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outubro 13, 2004
Santa Catarina - Cultura e vontade política
Emeio enviado por Davi Denardi sobre a matéria Cultura e vontade política, de Fábio Brüggemann, publicada originalmente no Diário Catarinense, no dia 9 de outubro de 2004 e reproduzida abaixo.
Bom Dia Fábio,
Continuando a discussão, acredito que apesar do descaso dos governos com a cultura e a arte em Santa Catarina, o maior problema do estado ainda está nos próprios artistas, que romantizam o fazer artístico e vêem no circuito artístico não uma maneira de colocarem à prova idéias e conceitos, mas sim uma maneira de satisfazerem seus egos com o suposto "glamour" da figura do artista. Na realidade conheço pouquíssimos artistas que não acreditam serem "grandes", e que produzem sem esperar necessariamente uma menção na mídia ou de seus pares.
Na realidade o problema está na própria Cultura do povo catarinense, na maneira como a população e os próprios artistas vêem a arte, e em consequência como o governo, que tem como único objetivo "agradar" essa população vê a arte. Os artistas catarinenses de modo geral não procuram o aperfeiçoamento, raramente participam de palestras, debates, encontros, mostras, espetáculos e esperam que o público faça isso. Não existe arte sem movimento artístico, bem disse Dennis Radunz em um Café Literário em Tubarão, e não existe movimento artístico concreto em Santa Catarina, e se existe, ou é muito restrito à capital ou muito ligado à mentalidade equivocada do "grande artista".
O governo pode ter uma parcela significante de culpa no mapa cultural do Estado, mas a verdadeira culpa ainda é dos artistas.
Um grande abraço
Davi Denardi
Fábio Brüggemann
Matéria publicada no Diário Catarinense, dia 9 de outubro de 2004
Muito reveladora e precisa a opinião do artista plástico Ivens Machado concedida à Romi de Liz neste Diário, quinta-feira passada. Machado não escondeu sua frustração diante da ausência de políticas públicas do governo estadual. Já cansei de expor aqui neste espaço - e em todas as vezes em que sou convidado a falar sobre o assunto - de que é equivocada a crença dos governos (e não me refiro apenas a este) de que eles é que devem produzir cultura.
Mas esta malograda idéia não é só culpa dos governos. Afinal - repetindo a tola e politicamente incorreta frase "cada povo tem o governo que merece" - se elegemos governos sem compromisso com políticas públicas decentes, debatidas à exaustão, democráticas e inteligentes, como cobrarmos que elas existam? Não podemos esquecer, portanto, da parcela de culpa dos próprios artistas e produtores que, por causa de um único mecanismo existente de apoio público (a Lei de Incentivo à Cultura), morrem de medo de criticar o marasmo e a apatia dos governos, temendo perder a única forma existente de realizar seus projetos. Ivens pegou mais pesado (e olha que ele se declara primo remoto do governador) do que toda a classe reunida. Ele acertou em cheio ao dizer que a arte não é privilegiada e que, textualmente, "o governo está engessado em uma idéia inculta".
Mas esta falta de política pública para a cultura e esta "idéia inculta" não se devem apenas a este governo. Os anteriores pecaram pelo mesmo motivo. Além disso, sem exceção, os anteriores também praticaram "política de balcão", privilegiando projetos, artistas e produtores em detrimento de outros. Lembro quando o ex-governador Esperidião Amin, em uma conversa com produtores e artistas, disse a um conviva que, em último caso, fosse ao governo que este daria uma "ajuda".
A grande questão é que os governos não podem pensar em "ajudar" os artistas e os artistas devem parar de pensar que os governos devem ajudá-los. Os melhores espetáculos, livros, peças de teatro e companhias de dança aparecem quando os governos investem sem escolher este ou aquele projeto ou nome, mas quando acreditam que investir em cultura é, antes de tudo, movimentar dinheiro, criar empregos e formar consciência crítica. Uma das formas mais interessantes de o Estado (independente de seus governos) investir na cultura é promover editais e conceder bolsas de trabalho. Só que eles devem ser julgados por pessoas escolhidas pelos próprios produtores e artistas, nunca pelos governos.
O problema é que os governos também têm medo (como o artista quando se omite da crítica) de projetos audaciosos e contestadores. Não é à toa que os candidatos à prefeitura insistem em dizer, quando questionados sobre sua metas à cultura, que apoiarão o resgate da "cultura açoriana", "ao boi-de-mamão" ou à "cultura popular". São manifestações, apesar de necessárias e fundamentais, pouco contestadoras e despolemizadas. Já um livro, uma peça de teatro ou um filme são, talvez, as únicas formas possíveis de se dizer ao mundo que o atual projeto humano é um equívoco enorme. E o melhor, custam menos do que construir grandes teatros ou mídia para atrair turistas.
Os governos locais fazem ouvidos moucos à forma como países desenvolvidos investem em cultura. Um governo inteligente saberia detectar o quanto seria rentável promover o "Mundo Ovo" da artista Eli Heil, só para dar um exemplo. Em cidades muito menores, na Europa, artistas como Eli, trazem mais divisas do que a Praia Mole no Verão.
Porque será que uma única companhia de cinema norte-americana (e se enganam os que pensam que não há linhas de créditos especiais a elas) investe em um único filme o PIB anual de todo o Estado de Santa Catarina? Porque rasgam dinheiro? Não, porque sabem do potencial de geração de empregos, do movimento de grana, da arrecadação de impostos, sem contar a exportação dos costumes, ideologia e língua ianque. Espero que a crítica de Ivens Machado sirva para a promoção de um grande debate público e que os governos deixem seus egos em casa e tratem seus críticos como vozes a serem ouvidas, não como inimigos.
Para isso é preciso, mais do que dinheiro, apenas uma imensa, saudável e necessária vontade política.