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junho 28, 2005
Artistas que vão expor no Sérgio Porto ficam em situação embaraçosa, por Ana Wambier
Artistas que vão expor no Sérgio Porto ficam em situação embaraçosa
Matéria de Ana Wambier publicada originalmente no Segundo Caderno do Jornal O Globo, no dia 28 de junho de 2005
Os artistas que vão expor nas galerias do Espaço Cultural Sérgio Porto estão numa "sinuca de bico". Selecionados para as exibições pelo novo curador das mostras, eles não podem aproveitar o momento porque parte da classe artística os acusa de compactuar com o secretário das Culturas, Ricardo Macieira, que decidiu nomear Luís Cancel para o cargo depois que a antiga curadoria, formada por Cláudia Saldanha, Anna Bella Geiger e Fernando Cocchiarale, já havia chegado a um resultado, que foi invalidado.
- Eu acho que é assim que acontece: as pessoas mandam seus portfólios para os salões podendo ou não serem escolhidos. Os artistas têm é que fazer os projetos comprometidos com seu trabalho. Agora vai questionar porque não foi selecionado? - defendeu a artista plástica Sandra Schechtman, uma das escolhidas por Luís Cancel e que não constava na lista de Cláudia Saldanha, Anna Bella e Cocchiarale.
Artistas se manifestam em fórum na internet
A discussão a respeito da troca de curadorias começou a ser comentada por artistas em abril no site Canal Contemporâneo, onde a mediadora Patrícia Canetti colocou a questão para que todas as partes se manifestassem a respeito do que ocorria no Sérgio Porto.
Os mais revoltados com a troca dos jurados no meio do processo curatorial comentaram que os artistas selecionados por Luís Cancel deveriam unir-se a eles e protestar também. Do contrário, alegaram, estariam rachando o movimento e deixando de exercer a civilidade.
Como escreveu a própria Patrícia, "ao descartar a seleção anterior, Cancel passa por cima dos curadores e dos artistas, rejeitando um compromisso institucional, como se nada houvesse antes da sua presença. Compartilham desta condição os artistas selecionados por ele, que, dizendo que não podem mudar esta situação, passam a contribuir para o tratamento de gado dispensado a eles mesmos".
No site, um dos artistas escolhidos por Cancel, Cézar Migliorin, questiona se o fato de o curador fazer a sua própria escolha deve ser mesmo considerado um absurdo. "A não ser que participar de uma concorrência seja uma forma de compactuar", respondeu ele.
- Eu penso que as pessoas deveriam sentar para resolver a coisa de forma mais adulta. Do contrário, ficaremos todos à mercê de uma coisa mal resolvida, não declarada. Não estou defendendo apenas um dos lados, mas acho que também estou no meu direito de poder expor. O que acontece é que somos extremamente desunidos. Eu apenas lamento tudo isso - disse Clarisse Tarran, também escolhida pela segunda seleção.
Embora o projeto de sua obra já estivesse definido antes de toda a confusão gerada em torno da seleção do Sérgio Porto, a obra de Clarisse é, por assim dizer, eloqüente para o momento: chama-se "Eu falo" e trata dos diversos tipos de fundamentalismo. Serão três instalações, sendo uma delas em vídeo. Em uma das peças que serão apresentadas pela artista na galeria do Sérgio Porto, há uma estátua coberta por um tecido que se parece com uma burca.
Outra obra que parece estar em sintonia com a discussão formada é a do artista Mauro Espíndola, que também vai expor nas galerias este ano. Sua obra consiste em grandes prateleiras cheias de recipientes de vidro semelhantes àqueles de farmácias antigas. Nessas vasilhas, os rótulos indicam antídotos para diversos males sociais. Em um dos vidros, há a inscrição: Antifóbico coletivo para fuxico.
- O Luís Cancel foi escolhido para o cargo e tem todo o direito de querer fazer a seleção ao gosto dele. É legítimo. Além disso, ele tem um ótimo currículo, já foi secretário de cultura de Nova York e é uma pessoa extremamente competente. Acho que a comunidade artística do Rio ganha com gente como ele trabalhando aqui. É um novo olhar para o meio. Isso pode ser muito rico - afirmou Sandra Schechtman.
Curiosa é a distorção que turva o raciocínio dos " novos selecionados" artistas. O que está em jogo não é se a Mariazinha ou o Joãozinho vai expor, mas COMO é possível haver a troca arbitrária de um curador no meio de um processo de seleção para as galerias do espaço Sérgio Porto.
Mas, como um dia após o outro ensina que o Brasil está uma lama, eles ainda vão se afundar nela.
Tempo ao tempo , mas nem por isso calada.