|
março 31, 2019
Ramonn Vieitez - Um lugar calmo para minhas certezas por Ton Martins
Um lugar calmo para minhas certezas
TON MARTINS
À primeira vista os trabalhos de Ramonn Vieitez indicam uma atmosfera enigmática. Suas obras mais conhecidas mascaram identidades e intenções, e mesmo que em algumas composições haja algum indício de violência, são cenas de origem e desfecho desconhecidos. Um lugar calmo para minhas certezas apresenta um grupo de trabalhos que representam uma fase de descobertas e transformações em sua produção. Através de pinturas e experimentos em diferentes mídias, o artista idealiza associações a necessidade de mudança e adaptação a que somos constantemente submetidos.
Na tentativa de criar condições ideais de sobrevivência de espécies botânicas em ambientes diversos, Nathanael Ward criou no final do século XIX um recipiente que ficou conhecido como Caixa de Ward - antecedente do que hoje é conhecido como terrário. Em Uma flor especial a ser cultivada cactos cultivados no jardim de Ramonn invadem o espaço expositivo revestidos por tinta preta e abrigados por um objeto suspenso, em uma espécie de culto ao desejo pelo proibido. Esta tentativa insistente e falha de eternizar o efêmero também é apresentada em sua nova série de gravuras. O artista as concebeu utilizando como matriz impressões a jato de tinta sobre papel alumínio, um suporte incapaz de absorver a matéria, sendo necessário transferi-la para outro corpo.
As pinturas de Vieitez revelam sua natureza introspectiva e melancólica. Há nelas, quase sempre, a presença de jovens rapazes solitários estáticos em ambientes indistintos, num espaço ocupado pela impressão de que algo acabou de acontecer ou que há muito é preenchido apenas por memórias, em contextos que permeiam entre realidade e fantasia. Obras silenciosas que provocam nossos desejos implícitos de sermos distraídos ao observá-las. Assim como o misto de adoração e desejo das fotografias homoeróticas de Alair Gomes, as obras de Ramonn demonstram o seu fascínio pela beleza e juventude. Em alguns dos seus trabalhos o artista retrata garotos do seu convívio pessoal ou que acompanha através das redes sociais, que em uma expressão comum podem ser considerados seus "crushes", num ímpeto de aproximação e/ou contemplação afetiva.
Um lugar calmo para minhas certezas vem de um lugar íntimo/confessional, onde práticas cotidianas do artista se unem criando simbolismos para ajudar a entender e lidar com momentos transitórios. Partes de um amplo universo traduzidos para o entorno de um cotidiano familiar.
março 24, 2019
Silêncios por Christine Greiner
Silêncios
CHRISTINE GREINER
Sonia Guggisberg - Silêncios, Embaixada do Brasil - Atenas, Grécia - 28/03/2019 a 17/05/2019
Ao lidar com um certo modo de interceder na vida, absolutamente desinteressado dos processos de “representação”, Sonia Guggisberg passou a pensar seus processos de criação, instaurando em suas obras, procedimentos cada vez mais políticos. O que passa a dar sentido a essas experiências é o processo de testemunhar vidas anônimas, mergulhar nos seus movimentos, dissolver as alteridades e explicitar um certo modo de percebê-las a partir de imagens, sonoridades e gestos menores.
A artista Sonia Guggisberg faz parte desta comunidade cujos integrantes vivem espalhados pelo mundo e, mesmo sem se conhecerem, compartilham uma mesma indagação: como a arte pode interferir na vida daqueles que parecem ter sido despossuídos das próprias vidas?
Além disso, o que a artista parece ter em comum com esta realidade é o fato de nunca ter chegado, em sua vida pessoal, às
áreas de risco onde decidiu agir, com expectativas ou modelos dados a priori. Trata-se antes de mais nada de uma escuta, de estar lá, de viver com, observar e se deixar transformar pelo outro.
Este projeto expositivo é motivado pela experimentação na produção artística documental e busca linguagens que possam traduzir formalmente a necessidade de interrogar a presença do silêncio intelectual a respeito do gigante deslocamento humano e refúgio contemporâneo.
A pesquisa de Sonia Guggisberg diz respeito ao redesenho de identidades empreendido por milhares de migrantes que deixam a terra natal e se lançam ao mar, sem certezas nem destino. A desconstrução de suas singularidades é inevitável e com ela, a necessidade de transformação.
Neste cenário o pesquisa busca traduzir e interrogar a presença do silêncio em diferentes instancias. O silêncio sobre a invisibilidade de milhões de pessoas, o silencio das imagens que gritam pela urgência da realidade e de suas consequências ainda sem solução, o silencio que reflete o esvaziamento de vidas, de seus passados e futuros. Trata-se de um silencio que transforma a realidade em lacuna e apresenta seu testemunho em um discurso audiovisual e sonoro.
O objetivo desta exposição é apresentar algumas destas experiências, testemunhadas em territórios como na Grécia. O que conecta a diversidade dos experimentos é o esgotamento de corpos que foram obrigados a se deslocar. Despossuídos da sua própria vida, o que lhes resta é lidar com a vulnerabilidade e os desfazimentos de si. Não se trata de utopia ou de qualquer tipo de restauração. Há uma irreversibilidade que atravessa os corpos, indagando silenciosamente o que ainda é possível fazer quando sabemos que não estamos sós.
Aqui, a arte tornou-se indisciplinar e inexoravelmente política.
A indisciplinaridade temática das obras, alimentada por bases teóricas da arte e sociologia, é espelhada formalmente pela liberdade com que se aborda diferentes linguagens. As obras a partir da documentação do real, iluminam questões latentes e buscam traduzir em imagens o transbordamento da realidade que não se fez palavra.
A mostra propõe uma análise sobre as singularidades que são obrigadas a se redesenhar a partir de mudança forçada de seus países. A desconstrução e adaptação de milhões de pessoas é inevitável. Com a utilização de recursos áudio visuais, Sonia Guggisberg relata o redesenho das identidades de diferentes origens e suas consequências ainda sem solução.
março 20, 2019
Compreensão do AR (ou E = M2) por Laerte Ramos
Compreensão do AR (ou E = M2)
LAERTE RAMOS
A exposição Compreensão do AR (ou E = M2) apresenta um conjunto de obras do artista plástico caçapavense Egidio Rocci (1960 - 2015). Na exposição, o espectador passará por uma experiência imersiva na poética do artista. Além dos objetos dispostos no espaço, uma projeção de vídeos-slides de fotos de estudos de Rocci e um breve documentários sobre sua produção podem ser vistos em um espaço reservado e convidativo.
Egídio propõe, com sua pesquisa, a transformação - ou a elevação - de objetos que outrora tiveram função e propósito como utilitários, - móveis, criados-mudos, bancos, estantes, prateleiras-, ou simples pedaços de madeira. Estes objetos aleatórios, ao cruzarem com o caminho de Egídio, eram retirados dos depósitos de móveis antigos e usados onde muitas vezes estiveram esquecidos por anos, e ressignificados e elevados à condição de obras de arte em museus, galerias e centros de cultura. O filtramento, ou processo criativo do artista em questão, revela ao espectador estruturas escondidas nos objetos de madeira, seja através da eliminação, desmonte parcial ou incorporação de elementos escolhidos de forma precisa pelo artista, compartilhando, assim, seu modo de relacionar-se com o mundo. Egídio assume um papel de intérprete no diálogo entre a madeira e o metal, entre móveis com cara de casa de vó e móveis de escritório, entre o design e a arte, entre o descartado e o encontrado e ainda, entre o esquecido e o lembrado.
O olhar do artista e seu objeto de interesse ficam perceptíveis nos slides projetados em uma das paredes do espaço expositivo. Uma grande parte deles traz fotos tiradas da janela de seu atelier no Edifício Sta. Branca situado na Avenida Duque de Caxias, em São Paulo entre os anos de 2010 e 2012. Outra parte traz fotos tiradas da sua própria residência, no 8o andar de um edifício em São José Dos Campos, com sua máquina Fujifilm - Finepix HS10 HS11. No vídeo-slide, é possível perceber que mesmo diante de uma janela fixa e de uma paisagem pacata e simples, Egídio organiza seu olhar e convida aos detalhes de seu encantamento: uma conversa entre urubus, camisetas de times de futebol secando ao sol, pessoas andando na rua carregando sacolas de supermercado. Todas estas cenas que passariam despercebidas ao olho comum cativam o olhar do artista e se transformam em objeto de interesse profundo de Egídio. É possível perceber a riqueza de elementos que um mesmo local oferece no dia-a-dia de cada um. Em dado momento, percebe-se, finalmente, que aqueles que ficam nas janelas com suas almofadas aos cotovelos por horas a fio, têm razão para fazê-lo: os dias são todos diferentes e há muita beleza em apreciar o tempo.
E = M2, ou “Egídio por metro quadrado”, é uma referência às estruturas esculturais manipuladas por ele que ocupam áreas com inúmeras memórias de objetos antigos. Memórias estas que foram renovadas em seu ateliê trazendo enigmas a serem desvendados pelos espectadores de seus trabalhos. Correr os olhos, como que em raio-x, pelas estruturas das obras de Egídio proporciona uma compreensão diferente do ar que envolve as esculturas. Os ambientes que tiveram como principal função, a guarda, passam a desvendar o espaço que antes, apenas o ar compreendia. O cheiro de guardado se esvai, gavetas são travadas ou descartadas e o conteúdo de seus trabalhos torna-se parte do imaginário de quem os vê, expondo, cada um, seus próprios guardados.
Tensão Relações Cordiais por Tadeu Chiarelli
Tensão Relações Cordiais
TADEU CHIARELLI
Esta exposição tem uma dimensão experimental, uma vez que se comporta como um texto que se inscreve num e a partir de um texto já dado: a Coleção Regina Pinho de Almeida, a partir da qual ela é concebida e estruturada.
Tensão Relações Cordiais não é uma exposição que busca representar a Coleção, ser um instrumento que a legitime para alça-la a uma hipotética exemplaridade (o que a tornaria mais uma mostra desse tipo que, já banal no exterior, vem sendo explorado cada vez mais no Brasil). Pelo contrário: partindo da Coleção, entendida como um texto ainda em processo, um texto que se constitui pelo gosto de sua proprietária, mas, da mesma forma, pelas circunstâncias que emolduram e moldam esse gosto (história pessoal, afinidade entre colecionadora e artistas, oportunidades mercadológicas, “achados” entre o bizarro e o esplêndido etc.), Tensão Relações Cordiais literalmente ilumina cada obra em particular (daí a opção por uma iluminação pontual, que valorize cada obra exposta, e não por uma iluminação que clareie objetos e espaço “democraticamente”, conferindo-lhe falsamente um sentido unidirecional), não propriamente para “esclarecê-las” para o público, mas para visibilizar suas tensões internas em relação com as outras obras de seu entorno.
A exposição se apresenta como uma caverna em que cada obra se comporta como o vestíbulo de uma galeria subterrânea e, simultaneamente, como uma superfície refletora, impossibilitando qualquer “passagem”, forçando o/a visitante a não se esquecer do aqui e do agora.
Que o/a visitante não espere uma exposição de viés cronológico, que “arrume” aquele conjunto de peças dentro de uma ordem, quer do que se convencionou chamar de “História da Arte”, quer do que poderá vir a ser um dia a Coleção Regina Pinho de Almeida. E nem mesmo busque encontrar uma exposição concebida a partir de “analogias de linguagem”. Sem dúvida, poderão ser encontradas conexões mais ou menos óbvias (dependendo de cada caso) entre uma obra ou outra, mas elas não se articularão no espaço com essa pretensão.
Tensão Relações Cordiais ao se inscrever na escrita anterior da Coleção, ao mesmo tempo em que alarga os sentidos do texto que lhe deu origem, agrega a ele o sentido de incômodo em que se vive hoje no país.
Se o texto Coleção Regina Pinho de Almeida escreve a si mesmo enquanto se inscreve na vida cotidiana de sua responsável última, a exposição será tecida a partir de obras que funcionarão como substantivos alocados, “contextualizados” para e pela própria mostra: a galeria da Casa do Parque propriamente dita, mas, da mesma forma, os acessos arquitetônicos que para ela confluem (daí a imagem de “caverna”).
Nesse espaço, as obras formarão um novo texto, uma reescrita (sem nenhuma pretensão de corrigir o enunciado da Coleção e muito menos de ser “a” reescrita definitiva do texto “original”) que coloca em suspensão e em suspeição o previsível de qualquer exposição de arte: induzir a um único sentido, direcionando o olhar e a mente do/da visitante a uma explicação do que é ou do como poderia ser uma exposição concebida e produzida a partir de uma determinada Coleção.
No fundo (da caverna?) o que está por trás desta proposta é singela: apresentar a Coleção Regina Pinho de Almeida como um fenômeno. Um fenômeno que se constitui na vivência de seu próprio vir a ser e que a ele deverá ser incorporado. Uma metáfora da Coleção, mas da mesma maneira, uma metáfora do que pretende vir a ser a própria Casa do Parque: um texto que se constrói na própria constituição de seu vir a ser.
Tadeu Chiarelli – Janeiro, 2019
março 15, 2019
Zona Mineral por Pedro David
Zona Mineral
PEDRO DAVID
Em 1951, Carlos Drummond de Andrade, publica o livro Claro Enigma. Em um de seus poemas mais reconhecidos, A Máquina do Mundo, descreve, em forma de delírio de um caminhante vespertino, a aparição de uma enorme instituição, quase viva, que parece querer mostrar-se capaz de trazer à humanidade toda a resolução sobre seus anseios, recursos, e riquezas – materiais. Ao alter ego caminhante, que não por acaso descreve a estrada como “pedregosa”, paira a ameaça, ou apenas uma sugestão para que aceite o mundo como vem sendo construído. Tudo é metáfora. Linguagem sofisticada para falar da vida.
As imagens que Rodrigo Zeferino apresenta, em sua nova série de fotografias, nos colocam de frente para a Zona, centro do limitado universo em que adentramos para tentar entender as motivações do artista que converge sua atenção para onde seus vizinhos parecem não enxergar nada além de seu sustento.
O grande caldeirão de sonhos minerais que alimentam seu mundo quadrilátero.
Uma gigantesca máquina, iluminada, digere em moto perpétuo todo o minério que vem carregado por aquele trem-monstro, de cinco locomotivas – o trem maior do mundo, tomem nota *. Sua luz, seus sons, e vapores podem ser sentidos por toda a parte. Qual será o limite entre a máquina e seu mundo?
O vizinho Rodrigo, natural da cidade de Ipatinga, que circunda o enérgico colosso iluminado, retoma a técnica da fotografia noturna ¬para interpretar, inicialmente, a complexa relação entre vizinhos. Os pequenos e o grande, que sustenta e comanda toda a comunidade que surge a partir de seu próprio advento. E o acompanha à maneira que é acompanhado por suas atividades.
Como o Stalker, personagem central da novela dos irmãos Strugatsky, magistralmente adaptada para o cinema em 1974 pelo diretor russo Andrei Tarkovsky, o artista circunda a Zona, uma área de exclusão, que teria sido o ponto de contato de um meteorito, ou de “seres do abismo cósmico”. Ao executar tarefas específicas, interpreta o entorno, tenta entender como seus vizinhos relacionam-se com a lendária máquina. Segue rigorosamente sua investigação ao explorar minuciosamente as possibilidades de registro desta relação. Cumpre os requisitos próprios de seu processo sem profanar a tangente da Zona, regra sine qua non para a criação da série O Grande Vizinho.
Mas como seu destino parece ser gauche, não poderia ater-se para sempre em sua própria regra. Ao contrário do personagem de Drummond, que resiste à tentação, e prefere não enfrentar a treva espessa que emana de seu delírio *, Rodrigo aceita o magnetismo da máquina, não sem receio de reimprimir um clichê, ou passar a serviçal.
Depois de também relutar em responder a tal apelo assim maravilhoso *, abandona a órbita inicial. Conscientemente deixa-se seduzir pela força centrípeta que emana da Zona e penetra o mundo paralelo da máquina. Lá de dentro não perde a esperança mais ínfima – esse anelo de ver desvanecida a treva espessa que entre os raios do sol inda se filtra *. E na presença de uma indelével e infindável pulsação, pode envolver-se em sua luz, sua fumaça, seu produto, e adentrar “o quarto”, que segundo o Stalker, atende aos anseios de quem o alcança.
Mas a Zona só realiza os desejos mais profundos e inconscientes. E o mundo é regido pelas leis do ferro fundido.
Podemos imaginar qual a quantidade necessária de matéria mineral para que este gigante se mantenha acordado noite e dia? Qual seria o papel destes pequenos habitantes periféricos nesta atividade de tantas toneladas por hora? Perguntas aparentemente simples que lançadas à luz que emana dos registros desta existência, parecem um convite para o espectador ativo refletir sobre nossa sina ancestral de provedora de matéria prima para o mundo real. E sobre os sucessivos golpes por que passamos aqui na porção sul do planeta.
* com as palavras do próprio poeta, insubstituíveis.
março 13, 2019
Acervo em Movimento por Francisco Dalcol
Acervo em Movimento
FRANCISCO DALCOL
Um experimento de curadoria compartilhada entre as equipes do MARGS
Como exposição que marca a estreia da gestão que se inicia em 2019, Acervo em Movimento: um experimento de curadoria compartilhada entre as equipes do MARGS integra uma política institucional de exibição dedicada a explorar estratégias de abordagem do acervo do museu, por meio de exercícios curatoriais voltados à experimentação de modelos expositivos.
Um dos mais importantes patrimônios do MARGS, o acervo artístico guarda mais de 5 mil obras de artistas brasileiros e estrangeiros, do século 19 à atualidade. Esse conjunto abrange desde produções regidas pelos modelos acadêmicos europeus, passando pelas rupturas das manifestações dos modernismos em diferentes geografias, chegando à pluralidade dos desdobramentos operados pelas práticas artísticas contemporâneas.
Acervo em Movimento se desenvolve como um primeiro experimento de curadoria compartilhada entre as equipes do museu (Núcleos de Curadoria, Acervo, Educativo, Documentação e Pesquisa, Restauro e Conservação), que conjuntamente e em revezamento exercitam uma mesma estratégia de organização de uma mostra dedicada ao acervo.
Ao invés de apresentarmos um recorte de obras agrupadas sob um tema preestabelecido ou uma narrativa a priori, optou-se por confrontar as chamadas curadorias de tese e suas abordagens ilustrativas, tensionando e mesmo rompendo com suas premissas. O interesse é problematizar exposições que subordinam as obras a leituras retóricas e por vezes arbitrárias, que não raro acabam por prescrever e normatizar a experiência plural e aberta que a arte oferece.
A partir das noções de dispositivo e montagem, Acervo em Movimento coloca em operação um modelo de exposição recombinante, em que obras entram e saem durante o período expositivo. À primeira seleção, proposta em março pelo diretor-curador, seguem-se até julho quatro alterações no conjunto em intervalos quase mensais, sendo uma resposta à outra, cada qual implementada por uma equipe do MARGS. Nas configurações que a exposição assumir, o interesse é sondar as provisórias relações de vizinhança estabelecidas entre as obras, as tensões das partes com o todo.
Ao lançar mão da estratégia de substituições dos trabalhos de arte enquanto metodologia crítica, busca-se também oferecer uma exposição viva e dinâmica, que aposta na experiência mais do que nos discursos, e na descoberta mais do que nas verdades.
Obras de arte não “falam” apenas por si mesmas. Seus sentidos são também efeito do que podem produzir no interior dos territórios discursivos que uma exposição coloca em causa. Ao combinar a individuação das obras e sua inserção em uma narrativa articuladora do conjunto, propondo relações significantes guiadas por tonalidades afetivas e críticas, a curadoria guarda a potencialidade de instituir ao modo aberto uma dimensão experiencial, oferecendo desdobramentos que intensificam e multiplicam as formas de ver, sentir e reagir.
Abrindo mão de roteiros predeterminados, procurando também eliminar hierarquias entre as obras do acervo, esta exposição pergunta ao visitante: quais relações podem ser feitas entre objetos de diferentes origens, períodos e estilos? O convite é que o público constitua os seus caminhos interpretativos, estabelecendo suas próprias relações e conexões, as quais sempre envolvem o que já sabemos, a expectativa do que ainda não vislumbramos e o estranhamento transformador da experiência inesperada e arrebatadora.
Quanto ao sentido compartilhado deste projeto, não se trata apenas da dinamicidade da exposição ou da simples participação das equipes. Mas em qualificar a rotatividade das obras e o protagonismo das escolhas, uma vez que o empenho crítico de transversalizar o processo curatorial corresponde ao gesto de distribuir e horizontalizar o poder de decisão entre as equipes.
Questionando a centralidade do curador na determinação dos sentidos artísticos e desafiando chaves de leitura que encapsulam o conhecimento sobre arte, Acervo em Movimento mobiliza questões prementes que orientarão esta gestão, como a necessidade de se descolonizar narrativas eurocêntricas, dessacralizar a retórica autoritária dos discursos canônicos, tensionar hierarquias preestabelecidas que reiteram os relatos dominantes, e explicitar as representatividades e suas lacunas em acervos e exposições.
Ao enfatizar a potência da descoberta sem o aprisionamento do tema, e privilegiar a experiência da surpresa sem a asfixia do discurso, Acervo em Movimento constitui um experimento curatorial que se quer de caráter permanente na política de exibição do MARGS, passando a ocupar diferentes salas do museu depois desta estreia nas Pinacotecas.
Francisco Dalcol
Diretor-curador do MARGS
Doutor em Teoria, Crítica e História da Arte
março 1, 2019
Tony Camargo - Num Logo Lugar por Arthur do Carmo
Tony Camargo - Num Logo Lugar
ARTHUR DO CARMO
Tony Camargo - Num Logo Lugar, Casa Triângulo, São Paulo, SP -11/02/2019 a 16/03/2019
[scroll down for English version]
Perceber todos os espaços
O trabalho de Tony Camargo sempre envolveu a construção de aparelhos que de alguma maneira desvendam o funcionamento do mundo, apreendendo descobertas de real em espaços determinados, entre linhas e planos, e conferindo aos objetos uma imprevista vocação expressiva. A probabilidade invisível de bolas correrem numa sinuca, um alvo de dardos que se rebela em seus atributos se tornando maciço e impenetrável também no seu reflexo opaco, a transformação irônica de logotipos publicitários, depravando seu pudor imagético característico.
Ao desbravar o interior das coisas o artista modula uma paisagem onde se respira a mágica da transfiguração das coisas reais em pura visualidade. O encontro de Tony com a arte é um encontro de atmosferas intangíveis com o peso dos objetos. Poderíamos dizer que seu trabalho é o de um artista conceitual, enquanto cientista do conceito, que descobre a cada realização outras dependências da matéria. Interessa para Tony Camargo o efeito de todas as coisas diante de nossos olhos quando suas funções originariamente atribuídas estão suspensas.
Projetar o mundo
Como construir abrigos físicos para ideias? Como tornar matérias invisíveis em algo palpável, sem se restringir à representação, mantendo complexas dinâmicas espaciais e temporais? O trabalho de Tony Camargo nos mostra o quanto ainda somos primitivos, mesmo em nossos mais avançados processos tecnológicos. Os poucos elementos formais que temos à disposição são combinados infinitas vezes por projetistas, produzindo todas as coisas de nossa paisagem mundana.
Olhe ao redor: círculos ovais em maçanetas e sistemas de portas, quadrados, retângulos e seus derivados triangulares em edifícios, distâncias formadas por linhas nas ruas e sinalização viária do urbanismo além de tantas outras formas que estruturam nossa sociedade, seus gestos e comportamentos. No jogo da arte, observando apenas a sua utilização de círculos e esferas, ficam em evidência referências das mais nítidas, de Jan van Eyck (The Arnolfini Portrait, 1434) a Jeff Koons (Moon, 1995-2000), passando por Yayoi Kusama (Narcissus Garden, 1966-) dentre tantos outros.
Dançar com Diabos
As suas linhas, planos e formas ovaladas ou arcos podem lembrar tanto a mais clássica das arquiteturas quanto a mais recente ficção cinematográfica. Mesmo os seus vazios aparentes possuem massa, assim como a astrofísica tem revelado sobre o que se acreditava ser um grande vazio na verdade também possui massa, se configuram matéria e energia (escuras). Em sua memória primitiva o artista se fascina pela instabilidade da cor. Como se estivesse diante de labaredas que consomem o invisível. Ele sabe que o domínio dessa energia cósmica forja a nossa visualidade. Color field paintings: Mark Rothko e Barnett Newman. Campos emocionais da cor: Joseph Albers e Alfredo Volpi.
É como se depois de anos desvendando o funcionamento das imagens, Tony se propusesse a reproduzir uma energética a partir da apreensão da cor em campos delimitados, neste caso a pintura em sua esfera planar. Os azuis vibram em seus círculos e forçam bordas. Um cinza em coerção o faz girar sobre outro azul-chumbo. Em seu limite bordeja. É um azul-ventania. Mais adiante outros cinzas. Dessa vez separam-se. A presença incandescente do vermelho abrasa tudo ao redor. Como um cinza pode esquentar? Um cinza-asfalto.
Entre a lança e o abismo
O áspero do mundo violenta diariamente. Nada pode ser tão límpido quanto numa propaganda de margarina ou numa conta de Instagram. Há sempre algo nocivo, que vilaniza, polui e incomoda: o poderoso quebranto de realidade, que nos diferencia da insipidez imagética onde não existem cheiros ou sujeiras.
O artista assim nos convida para um abismo de projeções. Como em Tunga, a partir de uma plasticidade complexa que proporciona o seu livre jogo de associações, a articulação dos materiais também é uma articulação simbólica. O seu verde não é apenas o verde de uma composição, mas também o verde da bandeira do Brasil, criando uma textura emocional para o que vemos. O seu vermelho é intensidade, mas também fumaça, fogo, extintor.
O artista procura sempre um fenômeno pictórico da existência. Nele podemos encontrar tanto um vazio tátil, puras sensações visuais de realidade, quanto uma plenitude sideral, cenas límpidas suspensas pelo espaço. Entre uma coisa e outra, a atmosfera conquistada por cada um de seus trabalhos mantém um corpo que vibra sem cessar.
Arthur do Carmo
(fev.2016 – jan.2019)
Tony Camargo - In a soon time
ARTHUR DO CARMO
Tony Camargo - Num Logo Lugar, Casa Triângulo, São Paulo, SP -11/02/2019 til 16/03/2019
Perceiving all the spaces
Tony Camargo’s work has always involved the construction of apparatuses which in some way reveal the operation of the world, grasping discoveries of the real in determined spaces, between lines and planes, and conferring to the objects an unforeseen expressive vocation. The invisible probability of the trajectory of pool balls, a dartboard that defies its attributes to become solid and impenetrable even in its opaque reflection, the ironic transformation of marketing logos, depraving their characteristic imagetic modesty.
The artist tames the inner nature of things, thereby modulating a landscape imbued with the magic by which real things are transfigured into pure visuality. Tony’s encounter with art is an encounter of intangible atmospheres with the weight of objects. We could say that his work is that of a conceptual artist, a scientist of the concept, who with each new artwork discovers other contingencies of matter. Tony Camargo is interested in the effect of all the things we see when their originally attributed functions are suspended.
Designing the world
How to construct physical shelters for ideas? How to make invisible materials into something tangible, without being restricted to representation, maintaining complex spatial and temporal dynamics? Tony Camargo’s work shows how primitive we still are, even with our most advanced technological processes. The few formal elements we have available are combined infinite times by designers, producing everything in the landscape of our everyday life.
Look around you: oval circles on doorknobs and door systems, squares, rectangles and their derived triangles in buildings, distances formed by lines on the streets and the urban traffic signs, as well as many other shapes that structure of our society, its gestures and behaviors. In terms of references to art, observing only his use of circles and spheres, there are clear references spanning from Jan van Eyck (The Arnolfini Portrait, 1434) to Jeff Koons (Moon, 1995–2000), passing through Yayoi Kusama (Narcissus Garden, 1966–) and many others.
Dancing with Devils
His lines, planes and oval forms or arcs can allude to either works of classical architecture or recent film fiction. Even his apparent voids possess mass, just as astrophysics has revealed that what was believed to be a large void actually contains mass as well, configuring (dark) matter and energy. Working with primitive memory, the artist is fascinated by the instability of color. As though in the presence of flames that consume the invisible. He knows that the taming of this cosmic energy is what forges our visuality. Color field paintings: Mark Rothko and Barnett Newman. Emotional fields of color: Joseph Albers and Alfredo Volpi.
It is as though after years of revealing the operation of images, Tony were proposing to reproduce an energetics based on the grasping of colors in delimited fields, in this case the painting in its planar sphere. The blues vibrate in their circles and give rise to borders. A patch of gray in coercion spins on a tone like bluish lead. Bordering at the limit. A blue windstorm. Further ahead, other grays. This time, they are separated. The incandescent presence of the red casts its glow on everything around. How is a gray tone a heat source? An asphalt-gray.
Between the spair and the abyss
The roughness of the world is a daily violence. Nothing can be clearer than it is in an advertisement for margarine or in an Instagram account. There is always something noxious, which villainizes, pollutes and annoys: the powerful bewitching of reality, which makes us different from the imagetic insipidity where there are no odors or dirtiness.
The artist thus invites us to an abyss of projections. As in Tunga, based on a complex plasticity that provides its game of free associations, the articulation of the materials is also a symbolic articulation. Its green is not only the green of a composition, but also the green of the Brazilian flag, creating an emotional texture for what we see. Its red is intensity, but also smoke, flames, and a fire extinguisher.
The artist always seeks a pictorial phenomenon of existence. In it we can find a both a tactile void of pure, visual sensations of reality, as well as a sidereal fullness of limpid scenes suspended in space. Between one thing and the other, the atmosphere achieved by each of his works maintains a continuously vibrating body.
Arthur do Carmo
(Feb.2016 – Jan.2019)
Corners, de Alexandre Arrechea, por Lowery Stokes Sims
Corners, de Alexandre Arrechea
LOWERY STOKES SIMS
Alexandre Arrechea - Corners, Galeria Nara Roesler NY, New York, EUA - 27/02/2019 a 13/04/2019
[scroll down for English version]
Pode uma cidade usar uma máscara? Ou ser uma máscara?
Essas questões vêm à mente quando procuramos conciliar nossa natural propensão a ler as impressões visuais de Alexandre Arrechea – que o artista admite que “fazem referência a anatomias faciais, especialmente às de máscaras tribais” 1 – a partir de seu objetivo declarado de captar aspectos característicos de Havana, Cuba. Arrechea está aludindo de forma astuta aos fortes elementos africanos na cultura cubana? Está capturando vislumbres da cidade e sua arquitetura através de buracos de fechadura virtuais? De fato, quem realmente está usando a máscara? A cidade? Ou nós, como observadores furtivos de suas idas e vindas diárias?
O formato compositivo recorrente nessas obras – concebido a partir de sobreposições de fotografias arquitetônicas feitas pelo artista – é a apresentação de elementos de esquinas que tendem a bifurcar os cenários em cada forma de máscara. Arrechea vê essas bifurcações como Corners [esquinas]: pontos “onde dois edifícios que podem ser considerados emblematicamente antagônicos são forçados a uma coexistência antinatural”. Através dessa intervenção, ele “busca a fusão entre mundos excludentes, forjando assim uma nova identidade” 2.
Seu projeto Corners pode ser visto em conjunto com o trabalho de outros artistas de Cuba, que se interessaram pelos aspectos físicos de sua principal cidade. Ernesto Oroza narra o que apelidou de Arquitetura da necessidade como uma celebração da “eficiência e engenhosidade dos cidadãos cubanos... e de sua criação de soluções feitas por eles mesmos para as necessidades cotidianas” 3 . E há o vídeo-tour elegíaco de Coco Fusco na Plaza de la Revolución, vazia de pessoas, revelando sua natureza essencial como uma expansão de asfalto desanimada, sem a energia apaixonada que multidões trazem ao espaço.
Os títulos das obras de Arrechea indicam localidades (At the Train Station, ou Black Eye in Vedado – nome do distrito comercial de Havana –, ambas de 2019), sugerem estados do ser (Nothing to Do, Two Cops Wandering Around, ou Black Smile, também de 2019), ou são comentários sutis (a tapeçaria Confusion in Centro Havana, 2018 4 , Unpopular Measures, Eight Different Problems, ou até New Theatre, 2019). De maneira comparável, a série de tapeçarias com padrões de calçada de Carlos Garaicoa, intitulada Fin de Silencio, possui slogans diversos que apresentam comentários tácitos e implícitos sobre o estado dos pedestres que vivem sob o atual sistema político: “Cambio,” “La general tristeza,” “La lucha es de todos, de todos es la lucha.”
Corners nos lembra que Arrechea utiliza de modo consistente formas e motivos arquitetônicos para transmitir estados emocionais e políticos sobre a última década: um edifício modernista sentado em uma cadeira (Conspiracy, 2007), arenas e edifícios sem acesso ou saída (Arena, 2007, e Home, 2008), pontes que vão a lugar nenhum (Limite improvisado, 2007), cidades cujos layouts são labirintos inescapáveis (Blind City (From the Series...), 2007). E então, realizou em 2013 o tour-de-force de sua carreira, a instalação No Limits no Park Avenue, em Nova York, que apresentava monumentos arquitetônicos conhecidos improvavelmente contorcidos, sentados em piões, acionados para cima ou para baixo por alavancas. O que torna essas imagens ainda mais tentadoras é o fato de que muitas vezes os edifícios não têm saída, o que enfatiza a crítica de Arrechea às pretensões e intrusões arquitetônicas. Em Corners, as formas arquitetônicas são menos reconhecíveis. Temos apenas vislumbres de toda a estrutura através dos pontos de vista do olho mágico que são enquadrados pelo contorno das formas de máscara.
Se um vértice 5 é “um ponto no qual uma derivada de uma função é descontínua” 6 ou “uma interseção de dois objetos na qual ambos terminam” 7 , nesses trabalhos, “dois edifícios que podem ser considerados emblematicamente antagônicos são forçados a uma coexistência antinatural” 8 . Portanto, há um aspecto do sinistro nessas reuniões de esquina (onde, em alguns lugares, acredita-se que forças ocultas problemáticas se escondem). Mas, como Arrechea observa, esses são os cantos “de escolas, teatros, postos de gasolina, mercados e delegacias de polícia” que “falam... observam... escutam, riem e permanecem em silêncio” 9 .
Mas, além de marcar interseções, cada forma em Corners olha através de várias arenas espaciais. Os mais diretos são os dois blocos/prédios vistos a partir das margens de suas esquinas em Two Cops Wandering Around. Arrechea dividiu o espaço em um segmento verde e outro azul. Os verdes mais escuros dos dois planos da forma à esquerda introduzem uma compatibilidade cromática com o fundo, enquanto os planos amarelo e rosa à direita fornecem um contraste complementar ao fundo azul. Há indícios dos estudos de contraste e complemento de cores de Josef Albers, com um interesse textural que resulta do processo de fabricação da superfície de papel. Uma apresentação mais complexa pode ser vista em Black Smile, em que o espaço plano da oval verde mais escura reproduz o espaço mais claro, no qual flutua uma pirâmide rosa. Esses espaços se assemelham a elementos oculares que funcionam em conjunto com a “boca” trapezoidal modificada que emoldura um fragmento de fachada de azulejo de cerâmica e um vermelho/laranja mais textural. Aqui, “as cores e os diversos acabamentos de superfície são os principais protagonistas”, como uma forma de “engenharia social” que cria o que Arrechea descreve como “novas lealdades” 10.
Tais “novas lealdades” podem ser vislumbradas nos fragmentos de formas de diamante que sugerem os olhos pretos e amarelos/verdes e a boca triangular branca e vermelha em Black Eye in Vedado. Mais uma vez, o fundo é dividido em duas cores – azul e preto – que continuam a exploração de contrastes cromáticos, como visto em Two Cops Wondering Around. Os fragmentos da paisagem tornam-se um pouco mais coerentes na tapeçaria Confusion in Centro Havana, em que as pirâmides entrelaçadas em tons de verde, branco, vermelho e ocre tocam o trapézio verde na metade esquerda, na qual a estrutura verde, dividida ao meio na parte inferior da composição, demonstra o impacto visual de verde sobre amarelo em oposição ao tom de vermelho. Eight Different Problems mostra uma complexidade formal e espacial comparável a Black Smile. Aqui, Arrechea é ainda mais específico em sua referência visual às máscaras: ele enquadra os dois espaços ovais, que contêm uma paisagem negra composta por um “céu” vermelho, com um contorno ocre em forma de coração para que não deixemos de reconhecer a convenção das máscaras Kwele do Gabão. Um triângulo isósceles duplo em rosa paira no horizonte à direita, enquanto uma elíptica cinza, preta e branca pisca para nós, e um triângulo verde e uma boca redonda de vigia completam as inferências faciais.
Talvez a fonte de todas essas oscilações espaciais e formais seja o pintor modernista francês Paul Cézanne, que declarou sua intenção de “tratar a natureza por meio do cilindro, da esfera, do cone” porque acreditava que “a natureza para nós homens é mais profunda do que a superfície” 11 . Nessa série de trabalhos, Alexandre Arrechea oferece ao espectador mais do que características superficiais de Havana. Ao evitar elementos representativos óbvios, ele nos encoraja a formar uma visão do caráter interno do lugar através da experiência de “simetria, proporção, iluminação e sombras” 12.
1. Alexandre Arrechea, depoimento do artista para Corners, janeiro de 2019.
2. Ibid.
3. Ver http://architectureofnecessity.com. Acesso em 21 de janeiro de 2019.
4. Essa tapeçaria de jacquard e os elementos em papel artesanal presentes nas obras da exposição foram feitos em colaboração com Magnolia Editions, Oakland, Califórnia.
5. No inglês, o termo utilizado pela geometria também pode ser “corner” (N.T.).
6. https://en.wikipedia.org/wiki/Corner
7. Ibid.
8. Alexandre Arrechea, depoimento do artista para Corners, janeiro de 2019.
9. Ibid.
10.Ibid.
11.Paul Cézanne, Carta a Émile Bernard, 15 de abril de 1904. Ver http://www.quoteland.com/author/Paul-Cezanne-Quotes/3656/. Acesso em 21 de janeiro de 2019.
12.Alexandre Arrechea, depoimento do artista para Corners, janeiro de 2019.
Lowery Stokes Sims é uma dedicada defensora da diversidade e inclusão no mundo da arte. Atualmente, atua como curadora independente e historiadora da arte, após ter trabalhado para The Museum of Arts and Design (MAD), The Studio Museum in Harlem e The Metropolitan Museum of Art (The Met). Lecionou e fez curadorias e publicações a nível nacional e internacional. Recebeu por sua atividade crítica o Prêmio Frank Jewitt Mather da College Art Association em 1992 e foi nomeada pela Artsy uma das Curadoras Influentes de 2016.
Corners, by Alexandre Arrechea
LOWERY STOKES SIMS
Alexandre Arrechea - Corners, Galeria Nara Roesler NY, New York, EUA - 27/02/2019 til 13/04/2019
Can a city wear a mask? Or be a mask?
These questions come to mind as we seek to reconcile our natural propensity to read these visual impressions by Alexandre Arrechea—which the artist admits “bears reference to facial anatomies, especially those of tribal masks” 1 —with the artist’s stated purpose to capture aspects of the character of Havana, Cuba. Is Arrechea shrewdly alluding to the strong African elements in Cuban culture? Is he capturing glimpses of the city and its architecture through virtual keyholes? In fact, who is actually wearing the mask? The city? Or us as furtive observers of its daily comings and going?
The recurring compositional format in these works—conceived from superimpositions of architectural photographs by the artist—is the presentation of corner elements that tend to bifurcate the scenarios within each mask form. Arrechea sees these bifurcations as Corners: points “where two buildings that might be considered emblematically antagonistic are forced into an unnatural coexistence.” Through this intervention, he “seeks the merging between excluding worlds, thereby forging a new identity.” 2
Arrechea’s Corners project can be viewed in tandem with work by other artists from Cuba, who have engaged the physical aspects of its leading city. Ernesto Oroza has chronicled what he dubbed the Architecture of Necessity as a celebration of “the efficiency and ingenuity of Cuban citizens... and their approach to self-made solutions for their everyday needs.” 3 And there is Coco Fusco’s elegiac video tour of the Plaza de la Revolución, empty of people, revealing its essential nature as a dispirited expanse of asphalt lacking the passionate energy that crowds bring to the space.
The titles of Arrechea’s works indicate localities (At the Train Station, or Black Eye in Vedado — the business district of Havana, both 2019), suggest personal states of being (Nothing to Do, Two Cops Wandering Around, or Black Smile, also 2019), or subtle commentary (the tapestry Confusion in Centro Havana, 2018, 4 Unpopular Measures, Eight Different Problems, or even New Theatre, 2019). In a comparable way, Carlos Garaicoa’s series of tapestries of sidewalks, Fin de silencio, have various slogans imbedded in them that provide tacit and implicit commentary about the state of pedestrians living under the current political system: “Cambio,” “La general tristeza,” “La lucha es de todos, de todos es la lucha.”
Corners remind us that Arrechea has consistently used architectural forms and motifs to convey emotional and political states over the last decade: a modernist building sitting on a chair (Conspiracy, 2007), arenas and buildings with no access or egress (Arena, 2007 and Home, 2008), bridges that go nowhere (Limite improvisado, 2007), cities whose layouts are inescapable mazes (Blind City (From the Series...), 2007). And then, there was his 2013 tour-de-force installation No Limits on Park Avenue in New York City, which featured familiar architectural monuments that are improbably coiled, sitting on spinning tops, cranked up or down by levers. What makes these images all the more tantalizing is the fact that often the buildings lack means of egress, emphasizing Arrechea’s critique of architectural pretensions and intrusions. In Corners, the architectural forms are less recognizable. We get only glimpses of the whole structure through the peephole views that are framed by the contour of the mask forms.
If a corner is “a point at which a derivative of a function is discontinuous” 5 or “an intersection of two objects where both terminate,” 6 in these works, “two buildings that might be considered emblematically antagonistic are forced into an unnatural coexistence.” 7 So there is an aspect of the sinister in these corner meetings (where, in some quarters, troublesome occult forces are believed to hide). But as Arrechea notes, these are corners “of schools, theaters, gas stations, markets, and police stations” that “talk... observe... listen, laugh, and remain silent.” 8
But in addition to marking intersections, each form in Corners looks through to various spatial arenas. The most direct are the two blocks/buildings seen from the edges of their corners in Two Cops Wandering Around. Arrechea has divided the space into a green segment and a blue one. The darker greens of the two planes of the form on the left introduce a chromatic compatibility with the background, while the yellow and pink planes on the right provide a complementary contrast to the blue background. There are intimations of the studies of color contrasts and complements of Josef Albers, with a textural interest that results from the process making the paper surface. A more complex presentation can be seen in Black Smile, where the flat space of the darker green oval plays off the lighter one in which a pink pyramid floats. They resemble ocular elements that function in concert with the modified trapezoidal “mouth” framing a fragment of a ceramic tile façade and a more textural red/orange one. Here, “color and diverse surface finishes are the primary protagonists”, as a form of “social engineering” creates what Arrechea describes as “new loyalties.” 9
Such “new loyalties” can be glimpsed in the diamond shapes fragments that suggest the black and yellow/green eyes and the white and red triangular mouth in Black Eye in Vedado. Again the background is divided into two colors—blue and black—that continue the exploration of chromatic contrasts, as seen in Two Cops Wondering Around. The landscape fragments become a bit more coherent in Arrechea’s tapestry Confusion in Centro Havana, where the interlocking pyramids in green, white, red, and ocher shades play off the green trapezoid on the left half, where the green structure divided at the middle on the lower portion of the composition demonstrates the visual impact of green on yellow as opposed to the shade of red. Eight Different Problems shows a formal and spatial complexity comparable to that of Black Smile. Here Arrechea is the most specific in his visual reference to masks: he frames the two oval spaces that contain a black landscape with a red “sky” with an ocher heart-shaped contour so that we can’t help but recognize the convention of Kwele masks from Gabon. A double isosceles triangle in pink hovers against the horizon on the right, while a gray, black, and white elliptical one blinks at us and a green triangle and round porthole mouth complete the facial inferences.
Perhaps the source of all these spatial and formal gyrations is the French modernist painter Paul Cezanne, who declared his intention to “treat nature by means of the cylinder, the sphere, the cone” because he believed “nature for us men is more depth than surface.” 10 In this series of works, Alexandre Arrechea provides the viewer with more than the surface of Havana’s character. By eschewing obvious representational elements, he encourages us rather to form a vision of the inner character of the place through the experience of “symmetry, proportion, lighting, and shadows.” 11
1. Alexandre Arrechea, artist statement for Corners, January, 2019.
2. Ibid.
3. See http://architectureofnecessity.com. Accessed January 21, 2019.
4. This jacquard tapestry and the handmade paper elements on the works in this exhibition were done in collaboration with Magnolia Editions, Oakland, California.
5. https://en.wikipedia.org/wiki/Corner
6. Ibid.
7. Alexandre Arrechea, artist statement for Corners, January, 2019.
8. Ibid.
9. Ibid.
10. Paul Cézanne, Letter to Émile Bernard, April 15, 1904. See http://www.quoteland.com/author/Paul-Cezanne-Quotes/3656/. Accessed January 21, 2019.
11. Alexandre Arrechea, artist statement for Corners, January, 2019.
Lowery Stokes Sims is a dedicated advocate for diversity and inclusion in the art world. She is now an independent curator and art historian, after working for The Museum of Arts and Design (MAD), The Studio Museum in Harlem, and The Metropolitan Museum of Art (The Met). Sims has taught, curated, and published nationally and internationally. She received the Frank Jewitt Mather Award from the College Art Association in 1991 for her activities as an art critic and was named one of the Influential Curators of 2016 by Artsy.