|
julho 20, 2004
Esculturas urbanas
Emeio enviado por Carlos Bernardi, para o Jornal do Brasil, sobre a matéria Esculturas urbanas de Luciano Ribeiro, publicada originalmente no Caderno de Domingo do Jornal do Brasil no dia 18 de julho de 2004, e reproduzida abaixo.
Prezados do Jornal do Brasil,
Anuncio meu total descontentamento frente à reportagem "Esculturas urbanas", do Caderno de Domingo do dia 18 de julho.
Como circunstante urbano e interessado em obras de arte de pertencimento público, tive a impressão que o jornalista pouco se embrenha em buscar esclarecer na matéria da situação da arte pública na cidade do Rio de Janeiro, retendo-se aos parcos comentários capturados por transeuntes "normais" (circunstantes urbanos como eu) sobre as obras, interessados em "compreender" a produção em contraponto às palavras dos escultores, e ignorando os caminhos oficiais por onde esse espaço deva ser publicamente, ou esteticamente, ocupado. Nos casos de Ivens Machado e Waltercio Caldas, ambos participaram de seleção pública promovida pela secretaria da cultura no ano de 1995, caso que deveria ser melhor colocado frente aos comentários que tendem a, desnecessariamente, dar um discurso de significação às obras mencionadas. A "descompreensão" - permitam-me o fracasso do termo - em dado momento é a sugestão suficiente para as provocações da ordem pública, espacial e estética, o que parece figura cativa da intenção de um artista interessado em produzir um trabalho dessa natureza.
Parece muito mais urgente refletirmos sobre que política pública precisamos encarar para estabelecer critérios "compreensíveis" à cidade.
Grato pelo tempo disponível.
Carlos B.
Matéria de Luciano Ribeiro publicada originalmente no Caderno de Domingo do Jornal do Brasil, no dia 18 de julho de 2004.
Esculturas urbanas
Elas estão pela cidade, mas poucos sabem o que são
LUCIANO RIBEIRO
Em pé, diante de Escultura para o Rio, de Waltercio Caldas, o gari Benedito Leopoldo, 26 anos, não demonstrava muita compreensão. As duas hastes que parecem brotar do chão da esquina das avenidas Presidente Wilson e Beira-Mar são feitas com as mesmas pedras portuguesas da calçada, medem nove metros, pesam 16 toneladas. Estão ali desde 1996, mas foi a primeira vez que Benedito parou para olhar.
- Sinceramente, não sei o que isso quer dizer. São como dois pirulitos feitos a partir da calçada de Copacabana, é engraçado. De qualquer forma, essa esquina parece ter ficado menos perigosa - acredita o gari.
Mesmo sem saber, foi pensando justamente em pessoas simples, como Benedito, que o artista plástico criou a sua escultura. A intenção era mostrar, de forma bem-humorada, o espírito do carioca, sugerindo vários entendimentos a partir da vivência de cada um.
- Ela não pode, simplesmente, ser posta num lugar qualquer. A escultura deve inventar o próprio local, deve utilizar a cidade como uma forma de pele. E ter bom humor, atitude própria do carioca - acredita Waltercio, que levou um ano e dois meses para concluir a obra.
Ao todo, a cidade concentra 500 esculturas em seu espaço público. O secretário municipal das Culturas, Ricardo Macieira, nomeou, no último dia 6, a Comissão de Proteção da Paisagem Urbana da Cidade do Rio de Janeiro. Um grupo de 16 nomes, entre artistas plásticos, arquitetos, diretores de instituições, curadores de arte e críticos, passa a definir as obras que vão ou não ocupar a cidade. A intenção é estabelecer critérios e, evitar que esculturas sem valor tomem conta das ruas e que obras inexpressivas emporcalhem o Rio. A comissão não tem poder de mexer no que já está feito, mas de definir as instalações futuras.
São atitudes que vão interferir, diretamente, nas observações de pessoas como a funcionária pública Maria Clara Romero, 32 anos. Diariamente ela cruza com o Passante, de José Resende, no Largo da Carioca, no Centro. Nos dias de semana a escultura serve de suporte para pipoqueiros guardarem penduricalhos. Quando chove, há quem tente se abrigar debaixo da obra, criada pelo artista em 1995. Não é fácil. Resende buscou uma peça que se mexesse com o vento, capaz de dar a sensação de movimento. Ela tem 12 metros de altura, 90 centímetros de largura e seis metros de extensão, e é feita em aço córten, um material auto-protetor.
- Isso me lembra os retirantes nordestinos, muito magros e com força para andar, andar, sem, muitas vezes, conseguir coisa alguma - compara Maria Clara.
A funcionária pública não tinha como saber quem era o autor da obra. Quase todas as placas de identificação das esculturas urbanas cariocas não estão no lugar. Sem elas, só mesmo um conhecedor para identificar que o trabalho em aço exposto no Leme pertence a Angelo Venosa. Embora o artista não tenha pensado em nenhum animal marinho quando a criou, a peça ganhou um apelido. É chamada, pelos transeuntes do canto de Copacabana, de Baleia.
- Só não entendi por que ela não fica na areia da praia, encalhada, mas fincada aqui, depois do calçadão - questiona o publicitário Fabio Meirelles, 24 anos.
Um dos motivos pode ser porque Venosa não enxerga tantas semelhanças entre sua obra e uma baleia. A escultura foi criada em 1991, para ser posta na Praça Mauá. Há quatro anos se mudou para o Leme.
- Na Praça Mauá achavam que era uma algema. As interpretações variam de acordo com muitas coisas. Mas não tive a preocupação de passar uma idéia específica. Queria que a escultura fizesse parte do dia-a-dia das pessoas. Que elas se afeiçoassem à obra, como quem tem carinho por uma árvore ou um banco de jardim - explica Venosa.
O artista Ascânio MMM, com sete esculturas nas ruas cariocas, concorda com Venosa que a função das peças urbanas não é ser inteligível a todas as pessoas, muito menos a de prestar homenagens a personagens da história. Com seu Módulo 6.5 instalado no jardim em frente ao prédio da Prefeitura do Rio, com 1.200 quilos de alumínio, Ascânio conta que pensou somente em criar algo atual:
- Na escultura contemporânea, não faz sentido produzir bustos de personalidades - diz o artista.
A funcionária da prefeitura Matilde Soares, 33 anos, diz adorar a escultura de Ascânio, mesmo sem saber exatamente o que ela quer dizer.
- E precisa? Sei que é bonita, adoro ficar olhando para ela. Quando estamos no horário de verão, saio daqui com o dia claro. É muito legal poder ver uma obra desse tamanho, em vez de concreto para tudo quanto é lado - diz Matilde.
Ivens Machado pôs um dos seus trabalhos mais interessantes na Rua da Carioca, no Centro. Quem passa por ali tenta entender as intenções do artista. A dona de casa Debora Vilela arrisca, de bate-pronto:
- Parece o passo de um gigante.
Seu marido, Antonio Vilela, enxerga as pernas de uma mulher:
- Não tem todas as curvas de que eu gostaria, mas é bastante interessante - brinca.
Paulo Herkenhoff, diretor do Museu Nacional de Belas Artes, faz parte da comissão criada pelo governo e acredita que a visão plural dos moradores é muito favorável. Mas reclama que, na última década, a cidade foi infestada por ''presentes de casamento''.
- Esses bonecos com cara de gente famosa insultam a memória do homenageado. As ruas não são um território para política, nem para os artistas, e sim para a sociedade - define.