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julho 26, 2020
Como habitar o presente? Ato 1 – É tudo nevoeiro codificado por Érika Nascimento
Como habitar o presente?
Ato 1 – É tudo nevoeiro codificado
ÉRIKA NASCIMENTO
(…) existem três presentes, o presente do passado, que é a memória, o presente do futuro, que é a expectativa, o presente do presente, que é a intuição (ou a atenção). Este triplo presente é o princípio organizador da temporalidade (...)
(RICOEUR, 2000, p. 360)
Esta é uma exposição, dividida em dois atos, que acontece em um mundo pandêmico onde a noção de tempo, passado, presente e futuro parece estar dilatada. Neste sentido, convido a pensarmos em uma distensão do tempo, onde habitamos três presentes: presente do passado (memória), presente do presente (atenção) e o presente do futuro (expectativa).
Nesta lacuna temporal, estamos longe de encontrar respostas. Resta-nos lançar provocações de como estar neste entre-lugar. Assim, abrimos espaços para entrar no primeiro ato, com nossos corpos suspensos neste presente fragmentado, lutando pela existência da humanidade como se o corpo estivesse deslocado da matéria e flutuasse pelo fluxo dos rios. Como diz Mia Couto, “o rio é como o tempo!”. Como se neste lugar de suspensão pairasse um nevoeiro, onde a obscuridade desta densa neblina na nossa retina nos impedisse de enxergar até sermos transportados para uma cidade esvaziada de vidas.
Estamos diante de um tempo hiperconectado e distópico, que sofre tropeços e acidentes, que pode se estilhaçar. Nesta aporia de ser-no-tempo, que a nossa visão de um presente possível parece estar embaçada, é como se entrássemos noutro estágio de vida, outro mundo, onde somos espectadores atuantes em um tempo “fora de controle”, em um planeta que nos alerta para os impactos de uma terra cansada, entrando em colapso, enquanto estamos imersos em anseios, solidão, mortes, negacionismos, videochamadas, zoom, emojis, likes, redes sociais, memes, algoritmos, fakes news e infinitas lives.
Você está diante de uma exposição-projeto, no sentido de projeção para novos mundos possíveis. Em uma época que o vírus Sars Covid-19 afasta nossos corpos e impõe limites e barreiras no cotidiano, nos colocando em um estado de angústia e impotência, evidenciando grandes abismos sociais já existentes, como a precarização da vida, pois as condições impostas pelo vírus não são as mesmas para todos que vivem neste lugar chamado Brasil.
Ao mesmo tempo em que tentamos lidar com os impactos do vírus, somos transportados para uma desaceleração temporal. Quase que em uma ficção, entramos em um lugar de descompasso com a velocidade de informações que recebemos diariamente através das redes sociais, sites e whatsapp. Com a impossibilidade da experiência corpórea, nos adaptamos às formas de estar no mundo, em um território digital, onde estamos sempre online, através das telas dos celulares. No contra-exemplo da velocidade e disponibilidade da cultura da imagem, somos afetados por outras condições de interações e mergulhamos em uma tentativa de reconexão com o mundo.
Neste momento de incertezas, onde esperamos por curas científicas e, até mesmo espirituais, ativamos dispositivos imaginários como experienciar sonhos e rupturas de compartilhar o presente e imaginar o futuro. Seria possível deglutir a memória e fabricar sonhos? Um chamado para acordarmos para “(…) reconhecer essa instituição do sonho não como experiência cotidiana de dormir e sonhar, mas como exercício disciplinado de buscar no sonho as orientações para as nossas escolhas do dia a dia” (KRENAK, 2019).
É preciso encontrar um novo ritmo para o tempo que costumávamos viver, costurar novos mundos possíveis para uma sociedade mais justa, e confiar na potência do amor no intuito de criar formas de reexistir, buscar por estratégias, estranhamentos, horizontes e preenchimentos de como habitar o presente. Uma reconciliação com o tempo. Compartilhar e expandir este tríplice do eterno presente e criar um presente-futuro possível, deste que está em transição, no limiar, no centro da nossa existência.
Érika Nascimento