|
junho 28, 2005
Sérgio Porto: o foco da questão por Patricia Canetti
Carta enviada por Patricia Canetti ao jornal O Globo, comentando as matérias publicadas nesse jornal em 23 e 28 de junho de 2005. (veja as matérias reproduzidas abaixo nesse blog)
Caros jornalistas e editores do Segundo Caderno,
Primeiramente, gostaria de parabenizá-los pelas matérias publicadas a respeito do processo irregular de seleção do Espaço Cultural Sérgio Porto para a programação de suas galerias. Acredito que tornando visível o (mal) funcionamento de nossas instituições, estamos todos contribuindo para tornar o nosso país mais decente e ético.
Tenho três considerações a fazer e todas elas se relacionam com o fato de estarmos perdendo o foco do problema: a falta de continuidade das políticas públicas da cidade do Rio de Janeiro e o conseqüente desrespeito com os cidadãos que essa promove.
1 - Na primeira matéria o secretário de Cultura Ricardo Macieira coloca em relação ao trabalho da primeira seleção: "Eles disseram que não receberam o pró-labore? Cadê o contrato? Eu desconheço."
Com a sua maneira rude de ser, Ricardo Macieira mafiosamente levanta suspeita sobre o processo gerido por sua funcionária, a diretora da Divisão de AV do RioArte, Claudia Saldanha, ao mesmo tempo que desconfia da honestidade da artista Anna Bella Geiger e do curador do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro Fernando Cocchiarale, como se fossem dois moleques. Na verdade, sabemos que se houvesse contrato, esse não seria respeitado, pois o que vemos prevalecer na Secretaria de Cultura de nossa cidade é sempre a vontade autoritária de seu dirigente maior.
Lembremos aqui que muito recentemente O Globo publicou matéria sobre o descumprimento de contratos assinados por Macieira. Da mesma maneira, vale a pena citarmos a anulação do penúltimo edital da Bolsa RioArte, quando a primeira parte da seleção já havia sido concluída; a descontinuidade da Mostra Rio Arte Contemporânea, que ficou estacionada na primeira edição; a tentativa de fechar uma das galerias do Sérgio Porto e transformá-la em midiateca, que também foi tema de matéria nesse jornal; o cancelamento na virada de 2003 do banco de projetos criados pelo então diretor do RioArte Fábio Ferreira, que recebeu projetos de artistas e produtores de todos os segmentos culturais, e deveria alimentar as ações do RioArte e, por último, mas não menos importante, a criação de uma comissão para avaliar as esculturas colocadas em espaço público, que até hoje não foi posta em funcionamento, tendo servido apenas, na época de sua criação, como factóide para desaquecer o debate público sobre o tema em pleno período eleitoral.
2 - Na segunda matéria, a artista plástica Sandra Schechtman, uma das escolhidas por Luís Cancel e que não constava da primeira seleção diz: "Eu acho que é assim que acontece: as pessoas mandam seus portfólios para os salões podendo ou não serem escolhidos. Os artistas têm é que fazer os projetos comprometidos com seu trabalho. Agora vai questionar porque não foi selecionado?"
A opinião equivocada da artista, que acha que o problema aqui se resume na tão conhecida reclamação sobre estar ou não selecionado, pode nos levar ao erro recorrente da briga interna de classe, quando estamos nesse momento político tão delicado todos interessados em manter e reforçar o funcionamento de nossas instituições de forma transparente e ética.
3 - Na carta enviada ontem por Luis Cancel pela internet, o curador assume que teve a liberdade de fazer o que quis (convocando inclusive artistas que não enviaram portfolio), alegando a não publicação do primeiro resultado. O curador apenas esqueceu que o resultado que ele jogava fora, respondia a uma seleção tornada pública pela própria instituição.
Voltamos assim ao foco de nosso embate: o descumprimento dos compromissos com a sociedade civil.
Pela primeira vez, na história do Sérgio Porto, conseguimos ter uma seleção pública, deixando para trás a falta de transparência que havia anteriormente em seus processos de seleção. E o que queremos é a manutenção disso e não o retrocesso que está significando a nova contratação de um curador que não foi capaz de respeitar um compromisso público. Nem ele, nem Claudia Saldanha e nem Ricardo Macieira. Fica então a pergunta:
Para quê precisamos de instituições na contemporaneidade, já que estas são lentas, engessadas e desprovidas de recursos, se não forem capazes de cumprir a sua função simbólica - o respeito à lei que rege os princípios básicos de uma sociedade democrática.
Um abraço,
Patricia Canetti
Artista, criadora do Canal Contemporâneo