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agosto 27, 2018

Escadabstrata por José Damasceno

Sigo o curso dos meus sonhos, fazendo das imagens degraus para outras imagens.
Fernando Pessoa

La poésie est le réel absolu. Ceci est le noyau de ma philosophie. Plus une chose est poétique, plus elle est réelle.
Novalis

Ne pas avoir l’âme d’un exécutant. Trouver, pour chaque prise de vue, un nouveau sel à ce que j’avais imaginé. Invention (reinvention) immediate.
Robert Bresson

La mesa aparte de mí es dudosa, mi verla no; existe mi ver. Perdón, no solo la mesa real es distinta de mi verla, sino que la mesa vista es distinta de lo que en mi ver es mío; no se diga, pues, existe un sujeto que ve, sino además, un objeto visto. El ver pone no una existencia, sino una coexistencia.
Ortega y Gasset

Sempre me acompanhou, desde cedo, o sentido do explorador. Uma curiosidade renovada me anima, lá, onde continuamente se apresentam uma busca e um apetite por elucubrações, pistas, perguntas, dúvidas, evidências de uma ciência misteriosa. Essa pulsão me move e me intriga, a todo momento. Simultaneamente, desde os meus primeiros estudos até hoje, ao longo de processos múltiplos de aprendizado e realização, a ideia e a surpresa da descoberta convergiram e me levaram ao lugar onde me encontro neste momento. Gosto de caminhar, estou sempre andando e observando. Creio que os espaços percorridos, os caminhos, as estradas, as ruas são também de natureza mental. Sou um viajante entre mundos sensíveis e imaginários. O que busco? O que quero? O que minha vontade deseja? Talvez uma vida não baste para responder completamente tais perguntas, mas posso adiantar que também ao deambular e divagar por entre topografias fantasmáticas instalou-se ao longo do tempo, pouco a pouco, de forma essencial e “balizar”, um recurso imprescindível: a ideia de deslocamento; onde a gênese e a natureza do espaço se tornaram elementos indissociáveis do ato de pensar que nutre e guia meus interesses. Pensar é também produzir espaço. Eis o lugar em que cheguei.

Coordenadas e aparições. A investigação de uma espécie de escala microscópica do imaginário. Registros de uma representação inaudita talvez. Às vezes, ao tentarmos enxergar aquilo que está diante de nossos olhos, nos deparamos com uma perplexidade inquietante: ora, artes visuais… Dar relevo às especulações que busco iluminar produz perspectivas onde a natureza da visão é o substrato de configurações hipotéticas. Dados iniciais intuitivos promovem certos estados de consciência, oriundos da reunião de pontos de vista imersos no inconsciente. A orientação surge então de uma escuta; a poesia? Um guia: “o espírito da ação direta”. Tento contemplar aqui alguns ângulos presentes nessa aventura.

Escadabstrata. Uma palavra de encantamento? Talvez, mas certamente uma ideia-charada que traz consigo um possível estágio, nível, grau a se transpor e ascender. Uma vez pronunciada essa palavra, seu som, sua música, nos transporta a outro lugar acima e além, àquele de uma hipótese ainda por se revelar, imanente a seu passo. Uma vocação de transcendência. Uma escada ascese helicoidal. A forma da espiral é encontrada desde moluscos náutilos até galáxias longínquas em uma avassaladora sucessão de sequências e proporções áureas que geram correspondências vertiginosas entre ordens, formas e movimentos. A forma da espiral traduz o movimento ascensional a partir de um ponto inicial, etapas de um processo contínuo de desdobramento e de transformação. Uma escala intermediária se apresenta: miniatura gigante ou maquete multiescalar? Objeto-ideia.

O assombro diante da magnitude implacável de possibilidades e considerações em questão me fascina; o estudo do lugar, um campo aberto pela imaginação, me comove. O entrecruzamento de associações extraordinárias, sejam elas simples ou bizarras, tornou-se um espaço fértil onde se descobre na medida em que se inventa.

José Damasceno
Rio de Janeiro, 10/08/2018

Posted by Patricia Canetti at 1:20 PM

agosto 26, 2018

Studio Butterfly e outras fábulas por Moacir dos Anjos

Studio Butterfly e outras fábulas

MOACIR DOS ANJOS

A obra de Virginia de Medeiros é composta por fábulas. É obra feita de histórias inventadas para falar de pessoas e coisas que lhe importam e lhe movem. Histórias que, para tanto, recortam a realidade de um modo distinto da maior parte de outras narrações de fatos: histórias que acolhem o que é comumente deixado de fora ou à margem por versões concorrentes do tempo e do lugar que habita. Histórias que produzem equivalentes sensíveis da realidade que a querem mais porosa e inclusiva, desafiando as maneiras dominantes de representá-la. Por tal motivo, as fábulas da artista possuem caráter distinto de quase todas as outras que existem. Se fábulas oferecem, como rotina, ensinamentos que reforçam valores morais hegemônicos nos contextos em que são geradas, as de Virginia de Medeiros confrontam e ignoram cerceamentos e interdições, oferecendo linhas de fuga em seu lugar.

A mais antiga das três fábulas apresentadas nesta exposição chama-se Studio Butterfly, fruto de longa relação estabelecida pela artista com várias travestis de Salvador, cidade próxima da que nasceu e onde morou no período crucial da vida em que enlaces com o mundo são celebrados. O vídeo exibido traz o registro de testemunhos dados por várias das travestis em visita ao estúdio fotográfico montado por Virginia de Medeiros para acolhê-las. Depoimentos permeados por lembranças da escolha pelo desmanche de fronteiras entre o masculino e o seu suposto avesso, afirmando maneiras discordantes de estar no mundo. Em retribuição às gravações e também à cessão de imagens pertencentes a álbuns caseiros das travestis, a artista produziu books para cada uma delas, algo cobiçado por quem tem o próprio corpo como lugar central de trabalho. Ladeando a exibição do vídeo, projeções sequenciadas de fotografias retiradas desses álbuns e desses books são instaladas: imagens das mesmas pessoas, mas feitas em condições e momentos distintos em muita coisa.

A relação entre Virginia de Medeiros e as travestis não se esgota ou se define, contudo, somente por meio de uma troca entre serviços e objetos. Ela é fundada no processo de afetação mútua entre a vida de uma e a vida das outras, no qual o que permutam e reforçam são pulsões de vida que não cabem nas formas consensualmente admitidas como naturais. Se as travestis se mostram e são mostradas como artistas por conta dos atos de desvio e de exceção que o tempo todo perfazem, Virgínia de Medeiros se aproxima, por seu desejo impulsivo de entender e de encontrar o outro, do lugar simbólico em que formas de pertencimento à vida são radicalmente inventadas. É nesse espaço de encontro denso que a fabulação ocorre, tecida nas falas e gestos das travestis e como expressão de imaginário que mistura fato e fantasia: defesa ou prudente distância tomada diante um real inacessível e por demais duro. Esses depoimentos somente existem em forma pública, contudo, em função dos dispositivos criados pela artista para os captar, articular e exibir. E há ainda, como parte de um trabalho que cerca o seu objeto sem jamais conseguir atingi-lo ou pretender esgotá-lo, o conjunto de narrativas escritas por Virgínia de Medeiros, feitas em resposta ao que vivenciou no Studio Butterfly e que atestam o proveito da palavra para alargar o alcance das imagens criadas.

Seguindo a ordem em que foram feitas, a segunda das fábulas apresentadas reforça o baralhamento de gêneros sugerido na anterior e acrescenta, na tessitura fluida de imagens filmadas pela artista, ambiguidades identitárias que desconcertam e ensinam. O trabalho, chamado Sérgio e Simone, mostra, em telas distintas que por vezes se atravessam, depoimentos dessas duas personagens que são, ao final, uma pessoa apenas. Simone é uma travesti que tomava conta de uma fonte pública na Ladeira da Montanha, localizada entre as partes baixa e alta de Salvador. Era ali que vivia, entre o vício do crack e o culto aos seus orixás, Iansã e Oxum. Após tê-la conhecido por acaso, Virgínia de Medeiros começou a filmar Simone no lugar que aquela escolheu morar e que transformou em santuário. Semanas após esse registro, Simone entra em delírio místico causado por overdose da droga e decide abandonar a fonte. Volta à casa dos pais, reassume o nome de batismo Sérgio e se torna pregador evangélico, renegando, em praça pública, a vida que antes levava, denunciando-a como provação de sua nova fé. A partir de então, Virgínia de Medeiros passa a filmar Sérgio, cujo comportamento parece conflitar em quase tudo com o de Simone, da sexualidade declarada às religiões que um e outro professam.

O que há em comum entre eles, e que o trabalho naturalmente testemunha, é o fato de ambos fazerem uso de seus corpos – gestos, olhares, roupas e falas – para afirmar uma identidade que se quer única, mas que aparece, na própria justaposição formal de telas, como coisa sempre provisória e truncada. Mais ainda, como algo que se ancora em uma performance para se afirmar, a cada momento, como perene, ainda que revele, por conta mesmo dessa auto-fabulação da vida, ter natureza contingente. Ao pautar seu trabalho na aceitação dessa frágil fixidez identitária, Virgínia de Medeiros reconhece, nela mesma e em qualquer pessoa, a constitutiva porosidade da ideia de si. Reconhecimento ainda mais agudo quando se é confrontado, no encontro com o outro, com aquilo difere ou desvia do que é regra imposta ou norma sugerida.

A terceira das fábulas aqui exibidas é história que separa – e logo ata – solidão e partilha, calmaria e desassossego, transgressão e obediência, entre outros pares de estados e fazeres tantas vezes distinguidos de modo artificial. Formada por um vídeo e quatro fotografias, Marinalva e seus marítimos contém a breve e intensa apresentação que a dona do Manilas Bar faz de sua vida, que se confunde com a existência da “casa de encontro dos amigos” por décadas mantida por ela na cidade alta de Salvador. A fala de Marinalva é ao mesmo tempo orgulhosa e nostálgica de sua trajetória, empenhada na busca do que pode ser a satisfação afetiva dela e dos muitos que frequentaram seu estabelecimento. Mesmo que esta satisfação fosse e seja passageira e incerta; mesmo que deixasse e deixe poucos rastros. O apreço com que cada detalhe ordinário da casa é filmado e a atenção com que Virginia de Medeiros edifica um lugar de protagonismo para a narração de Marinalva suspendem qualquer julgamento moral acerca da prostituição, situando-a como atividade que, junto a muitas, engendra e fortalece formas de vida singulares. As insistentes imagens de um mar que parece não mudar nunca contrastam, contudo, com o reconhecimento de que marinheiros não chegam mais na cidade com tanta frequência, anunciando o ocaso de uma maneira dissidente de pessoas se relacionarem. Imagens e fala que se articulam para ao menos celebrar que por tanto tempo tenha existido essa casa.

A quarta e mais recente das fábulas reunidas nesta exposição se chama Cais do Porto. Trata-se de vídeo feito a partir de imagens e falas de prostitutas que vivem e trabalham nas cercanias da Praça Mauá, zona portuária do Rio de Janeiro, local que foi objeto de radical intervenção urbanística na última década. Em comum com o trabalho anterior, há a vontade de registrar um tipo de vida em progressivo desmanche, dessa vez claramente acelerado pelo processo de gentrificação causado pelas mudanças implementadas na região. Processo no qual vias foram abertas e fechadas e edifícios demolidos e erguidos, modulando usos novos para um lugar que ancorou, por décadas, tipos de afeto que parecem não ter mais lugar para florescerem ali. Em seus depoimentos, as prostitutas denunciam os mecanismos explícitos e velados de expulsão de um território que, tendo sido ocupado por práticas inseridas na lógica desigual da cidade pelo tempo de suas vidas, é agora delas esvaziado. Práticas que são agora tidas, por empresários e prefeitura, como indesejadas e disfuncionais. A fábula dissonante não é somente firmada em voz, contudo. As falas das prostitutas são acompanhadas por imagens de corpos seminus que dançam e afirmam, em sensualidade contida ou aberto erotismo, a vontade de confrontar e resistir às forças que os querem regular. Uma vez mais, é na performance dos corpos que as identidades parecem constantemente se inventar, ainda que seja para construir, em negociação conflitiva, formas novas de existir frente a ameaças de apagamento. Ao criar, de modo partilhado, dispositivos para dar a ver narrativas de quem vive à margem, Virgínia de Medeiros faz ainda, com seu próprio corpo, movimento de aproximação do corpo em risco do outro. Sem que se confundam, um e outro se tornam parte, mesmo que de maneira episódica, de uma mesma coreografia de corpos. Coreografia que desenha, em cantos diversos, modos de resistir à violência da ordem.

Virginia de Medeiros - Studio Butterfly e outras fábulas, Complexo Cultural Funarte Brasília - Galeria Fayga Ostrower - 31/08/2018 a 14/10/2018

Posted by Patricia Canetti at 10:31 AM

agosto 12, 2018

O Poder da Multiplicação por Gregor Jansen

Arte reprodutível na América do Sul e na Alemanha: do pré-digital ao pós-digital ou da gravura, passando pelo xerox, até o 3D.

MARGS, Porto Alegre - 11 de setembro - 11 de novembro 2018
SPINNEREI Halle, Leipzig – março 2019

Vera Chaves Barcellos (Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 1938)
Marcelo Chardosim (Porto Alegre, 1989)
Carlos Vergara (Santa Maria, Rio Grande do Sul, 1941)
Hélio Fervenza (Santana do Livramento, Rio Grande do Sul, 1963)
Helena Kanaan (Bagé, Rio Grande do Sul)
Rafael Pagatini (Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, 1985)
Regina Silveira (Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 1939)
XADALU (Porto Alegre, 1985)
Flavya Mutran (Porto Alegre, 1968)
Tim Berresheim (Heinsberg, 1975)
Hanna Hennenkemper (Flensburg, 1974)
Olaf Holzapfel (Görlitz, 1967)
Ottjörg A.C. (Heidelberg, 1958)
Thomas Kilpper (Stuttgart, 1956)
juntamente com a DIE WELT-Kunstedition, a Edition 46 do suplemento Magazin do
Süddeutsche Zeitung e o Feuilleton do F.A.S (edição dominical do Frankfurter Allgemeine
Zeitung).

Nós vivemos em meio a uma cultura em que os processos de reprodução
há muito conquistaram a hegemonia sobre os processos de produção.

Boris Groys

A reprodução compreende tanto todos os procedimentos manuais, mecânicos e eletrônicos de multiplicação ou cópia de um modelo como também a obra produzida por meio de reprodução. O conceito surge etimológica e historicamente com o verbo francês reproduire (›produzir novamente‹), registrado pela primeira vez no início do século XVI. Na ciência da arte, o conceito ganha relevância no século XVIII para denominar a transposição que reproduzia um monumento em suporte gráfico. Diferentemente do exemplar único, da réplica, da cópia ou da duplicata, reproduções são fabricadas em múltiplos exemplares teoricamente idênticos. A isso está geralmente associada uma troca de suporte, de tamanho e de dimensão. Inicialmente, reproduções de obras de arte só eram possíveis como cópias manuais (por exemplo, os tipos da escrita medieval), através de trabalhosos processos de fundição (cópias de estátuas da antiguidade) ou por meio de matrizes de madeira (estampagem de tecidos). Reproduções ou tiragens múltiplas são sobretudo instrumentos de comunicação contra o conceito autoritário de originalidade. Elas servem à propagação em massa, inclusive de propaganda (política) dos mais variados matizes - e à banal propaganda.

O projeto O poder da multiplicação é uma contribuição artístico-teórica à reflexão sobre a questão da reprodução hoje em dia. A exposição, com a curadoria de Gregor Jansen, diretor da Kunsthalle Düsseldorf, apresenta e põe em conexão 14 artistas contemporâneos do Brasil e da Alemanha.

Os visitantes da exposição experienciam a arte como aquilo que constitui positivamente uma sociedade. Devido à distância menor entre obra de arte e apreciador, a arte reprodutível transmite a ideia de que a participação ativa na estruturação da sociedade é possível e necessária. O projeto investiga as condições do pós-digital no pré-digital. A matriz da discussão sobre o original e sua reprodutibilidade no sentido de Walter Benjamin remonta ao século XV, quando impressão de livros, xilogravura e água-forte provocaram o surgimento de uma arte (e uma revolução) reprodutível em massa. Uma arte que desde sempre incluía classes sociais mais amplas, sendo assim mais democrática, socialmente crítica e menos representativa do poder. Trinta anos após o surgimento dos meios digitais, com os quais o acesso à informação e a reprodução se tornaram naturais, questões a respeito dos fundamentos estruturais, da possibilidade da reprodução e de seus conteúdos atualmente voltam a ser discutidas. Na era digital, questões imanentes aos suportes, como por exemplo sobre a relação entre original e cópia e sobre o teor de verdade da imagem, são totalmente ressignificadas.

Flavya Mutran coloca para si mesma e para nós a questão fundamental da imagem, abordando o problema da fotografia nos termos da teoria da mídia. Ao mesmo tempo, podem ser encontrados gestos políticos radicais, como nos casos de XADALU e de Marcelo Chardosim, que se engajam política e socialmente por meio da cópia em serigrafia, trabalhando de forma produtiva por melhores condições de vida. Uma complexa adaptação e ampliação de técnicas conhecidas de impressão pode ser encontrada em Carlo Vergara, Ottjörg A.C., Thomas Kilpper e Olaf Holzapfel, enquanto Helena Kanaan considera performativamente também o despir da pele e a clonagem do corpo. Do mesmo modo, Vera Chaves Barcellos, Regina Silveira e Hanna Hennenkemper dirigem seus olhares para transformações corporais e ao mesmo tempo midiáticas, que, no caso de Tim Berresheim, finalmente rumo ao puramente digital, descrevem de forma ilusionista e visionária uma nova era.

Em tempos de crise econômica, como é a situação atual em muitos países sul-americanos, a cultura e especialmente a arte adquirem um papel importante. A arte pode funcionar como um antídoto contra as tendências de polarização que estão ganhando força ao redor do mundo. Para a superação dessa cisão, é especialmente apropriada uma arte antielitista, de crítica social, distributiva. Uma rede sul-americana de ateliês conecta-se a toda uma pluralidade de tradições no campo da arte gráfica, atualizando-as ao proporcionar-lhes o acesso a contatos internacionais e novas técnicas.

Nos anos 1950, um grupo de artistas criou, no interior do Rio Grande do Sul e na capital Porto Alegre, os "clubes de gravura", nos quais trabalhavam e ensinavam coletivamente. Sua divisa era: arte para o povo. Assim, eles lançaram as bases para um dos mais importantes centros de arte reprodutível no Brasil. Até hoje existem na cidade diversos ateliês de arte gráfica, bem como uma linha de pesquisa em arte reprodutível na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

“O poder da multiplicação” é um projeto do Goethe-Institut desenvolvido em conjunto e com apoio de diversas instituições brasileiras e alemãs. Paralelamente à exposição será publicado um catálogo da exposição, editado pelo Goethe-Institut Porto Alegre.

Um videogame, desenvolvido por um grupo de pesquisa da Universidade Federal, complementará a exposição, discutindo de maneira lúdica questões em torno da reprodutibilidade. Ensaios, entrevistas, fotos e vídeos no site www.aura-remastered.art oferecem a possibilidade de um aprofundamento no assunto e na análise das obras exibidas.

Posted by Patricia Canetti at 1:00 PM

agosto 6, 2018

Elogios da cor por Ligia Canongia

A quase totalidade dos artistas da exposição Elogios da cor é constituída por pintores. A proposição, no entanto, era a de que pensassem o uso da cor fora dos limites do quadro: dos pincéis, da palheta e do linho. Assim, obras em gravura, fotografia, objetos e dispositivos digitais, foram chamados a elucidar, primordialmente, a distinção da cor como questão de linguagem, como estado de vibração do visível e da anima das imagens.

Da melancolia dos negros à paixão dos vermelhos, pensa-se a cor como indutora ou receptora de estados de espírito e de humor: a cor como sintoma ou invocação daquilo que é “vivo”. Contudo, não se trata somente de colorir um plano ou um objeto – como se fossem elementos passivos e mortos – e dotá-los de animação. O sentido seria, ao invés, enfatizar que a cor constitui, por si mesma, o próprio “aparecer” das coisas e dos humores.

Entre superfície e profundidade, entre pele e carne, ou entre placidez e folia, a cor modula-se e alterna-se, mediante os limites da eficácia expressiva das imagens. O grande colorista, afinal, saberia reconhecer que esse estar-entre seria sempre mais que a passagem de um humor a outro, seria também, e muito, a busca em perseguir a oscilação entre espaços e temporalidades. 'A passagem colorida não sendo senão uma dialética indiscreta, sempre imprevisível, da aparição e do desaparecimento' 1.

Ligia Canongia


1. Didi-Huberman, Georges. La Peinture incarnée. Paris: Les Éditions de Minuit, 1985, p. 25. Tradução nossa.

Posted by Patricia Canetti at 7:45 PM

agosto 3, 2018

Patativa-tropeira: O encontro de Walmor Corrêa e Sporophila beltoni por Paulo Miyada

Patativa-tropeira: O encontro de Walmor Corrêa e Sporophila beltoni

PAULO MIYADA

Conhecimento, dúvida e ignorância

Na dúvida, nós sempre dizemos “sim”. Gostaríamos de saber mais sobre o mundo? Sim. Gostaríamos de dar nome a cada uma de suas partes? Sim, por que não? E seria conveniente separar e organizar cada modo de pensar em cada aspecto da realidade? É, pode ajudar. Então, vamos organizar o conhecimento sobre todas as coisas, classificando-as. Vamos acumular espécimes, nomes, tabelas, dados e análises em bancos de dados que, no limite, teriam que ser tão grandes quanto o próprio mundo, ou muitas vezes maiores que ele, para conter todo o saber sobre tudo? Sim... Nós sempre dizemos “sim”, na dúvida.

No Brasil, o mais antigo relato do desentendimento que nasce, cresce e multiplica-se na tentativa de tudo saber e tudo nomear remonta já ao primeiro texto escrito aqui, a primeira missiva feita após a chegada da nau capitânia da armada de Pedro Álvares Cabral. O escrivão Pero Vaz de Caminha, em carta endereçada ao monarca Dom Manuel I, começa sua narrativa com a descrição do encontro inaugural dos portugueses com os nativos. Diz que eram pardos, nus e que “ali não pôde deles haver fala, nem entendimento de proveito, por o mar quebrar na costa”. Com tantas diferenças de perspectiva em jogo no choque entre europeus e indígenas, o escrivão atribuiu a incomunicabilidade do encontro ao dado empírico circunstancial: o estrondo das ondas do mar. Parece ingenuidade, mas tem seu valor premonitório, já que o mar ainda quebra todos os dias na orla de Porto Seguro, e nós ainda discutimos os rumos do país sem ter em conta a sapiência dos povos originários deste território.

Com os dois parágrafos acima, tão díspares e talvez tão arbitrários, pretende-se introduzir alguma dose de desconfiança, para melhor refletir sobre as atitudes do artista Walmor Corrêa em seu presente projeto. Agora e sempre, é bom cismar um pouco com o sentido positivo que o senso comum dá aos avanços do saber técnico-científico. Que não se pense, com isso, que será o caso de apostar em alguma sorte de obscurantismo, pois é fato que foi nas engrenagens desse saber que o artista procurou atuar, o que seria impossível se não houvesse uma afinidade real com seus procedimentos e métodos. O que se quer, na verdade, é deixar a mente arredia, escabreada, e lembrar que a verdade não é tudo e que nem tudo pode caber na verdade.

Uma viagem, uma busca, um encontro

A linguagem mais constante na produção do artista Walmor Corrêa é o desenho, ainda que o desenho, para ele, muitas vezes se materialize em objetos, pinturas e instalações. Desenhar é uma forma ancestral de conversar consigo mesmo, assim como é uma maneira moderna de registrar intencionalidades, projetos e rotas. Desenhar também é um recurso indispensável para a condensação gráfica de conceitos e saberes organizados, ou então, ao contrário, de uma dinâmica fortuita para ordenar ideias em fluxo. Trata-se, como atestava o artista alemão Joseph Beuys, de um veículo sempre movente, que transita entre a forma e o pensamento.

Na poética de Walmor Corrêa, o desenho é a guia que deixa convergir dois polos supostamente antitéticos. De um lado, está a imaginação fabular, que observa ínfimos fragmentos do cotidiano e da natureza e neles enxerga um mundo inteiro, habitado por narrativas fantásticas, forças mitológicas ou memórias de fatos que não chegaram a existir (pelo menos no campo objetivo dos fatos). Do outro lado, está o repertório técnico da ciência ocidental, que analisa e decompõe corpos, biomas e territórios, registrando funções, morfologias e causalidades, de preferência a partir de constatações empíricas e concatenações lógicas. O que o artista percebe e demonstra em inúmeros de seus trabalhos é que a diferença entre esses dois polos se deve mais às expectativas com que habitualmente nos voltamos a eles do que às qualidades intrínsecas de seus modos de expressão; afinal, se algo se apresenta como desenho, não há nada que impeça que seus sentidos técnicos e suas premissas fabulares se misturem no fluxo do desenhar.

Sem que resida aí um paradoxo, foi essa capacidade de representação ambivalente que fez o artista ser convidado, em 2014, a apresentar um projeto de pesquisa para uma residência financiada pela maior fundação de pesquisa e difusão científica dos Estados Unidos. Constituído como uma colossal rede de museus e centros de pesquisa, o Instituto Smithsonian possui mais de 150 milhões de itens em acervo e recebe mais de 30 milhões de visitantes por ano. Seu orçamento bilionário inclui convites para artistas de diversas linguagens que possam conduzir pesquisas e projetos que extrapolem os campos metodológicos das ciências.

Walmor Corrêa foi, então, convidado a mergulhar no ponto fulcral dessa rede, o Museu de História Natural de Washington. Assim, o artista que nasceu em Florianópolis, graduou-se em Porto Alegre e hoje vive em São Paulo, viu abrirem-se as portas da maior e mais abrangente coleção de história natural do mundo. É de se imaginar o que isso pode significar para alguém que desde a juventude vive seduzido por desenhos anatômicos, cartografias históricas, pranchas entomológicas e dioramas museográficos. Muito assombro, excitação e – por que não? – alguma dose de intimidação. O fato é que, enquanto preparava-se para fazer o deslocamento entre as Américas do Sul e do Norte, Walmor Corrêa apegou-se a algo que lhe era muito familiar: seu fascínio pela ornitologia, o estudo das aves – esses animais de natureza migratória, alheios às fronteiras territoriais desenhadas pelo homem.

O artista estava prestes a percorrer o caminho inverso da vida de uma das principais referências no estudo ornitológico brasileiro, William Belton (1914-2009). Nascido no Oregon, Belton estudou em Washington, fez carreira internacional como diplomata e, após sua aposentadoria, gravou milhares de áudios de pássaros da região sul do Brasil, muitos deles nunca registrados antes de sua paciente coleta. Isso fez dele uma referência na área, um herói para Walmor Corrêa e, também, para os pesquisadores gaúchos Márcio Reppening e Carla Suertegaray Fontana, que recentemente batizaram, em sua homenagem, uma espécie de pássaro até então não catalogada. A Sporophila beltoni, hoje se sabe, existe há vários séculos, mas nunca havia sido observada com atenção, sempre confundida com outras espécies de Sporophila (conhecida popularmente como patativa-tropeira). Nativa do Brasil, a Sp. beltoni não tinha nome nem identidade até poucos anos atrás.

Foi por essa inusitada lembrança que a primeira iniciativa de Walmor Corrêa, diante da imensidade do arquivo norte-americano, foi consultar se havia alguma Sporophila brasileira no acervo do Smithsonian. A primeira, a segunda e a terceira resposta foram negativas e, em parte, esta exposição - Walmor Corrêa e Sporophila beltoni - é o resultado de sua insistência em abrir arquivos até encontrar um improvável espécime não catalogado no acervo hoje completamente digitalizado: uma ave empalhada em 1820, uma Sporophila brasileira incógnita no fundo de uma gaveta com espécimes latino-americanos. Mais ainda: uma Sporophila beltoni.

Daí em diante, o trabalho de Walmor Corrêa concentrou-se em buscar maneiras de forjar reconhecimento e identidade para esse ser que vivia anônimo e foi morto para fazer parte do saber científico, que, então, o abandonou indigente e sozinho.

Antecedentes, testemunhos e lembranças

Assim que localizou a ave brasileira perdida nos arquivos norte-americanos, Walmor Corrêa comunicou seu achado ao professor Márcio Reppening, que respondeu com grande entusiasmo. Só de ver a fotografia do espécime empalhado, o pesquisador afirmou tratar-se de um animal coletado pelo naturalista austríaco Johann Natterer em 1821. Acontece que as aves empalhadas por esse pesquisador possuem, todas, certo trejeito reconhecível: uma leve inclinação da cabeça que se tornou uma espécie de assinatura de seu trabalho.

A passagem de Natterer pelo Brasil tivera início em 1817, quando o imperador Francisco I da Áustria financiou uma expedição científica ao país por ocasião do casamento da sua filha Maria Leopoldina de Áustria com o príncipe herdeiro Dom Pedro de Alcântara. Formava-se, naquele momento, o laço que redundaria na independência do Brasil em 7 de setembro de 1822, ao mesmo tempo que se criavam condições para a morte e retirada do país de uma série de pássaros nativos, incluindo aquele que seria encontrado quase duzentos anos depois pelo artista Walmor Corrêa.

Em nome da ciência esclarecedora, uma vida foi obscurecida. Levando a sério (no campo da poética) esse apagamento intercontinental, o artista procedeu de forma a legitimar a existência da Sporophila beltoni, sua patativa-tropeira, em terras norte-americanas. Buscou uma audiência com o embaixador brasileiro em Washington. Conseguiu. Foi longe e pediu que fosse concedido um passaporte brasileiro à ave, para que sua existência e nacionalidade fossem reconhecidas. O embaixador engoliu seco, confundiu-se e, quando dissipou as dúvidas sobre o que tinha acabado de ouvir, dispensou cordialmente a continuação da conversa: “nada a fazer, meu filho, nada a fazer”.

A negativa, é claro, bateu em Walmor Corrêa como uma confirmação dos rumos a serem tomados. Certidão de nascimento, carteira de identidade, atestado de nascimento e passaporte são alguns dos papéis que o artista aprendeu a solicitar e produzir a fim de dar fé da existência do pássaro, além de reconhecer-lhe a cidadania, a filiação e o sobrenome. Uma vez mais, desenho fabular e documento gráfico factual se confundem. Até mesmo uma escritura de território a ave recebe, na expectativa de retardar ou reverter sua provável extinção nos anos vindouros.

Noutras obras, como Pintura cladograma (árvore genealógica) e Paisagem natural do Sporophila beltoni, o artista extrapola o âmbito documental e tenta (por metonímia e metáfora, respectivamente) ouvir o que seu novo amigo teria a dizer. Transparece, assim, a empatia possível do artista com o pássaro e deles conosco, que descobrimos, de um só fôlego, ter sido encontrado algo que não sabíamos estar perdido.

O final da exposição guarda, ainda, uma surpresa. Uma patativa-tropeira empalhada é apresentada em uma gaveta idêntica àquela em que estava a Sporophila beltoni do Museu de História Natural. O arranjo das caixinhas de papel que subdividem a área da gaveta, entretanto, é bastante diferente daquele que se verifica nas fotos do dia do “achamento” de 2014. Aqui, suas divisas e proporções reproduzem, na verdade, a planta-baixa da casa em que o artista passou sua infância. Por meio de um curto-circuito afetivo que não se pode explicar nem reproduzir, Walmor Corrêa lembrou, ao ver a ave no fundo da gaveta, de sua própria solidão e seu medo no escuro do quarto fechado, encarados, na época, com uma sensação ainda maior de isolamento. É difícil prever como outras pessoas poderão metabolizar ou não essa memória apenas sutilmente evocada por detalhes na instalação do objeto. O que não se pode negar é que, ao perseguir sua catarse pessoal, o artista acabou por completar uma volta em sua apresentação do pássaro indigente: construir-lhe um lar.

Paulo Miyada

Posted by Patricia Canetti at 11:19 AM