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fevereiro 15, 2005
Implosão cultural por Deluana Buss
Publicado originalmente em A Notícia, sexta-feira, 28 de janeiro de 2005, Joinvillle, Santa Catarina, Brasil
Implosão cultural
Reforma administrativa proposta pelo governo muda radicalmente o setor, cujas representações estão incorformadas
DELUANA BUSS
Florianópolis - A proposta de reforma administrativa, encaminhada no começo deste ano pelo governo do Estado para a Assembléia Legislativa de Santa Catarina, onde está em discussão, significará uma mexida grande na área cultural. O pacote ainda não foi votado - acredita-se que isso ocorrerá depois de 2 de fevereiro - e deverá receber diversas emendas, mas, do jeito que está, ele acaba com a Fundação Catarinense de Cultura (FCC), abre a possibilidade de sua substituição por uma organização social, extingue o Sistema Estadual de Incentivo à Cultura, institui um fundo que atenderá conjuntamente cultura, turismo e esporte, e cria o cargo de diretor de Cultura, que será diretamente vinculado ao secretário de Estado da Cultura, do Turismo e do Esporte, nova nomenclatura do antigo secretário de Estado da Organização do Lazer. É a essa secretaria que caberão tarefas antes a cargo da FCC, como promover ações de defesa do patrimônio artístico, histórico e cultural do Estado e coordenar a manutenção do Palácio Cruz e Sousa, do Museu Histórico de Santa Catarina, do Museu de Arte de Santa Catarina (Masc) e do Museu da Imagem e do Som (MIS).
Inconformados com a pressa com que o assunto vem sendo tratado, artistas e entidades ligados à produção cultural do Estado deflagraram uma grande mobilização contra as propostas. O principal ponto defendido pela classe artística é a retirada de tudo o que se refere à cultura da pauta de votação da reforma, possibilitando discussão e esclarecimentos para a sociedade. "É preciso uma reforma para a área, mas ela deve demorar o tempo necessário, deve ser aberto o debate", defende o editor Fábio Brüggemann, escolhido como porta-voz da classe.
Os encontros resultaram na criação da Frente em Defesa da Cultura Catarinense, na qual ocorreu uma divisão de tarefas. Enquanto alguns analisam detalhadamente a proposta de lei do Governo, outros fazem pressão junto aos deputados estaduais ou organizam reuniões de articulação em diversas cidades catarinenses. Para o dia 2 de fevereiro, quarta-feira, já está agendada, na Assembléia Legislativa, uma audiência pública com a presença de representantes dos setores culturais, além, claro, de deputados e representantes do governo.
Antes disso, a classe planeja entregar hoje, ao ministro da Cultura, Gilberto Gil, que estará no em Santa Catarina para realizar um show, um documento explicando a situação no Estado, com cópias para o secretário de Identidade e Diversidade Cultural do ministério, Sérgio Mamberti, e para a secretária de Cultura do Paraná, Vera Mussi, que preside o conselho permanente de secretários. Já na segunda-feira, dia 31, às 12 horas, será realizado o ato público Enterro da Cultura, numa passeata entre o Mercado Público e a Assembléia Legislativa, com esquetes de teatro, performances e panfletagem alertando a população para as mudanças da estrutura da cultura em Santa Catarina.
Diretor-geral da FCC, Edson Busch Machado acredita que "essa discussão é necessária para chegar a evoluir. A estrutura atual é arcaica, e os resultados nos últimos dez anos têm demonstrado isso". Ele acredita que a criação de uma organização social, compartilhando a gestão da cultura estadual entre iniciativa privada e o poder público, poderá trazer resultados positivos. "E assim, paralelamente, poderia ser viabilizada a proposta de criação de uma secretaria estadual de cultura, talvez para daqui a dois anos", aventa.
O que a Frente em Defesa da Cultura Catarinense propõe:
- Retirada da cultura do pacote de reformas para discussão e esclarecimentos;
- Criação de uma secretaria estadual de cultura;
- Cumprimento das leis culturais (incluindo pagamento de dívidas pelo Estado) que não foram cumpridas pelo governo desde o início do mandato;
- Tratamento adequado à indústria cultural do Estado como fonte de emprego e renda;
- Participação da classe artística na elaboração de uma política pública séria para o setor, que contemple e respeite as conquistas registradas até o momento, como a Lei Estadual de Incentivo à Cultura.
Projetos em discussão na Assembléia Legislativa
Veja o que eles prevêem:
Projeto de Lei Complementar no 0001.8/2005, que "estabelece novo modelo de gestão para a administração pública estadual e dispõe sobre a estrutura organizacional do Poder Executivo".
Art. 70 - À Secretaria de Estado da Cultura, Turismo e Esporte, compete: 1. formular, coordenar e avaliar a implementação das políticas integradas de lazer, turismo, cultura e esporte; (...) 4. apoiar e incentivar a realização de eventos e manifestações culturais, esportivos e turísticos; (...) 6. elaborar estudos e análises específicas sobre as áreas culturais, esportivas e turísticas visando a proposição de diretrizes para o desenvolvimento integrado do lazer; 7. coordenar ações voltadas à captação de recursos para financiamento de projetos relativos ao desenvolvimento cultural, esportivo e turístico junto a organismos nacionais e internacionais; (...) 9. promover ações de defesa do patrimônio artístico, histórico e cultural do Estado; 10. coordenar ações que envolvam o inventário e a hierarquização dos espaços culturais, esportivos e de turismo; 11. promover ações de defesa do patrimônio artístico, histórico e cultural do Estado; (...) 14. coordenar a manutenção do Palácio Cruz e Sousa, do Museu Histórico de Santa Catarina, da Casa de Santa Catarina localizada em São Paulo, do Museu de Arte de Santa Catarina e do Museu da Imagem e do Som, bem como ações que envolvam estudos e pesquisas sobre a história política do Estado; 15. normatizar os critérios de tombamento dos monumentos e obras de arte inventariados e classificados; 16. tombar monumentos e obras de artes inventariadas e classificadas pelas secretarias de Estado de Desenvolvimento Regional; e 17. apoiar e orientar as secretarias de Estado de Desenvolvimento Regional na execução e implementação das atividades e ações relativas aos setores de Cultura, Turismo e Esporte.
Art. 153 - Ficam extintas as seguintes entidades da administração indireta estadual: (...) 2. Fundação Catarinense de Cultura - FCC;
Art. 153 / parágrafo 6 - (...) a extinção apenas efetivar-se-á na medida em que forem sendo constituídas as Organizações Sociais responsáveis pelas áreas respectivas, o que deverá ocorrer no prazo máximo de 90 dias, a contar da publicação desta Lei Complementar.
Art. 154 - Os servidores das autarquias e fundações extintas, passam a integrar o quadro de servidores da administração
direta do Estado (...)
Art. 171 - Ficam transformados os cargos de: (...) 3. secretário de Estado da Organização do Lazer, em secretário de Estado da Cultura, Turismo e Esporte;
Projeto de Lei no 0019.1/2005, que "institui o Fundo Estadual de Fomento à Cultura (Funcultural) e estabelece outras providências".
Art. 2 - O Funcultural, de natureza financeira, é constituído com recursos provenientes das seguintes fontes: 1. 0,5% da receita tributária líquida do Estado de Santa Catarina (...); 2. recursos oriundos do Fundo de Desenvolvimento Social (...); 3. receitas recorrentes da aplicação de seus recursos; 4. contribuições, doações, financiamentos e recursos oriundos de entidades públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras; 5. recursos provenientes da tributação de atividades lotéricas, na forma da lei no 11.348 (...); 6. outros recursos que lhe venham a ser destinados.
Art. 2 / parágrafo 2 - Os recursos do Fundo serão depositados em conta corrente específica, em instituição financeira oficial, administrada pela Secretaria de Estado da Cultura, Turismo e Esporte (SECTE).
Art. 4 - O conselho gestor (do Fundo), presidido pelo secretário de Estado da Cultura, Turismo e Esporte, será composto: 1. pelo secretário de Estado da Cultura, Turismo e Esporte; 2. pelo diretor de cultura da SECTE; 3. pelo diretor de Turismo da SECTE; 4. pelo diretor de Esportes da SECTE; 5. três representantes da sociedade civil organizada, membros dos respectivos conselhos setoriais.
Art. 6 - Todos os projetos e programas, quer culturais, esportivos ou turísticos, devem ser submetidos à apreciação da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional a qual pertençam, de acordo com o disposto no regulamento desta Lei.
Art. 13 - Ficam revogados (...) a Lei no 10.929 (...), a Lei no 11.067 (que instituem o Sistema Estadual de Incentivo à Cultura).
O que é organização social
Art. 1 - O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos
previstos nesta Lei.
Fonte: Lei Federal nº 9.637, de 15 de maio de 1998