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julho 26, 2004

Visão restrita de uma geração

Emeio enviado por Patricia Canetti sobre a matéria de Luiz camillo Osorio que foi capa, na última segunda, do Segundo Caderno de O Globo. (Leia a matéria reproduzida a seguir.)

Assunto: antes tarde do que nunca

Caro Luiz Camillo e Editores,

Gostaria de parabenizar ao crítico, como também aos editores, pela excelente matéria de capa do Segundo Caderno, "Visão restrita de uma geração", publicada ontem.

Tivemos que esperar 20 anos (mas antes tarde do que nunca) para ouvir uma voz dissonante na grande mídia provocar a visão viciada da história da arte brasileira recente. Aproveito para chamar a atenção dos senhores para essa experiência que estamos tendo: a de vivenciar a maneira de como a história é escrita e de como distorções e cegueiras históricas podem influenciar, não apenas a visão do passado, mas também a do presente e do futuro.

Faço uma sugestão: que tal fazer, durante a Bienal de São Paulo, quando vocês forem fazer uma matéria sobre os artistas brasileiros participantes, incluir, on the side, uma pesquisa histórica enfocando os anos 80? Quem sabe, assim, começamos a refrescar as nossas memórias embassadas pela repetição dessa história da arte feita de uma nota só.

Um abraço,
Patricia Canetti


Matéria de Luiz Camillo Osorio, publicada originalmente no Segundo Caderno do Jornal O Globo do dia 26 de julho de 2004.

Visão restrita de uma geração

Luiz Camillo Osorio

Respondendo à pergunta contida no título da exposição: parte dela, a mais óbvia, está agora no Centro Cultural Banco do Brasil. Mas já era hora de se fugir de alguns estereótipos e olhar os acontecimentos daquela década de modo mais abrangente. Marcus Lontra — que já fora curador da mostra "Como vai você, geração 80?", do Parque Lage, em 1984 — poderia ter aproveitado a ocasião para abrir novas perspectivas de compreensão sobre aquele momento da arte brasileira. Passados 20 anos, seria o caso de pôr em questão o sentido da tal "volta à pintura", tão propalada na época, e apostar no que talvez tenha sido o mais decisivo dentro de toda aquela euforia: a diversidade. De que maneira a pintura foi retomada naquela década, quais poéticas de fato se firmaram e como esta retomada se deu junto à multiplicação de meios expressivos e não contra a experimentação com novos suportes?

O começo dos anos 80 foi marcado por uma sensação de liberdade e otimismo que fazia tempo não era sentida no país. Festejar era uma nova possibilidade de engajamento político. Sem nenhuma apologia à caretice, muito pelo contrário, era o caso, nesta exposição institucional, de se descolar da festa para olhar seus desdobramentos com mais distanciamento. A irreverência e a improvisação da primeira exposição deram lugar a uma certa nostalgia cerimoniosa. É fundamental que cada um tenha a sua leitura e que se façam exposições de reavaliação histórica como esta; mas tanto melhor se forem capazes de nos abrir outras possibilidades de compreensão. Faltou esta ousadia de revisão.

Depois de uma arte de resistência, como foi a dos anos 70, nascia na década seguinte uma nova postura, menos combativa e mais afirmativa. Este caráter afirmativo era uma aposta na diversidade e na alegria que a ditadura negara. Pelo que vemos no CCBB, todavia, há uma reincidência em enxergar aquele momento apenas sob a ótica da volta à pintura, e esta como mera reação a um suposto hermetismo da arte experimental (leia-se conceitual, mas que de fato nunca existiu no Brasil). Por que manter as salas tão abarrotadas como se todas aquelas pinturas, sejam as da década de 80, sejam as posteriores, apostassem na contaminação da "grande tela"? De que maneira a pintura surgia como algo além de mera reação do mercado à "desmaterialização" da arte experimental? Por que não mostrar artistas importantes que apareceram naquele mesmo contexto — alguns participando inclusive da exposição do Parque Lage — e que fugiram, nas suas obras individuais, do que se convencionou como um estilo "geração 80"? Poderia citar, por exemplo, Eduardo Kac, João Modé, Jac Leirner, Nelson Felix, Ricardo Basbaum, Paulo Pasta, Mario Ramiro, Beth Jobim, entre outros. Não são estes nomes muito mais pertinentes para se pensar hoje a história dos anos 80 do que uma série de artistas escolhidos cujas obras ficaram presas ao passado e não fizeram nada de interessante desde então? Será que é o caso, então, de se separar a geração 80 dos anos 80, e começar a pensar na década como algo mais plural e fértil para a história da arte?

No que diz respeito à pintura propriamente dita, a produção dos anos 80 não pode ser vista como mero retorno à ordem, mas como procura de novas possibilidades pictóricas a partir dos fragmentos deixados pela tradição moderna. O interessante na obra de Jorge Guinle, por exemplo, é o modo como ela retoma a pintura expressionista e retira dela o heroísmo ou o desespero gestual. É uma obra distanciada e envolvente, que sabe que toda herança histórica é uma conquista e não um dado a ser livremente apropriado. A disponibilidade para atualizar e reciclar o legado fragmentado da pintura moderna está presente em duas trajetórias pictóricas bastante interessantes daquela geração — a de Cristina Canale e de Luiz Zerbini. Não se trata de dizer que são os melhores artistas, mas os que têm dado à pintura um frescor renovado e sempre surpreendente. Uma artista que merece atenção é Monica Nador, cujo deslocamento das pinturas negras de grafite para as interferências pictóricas no espaço urbano é bastante interessante para se pensar a atualidade da pintura para além do seu suporte tradicional. É claro que Daniel Senise, Marcus André e Fabio Miguez, para citar só alguns entre os presentes, são pintores relevantes, mas suas obras não tiveram possibilidade de aparecer nesta exposição. A sala dos artistas paulistas da Casa 7 estava abarrotada e a escolha da escultura de Nuno Ramos deixou este artista aquém de sua trajetória.

As obras de Angelo Venosa e de Leonilson dão um tom mais introspectivo, reflexivo, de estranhamento de si e do mundo, àquele momento de aparente exaltação ensolarada. Venosa é dos poucos que se mantiveram escultor desde o começo e foi depurando sua forma plástica e dando-lhe um traço mais vertiginoso e menos orgânico. Leonilson trouxe para a arte dos 80 o traço existencial de uma geração pós-utópica que misturava uma subjetividade em crise aos novos processos de investigação formal. Sua pintura inicial, mediana, nada de particularmente interessante, foi se transformando em seus desenhos/costuras/poemas de alta dosagem poética, dando ao fazer artístico um lirismo singular. Leonilson está para a arte brasileira dos 80 assim como o The Smiths (leia-se Morrisey) está para a música pop: recriaram uma sensibilidade trágica desafetada, sem drama.

Como já mencionei, faltou a esta exposição ampliar nossa visão daquela geração, mostrando os novos usos da imagem fotográfica, da tecnologia, do vídeo. Ali a diversidade e a simultaneidade ganharam novo estatuto poético. Os objetos e engenhocas de Barrão e seu desdobramento atual no Chelpa Ferro pareceram coisa isolada e à parte, quando na verdade se articulam a uma série de outras experiências contemporâneas germinadas naquele momento. A montagem, por fim, ficou confusa e com salas cheias demais.

Posted by João Domingues at 4:59 PM