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julho 16, 2004
O Estado, o mercado e a cultura
Matéria de Adriano de Aquino, publicada originalmente, publicada originalmente no Jornal do Brasil no dia 15 de julho de 2004.
O Estado, o mercado e a cultura
Qual o melhor parceiro da arte?
ADRIANO DE AQUINO
Quem é o melhor parceiro da criação: o Estado ou o mercado? Os últimos 20 anos viram fortalecer a idéia de que a melhor forma de estimular a criação artística é através do mercado, porém, alguns artistas e produtores culturais admitem que o Estado continua sendo o mais importante parceiro para o fomento da produção cultural e para o desenvolvimento das artes em nosso país.
Os anos 90 viram florescer a idéia de que a economia de mercado seria a panacéia para todos os males. As sugestões neoliberais - da equipe do governo Clinton para os países latino-americanos - eram os acessórios mais vistosos da vitrine global. No Brasil, as determinações administrativas delas oriundas geraram graves distorções nas políticas públicas e no ambiente artístico. Reduzindo seus compromissos sociais, o Estado direcionou o artista e o produtor cultural para a fila de crédito de um agente financeiro privado ou para as empresas de publicidade ligadas a bens de consumo. A partir de então implantou-se uma política de atendimento ao setor cultural que desse visibilidade para a administração. As empresas estatais foram levadas a financiar projetos culturais, suprindo em parte os custos que caberiam à administração direta, patrocinando alguns setores da arte e da cultura, como o cinema e determinadas atividades esportivas, por exemplo. Para os segmentos artísticos não beneficiados por essa cobertura a administração direta oferecia apoio institucional e leis de incentivo fiscal. A redução orçamentária, o controle fiscal e a diminuição de investimentos públicos infra-estruturais são marcas incontestes dessa política. É sempre bom lembrar que os incentivos fiscais são concedidos pelo Ministério da Fazenda.
Críticos dessa política afirmam, sem pestanejar, que foi ela a responsável pelo agravamento dos problemas do setor cultural ao liberar-se da responsabilidade de proteger as artes excluídas dos sistemas de financiamento, de difusão ou em experimentação. Alegam que os investimentos públicos para educação e para cultura são prioritários e estratégicos no combate às desigualdades sociais, ao atraso tecnológico e ao subdesenvolvimento. Argumentam, ainda, que o Estado é um interlocutor qualificado, pois suas decisões são passíveis de questionamentos e as pressões políticas inerentes à democracia permitem que a sociedade civil discuta e interfira na condução da política cultural. Essas características tornam a mediação do Estado uma ação positiva e uma via de proteção contra interesses exclusivamente mercantis.
No meu entender, as transformações sociais só ocorrem a partir das ações da sociedade civil visando à reordenação das políticas públicas. Entretanto, elas só se realizam pela cultura. O criticado descompromisso dos governos com as manifestações culturais dos diferentes grupos sociais vem sendo um facilitador para a implantação da lógica de uma cultura hegemônica. Um padrão global que há algum tempo direciona a indústria cultural de massas espalhou-se para os demais setores artísticos. O ambiente simbólico das elites cosmopolitas refletiu-se nos espaços culturais em todo o mundo, sobrepondo-se às especificidades locais. Nas artes plásticas, por exemplo, essa lógica tem sido o principal vetor das curadorias, disseminando-se pelas feiras e eventos artísticos e outros espaços onde artistas e público muitas vezes buscam informações que lhes permitam identificar os códigos que transitam no ambiente artístico e nos centros culturais hegemônicos. Essas supostas trocas em liberdade não são garantias seguras para a ''autonomia'' quando artistas e manifestações culturais, não identificados pelos códigos vigentes, são excluídos do circuito de arte. O que de fato se garante é a afirmação das tendências estéticas eleitas por segmentos intelectuais e operacionais dominantes.
Alguns comentaristas de arte insistem em reduzir as operações do mercado a ações despidas de conotações diretivas. Uma política de Estado para a cultura é a forma de posicionar o governo diante dos interesses que cercam a produção artística e cultural no país e que não são de natureza pública.
Retornando à pergunta inicial desse artigo: que parceiro é capaz de trocas significativas para as artes e a cultura, que proporcionem prosperidade sem riscos para a liberdade criativa?
A crise atual pode ser avaliada em dois planos objetivos. No plano governamental ela faz ressurgir a pergunta: a política cultural continuará a ser gerida no Ministério da Fazenda? No plano cultural aguarda-se uma atitude mais definida dos artistas sobre a prioridade dos seus diálogos.
Falamos com a sociedade ou com um mercado?
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