Gilberto Gil tem nas mãos um pedido de degola de seu secretário de Políticas Culturais no Ministério da Cultura, Sérgio Sá Leitão. E também outro pedido, para que Sá Leitão fique.
Gilberto Gil está sob fogo cruzado. Caetano Veloso, Oscar Niemeyer, Fernanda Montenegro, João Ubaldo Ribeiro estão entre as assinaturas do texto contra Sá Leitão. O manifesto foi organizado pelo cineasta Zelito Viana e pelo produtor Luiz Carlos Barreto, com a intenção de obter de Gil e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a cabeça do secretário.
Ontem, em carta aberta publicada pela coluna de Mônica Bergamo, na Ilustrada, Caetano atacou Sá Leitão e o comportamento do MinC, afirmando que, quando um ministério "exige adesão total às suas decisões, estamos a um passo do totalitarismo".
Caetano defendeu Gullar e cineastas que foram chamados de privilegiados pelo secretário. Na carta, o parceiro de Gil refere-se de maneira crítica ao projeto (que acabou arquivado) da Ancinav (Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual), visto por setores da produção de cinema e da TV como autoritário e centralizador.
Do lado dos que defendem Sá Leitão, os nomes mais conhecidos são os da professora de cinema Ivana Bentes e o do cineasta Joel Zito Araújo, que apoiavam a criação da Ancinav.
As outras 184 assinaturas no documento em favor do secretário e da "radicalização democrática das políticas culturais" não têm relevo nacional --e esse é um ingrediente da disputa. "Quanto mais a pequena elite grita, mais fica patente que as políticas públicas do governo são efetivamente democratizantes", diz Bentes.
O ministro enfrentou o tiroteio ontem. "Não li", disse, a respeito da carta de Caetano. Mas afirmou que, "se querem a cabeça de Sá Leitão, não vão ter". Gil estava no Rio de Janeiro, acompanhado de Sá Leitão, para divulgar a Copa da Cultura, que o MinC promoverá na Alemanha, em paralelo ao Mundial de futebol.
A origem do bafafá foi a crítica que o poeta e colunista da Folha Ferreira Gullar fez à "centralização" da gestão Gil no MinC (Ministério da Cultura), durante Sabatina Folha, no último dia 21. Sá Leitão revidou em carta à Folha, classificando o poeta de "stalinista", referência ao regime totalitário do ditador soviético Josef Stalin (1879-1953) --e o barraco começou.
Para Sá Leitão, o "objetivo da celeuma" não é propriamente defender Gullar, mas preservar canais de acesso aos cofres do governo no financiamento do cinema e de outras obras culturais.
Gil modificou em sua gestão as regras de patrocínio das empresas estatais, visando a distribuir o dinheiro entre mais projetos e mais Estados do país.
No MinC, essa política é chamada de "descentralização" e encarada como "o fim do balcão" de atendimento especial para pedidos de patrocínio apresentados por artistas consagrados.
"Essas pessoas não se conformam com regras republicanas e tratamento democrático, porque agora elas são tratadas como todos os outros produtores culturais deste país", diz Sá Leitão.
O secretário afirma que Barreto atribui a ele a responsabilidade por não ter vencido os últimos concursos de patrocínio da Petrobras (maior investidora em cinema do país) e do BNDES, cujas regras de seleção também mudaram. A Folha tentou ouvir Barreto, que preferiu não se manifestar.
O debate do MinC com Gullar reacende as duas maiores polêmicas que Gil enfrentou no ministério. Na primeira, a do "dirigismo cultural", o cineasta Cacá Diegues esteve ao seu lado. Na segunda, sobre a Ancinav, não. Agora, Diegues está contra Sá Leitão:
"É inadmissível que um servidor público se dirija a um cidadão brasileiro nos termos em que esse rapaz se dirigiu. Ainda mais se tratando de um brasileiro como Ferreira Gullar. O ministro Gil sempre responde às críticas que recebe, justas ou injustas, de um modo cortês e altivo. Não há razão nenhuma para que um assessor seu seja tão grosseiro", diz.
Foi Diegues quem classificou como tentativa de "dirigismo cultural" as regras de patrocínio estatal formuladas pela Secretaria de Comunicação, em 2003 (à época sob comando de Luiz Gushiken). Previam contrapartida social e adequação dos projetos a políticas de governo.
Gil discordava de Gushiken e, com a gritaria dos cineastas, venceu a queda-de-braço e recebeu de Lula a missão de formular as políticas de patrocínio do governo. Em 2004, Gil quis dar um passo além, com a criação da Ancinav, que teria a função de regular os setores de TV e cinema.
Acusada de autoritária por Barreto, Diegues e outros representantes do cinema e da TV, a proposta foi abortada pelo governo, na maior derrota de Gil até aqui.
Mas as marcas do debate estão longe de cicatrizar. "Barreto e Zelito encabeçaram o debate contra a Ancinav nos mesmos termos que estão fazendo agora", diz Bentes.
O cineasta Domingos Oliveira delineia a questão incômoda à esquerda e à direita. "É incrível o governo não ter se levantado contra o cinema sustentado pelas leis de renúncia fiscal. Isso inflacionou o mercado de modo artificial, porque o dinheiro não custa nada para ninguém e divorciou o cinema do público, porque não importa a bilheteria do filme, mas quanto ele capta."