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julho 28, 2017

La charmeuse des bêtes por José Damasceno

La charmeuse des bêtes

JOSÉ DAMASCENO

L'authentique observateur est un artiste – il pressent le significatif et, à travers l'étrange mixture des phénomènes qui passent, il flaire ceux qui sont importants.
Novalis

Há um encanto. De onde vêm esses animais? Eles costuram a cena. Deslocam-se, migram, percorrem, habitam e saltam entre dimensões inauditas e divertidas. Pelas paisagens subjetivas e fabulosas as cores conversam e se divertem, falam entre si e brilham. Aurora de novidade. Às vezes gritam e pululam, melhor soltar os bichos! Sim, e por que não? Um bestiário gráfico-pictórico selvagem: seres estranhos e ferozes, sim, mas também inadvertidamente doces. Eles têm uma ternura cativante, contudo, de uma ingenuidade um tanto intrigante, pois esta é aliada à poesia da sabedoria precisa, tudo ao mesmo tempo, agora.

Já foi dito que a inocência deliberada pressupõe coragem, e um filósofo nos assinala que a doutrina do espírito – a verdadeira inocência – possui elasticidade absoluta. O viajante, personagem andarilho, nutre-se simultaneamente do olhar arejado e do não pertencimento, que o faz avançar ao sabor de sua busca pelo estupor e pela liberdade que corteja. Lá, por onde se embalam pureza e sinceridade. Com uma sorte de humor sagaz Zoe produz uma torção do espírito na qual se manifesta a pura virtualidade das coisas: elementos heteróclitos se transformam em coerência imprevista. Tristan Tzara nos adverte: dada defendeu a confusão das categorias estéticas como uma das formas mais eficazes para perpetrar o jogo na estrutura rígida da arte. Nem o belo nem o feio, mas a surpresa! Aquela da ordem e desordem momentaneamente aliadas, fora das normas impostas, lá onde a revolta ronrona doces segredos das transformações das ideias e agarra o acaso presente. Este, fala à invenção pujante, à vontade de criar o novo de novo. Espontânea e contínua fronteira nua.

O sacrifício. A ideia central das cosmogonias parte das lendas e relatos heroicos, em que santos e seres extraordinários apontam para a especulação da origem e para a formação do mundo. Encontramos em mitos diversos e avatares religiosos a máxima que nos fala: não há criação sem sacrifício. A energia espiritual que se obtém seria proporcional à importância daquilo que foi perdido? Com um eco da canção popular das ruas, Zoe nos oferece uma pergunta e logo em seguida sublinha – o que realmente está em jogo, além da confusão atual? O que buscam essas bestas? Quais são seus caminhos? Por quais senderos avançam? Posso entrever algo por entre aquelas veredas mirabolantes, por ali em algum lugar onde há uma fonte de águas abstratas, só um pouco mais além, ali mesmo: mais adiante, de onde bebem os lobos.

José Damasceno
14/07/2017

Zoé Dubus - Qu'a t'on bien pu faire de tous ces sacrifices?, Artur Fidalgo Galeria, Rio de Janeiro, RJ - 04/08/2017 a 19/09/2017

Posted by Patricia Canetti at 12:22 PM

julho 27, 2017

Novíssimos 2017 por Cesar Kiraly

Novíssimos 2017

CESAR KIRALY

A proposta curatorial do Novíssimos de 2017 concerne à interrogação da distância entre as imagens da vigília e do sono. Foram para isso escolhidos artistas em início de trajetória que se propuseram a pensar a experiência dessa forma expandida. O onírico surge atrelado aos mais diversos suportes, em formas escultóricas de pano, fotografia, na interação do concreto com aparato eletrônico, no conflito do rosto com matérias que insistem em cobri-lo, nas estratégias de captação de vídeo etc. Notar-se-á o cinza insistente como bruma temporal, como pó nos objetos. Não é objetivo pleitear a hipótese de região da vigília a salvo do sonho ou o contrário. Nem mesmo os impasses de se estar acordado ou dormindo. Nada disso nos importa. A vontade é pela evidência da mistura, que pode ser separada, mas que aparece de complexa disjunção, até mesmo indiscernível. A presença na imagem, na linguagem, do onírico, está na força mesma da expressão, restaria pouco ou nada sem ela. Andamos atrás é dessa lógica de continuidade, em que associamos por semelhança, contiguidade, causalidade, porém enredada em deslocamentos e condensações. Isso quer dizer que as imagens pesam, por condensarem as parecenças, ou rapidamente se livram da densidade, frustrando-nos a expectativa, sendo fáceis de carregar. Essa é a primeira edição do Novíssimos na nova galeria ao Jardim Botânico. Pudemos contemplar os percursos dos artistas, mas também tivemos a oportunidade de indicar trabalhos que nos pareceram exemplares de boa direção na proposta que nos foi submetida. Na vernissage será anunciado o artista que conosco fará uma individual.

Cesar Kiraly

Posted by Patricia Canetti at 3:34 PM

julho 26, 2017

Rodrigo Torres - Víveres por Marcelo Campos

Víveres

“Todos os integrantes da armada ainda teriam direito aos bens saqueados aos povos...”
(A Viagem do descobrimento. Eduardo Bueno)

Era comum na armada de Cabral a divisão de bens saqueados aos povos, aos quais denominavam butim. E tudo interessaria aos que vinham do mar, armas, mantimentos, especiarias, prisioneiros, homens escravizados. Os víveres eram mais do que controlados, cabendo sua guarda a um cargo específico na cidade-caravela. Mas, a natureza sempre foi insurgente e ninguém conseguiu conter o fétido dos toneis de água e o avinagrar dos mais apreciados vinhos. Essa busca por butins continuara no Novo Mundo, ganhando, a cada momento, configurações específicas. O ouro, o minério, a cana-de-açúcar, por exemplo, fizeram da escravidão no Brasil algo inédito, já que destinada às lavouras constituídas por milhares de degradados. E o fausto, a opulência das mesas coloniais se mantinham a essas custas, enquanto o gentio acostumara-se a catar os restos na sarjeta, a experimentar o apodrecido dos víveres nas xepas, a carregar o esgoto das cidades na cabeça. Mas, não à toa, essa história foi acompanhada por insurgências, revoltas, motins capitaneados por tupinambás, caboclos, malês. Subvertia-se a ordem pública. As ruas ganhavam a astúcia de poderosas armas, como zarabatanas, tacapes, ofás, feitos em madeiras, metais, pedras, garrafas, escondidas em panos-da-costa, mochilas e sacos de pão, ameaçando os mármores reluzentes dos palácios falsamente greco-romanos.

Ainda assim, nada continha a ganância da capital federal. Se o paraíso tropical não desse lucro, conjecturava-se o abuso na “política fiscal praticada pelo governador”. E o controle se mantinha atento ao que poderia parecer subversivo, como o canto, a dança, os modos de celebração de uma população nascida de distintas diásporas, nos terreiros, quintais, embaixo de viadutos, onde misturam-se continentes em riquezas culturais imateriais, no âmago da fé, no torpor de afetos e trocas que jamais se conformaram aos sentidos disciplinadores e totalizantes dos que, momentaneamente, se apoiam na ilegitimidade de um poder sem representatividade.

Em Víveres, Rodrigo Torres se utiliza do virtuosismo técnico para nos aproximar dessas polaridades, do brilho de superfícies marmorizadas, em técnicas de Corte, em trompe l’oeil, ou do corrugado ameaçador das embalagens de papel, coquetéis molotovs, abandonadas ao pânico dos aeroportos. Torres se afirma com profunda determinação ao observar os gestos de uma produção artística que precisa coadunar-se aos conceitos da arte, da sociedade e da política. Víveres, com isso, nos confronta à maturidade do artista, experimentando efeitos de superfícies materiais, ao mesmo tempo que reflete sobre as mazelas da colonização e do capitalismo. Rodrigo tangencia e atravessa os fatos do agora, observando, justamente, os modos como a natureza e a civilização foram constituindo um Brasil a ser explorado, espoliado em suas riquezas naturais “tipo exportação”, em prol do fastio da mesa, das carnes nobres, dos elementos de distinção e dispêndio das louças coloniais que, hoje, permanecem em trânsito nos contrabandos que circulam livremente. Curiosamente, como nos informa Lilia Schwarcz, “os colonos cariocas tornaram-se peritos na atividade do contrabando: furavam bloqueios, driblavam o fiscalismo”. E o que nos espanta é perceber que esta informação se refere aos idos de 1600.

O que nos restará, então, como sociedade? A lógica de exploração da produção agrária a qualquer custo? O fato é que a circulação da natureza e das relíquias coloniais, nas casas ou nas ruas, geraram uma parcela de complexidade a qual não conseguimos cindir, separar em modos identitários ou modas passageiras, como já previra Gilberto Freyre. Quem somos nós? Por um lado, filhos do desejo desenfreado do consumo, por outro, sobreviventes da violência, os que não têm lugar na anomia da mestiçagem. Mas, o corpo insurge-se frente ao desmantelamento das conquistas humanitárias. A tropicalidade vilipendiada é nossa ascensão e nosso ocaso, por ora empobrecida pelo turismo ou pela vontade de se tornar símbolo pátrio. República de bananas? Vemos a riqueza se esvair de tanta apropriação.

O que nos resta é rever os gestos das rebeliões, dos motins, das sedições, das revoltas, resistindo ao que nos torna reféns.

Marcelo Campos, Julho 2017

Posted by Patricia Canetti at 5:52 PM

julho 24, 2017

Mats Hjelm - A Outra Margem por Fernando Cocchiarale e Fernanda Lopes

Mats Hjelm - A Outra Margem

FERNANDO COCCHIARALE e FERNANDA LOPES

Videoinstalação inédita do sueco Mats Hjelm, A outra Margem integra a programação periódica de exposições temporárias de artistas contemporâneos brasileiros e estrangeiros, cujas obras, sobretudo quando não representadas nas coleções do Museu de Arte moderna, complementam seu atual perfil moderno e contemporâneo. Mas a tal relevância, somam-se questões específicas deste trabalho que justificam e reforçam ainda mais o MAM, situado à beira-mar do Rio de Janeiro, como um espaço privilegiado para a realização desta exposição, já que a cidade situada no Atlântico sul é, de acordo com as escolhas poéticas de Mats, uma das margens visíveis do trabalho.

A outra margem nos propõe uma reflexão poética sobre o Atlântico como lugar de passagem entre as diversas margens desse oceano que une as histórias de diáspora, colonização e o mistério da libertação por meio da navegação para “outro” lugar, e o horror do cativeiro à espera daqueles que o navegam contra sua vontade e o caminho de volta à terra mãe.

A sintaxe multimidiática de Hjelm, produzida por meio da correlação editada de imagens, textos, músicas, cantos−meios frequentemente separados por noções de linguagem autônomas e puras, legadas pelo modernismo – integra-se num todo hibridizado, como equivalente poético de nosso polarizado cotidiano. Consequentemente, A outra margem tem uma forte pulsão semântico-narrativa que a faz transbordar da estrutura interna dos sistemas linguísticos, para o mundo externo com o qual poeticamente se conecta.

Tal transbordamento não resulta, porém, da edição linear de sons e imagens que se sucedem numa sequência dada. São quatro projeções simultâneas, duas a duas, na frente e no verso da tela que nos mostram em um dos lados registros sonoro-visuais de obras literárias, musicais−de pessoas e paisagens−gravadas às margens do Atlântico, combinadas em fluxos que nem sempre se encaixam logicamente. No outro lado da tela, projeções de imagens aquáticas nos sugerem o caminho líquido formado pelas margens que delimitam o Atlântico qual uma gigantesca web oceânica que vem permitindo a circulação geográfica de massivos contingentes humanos. Uma história impossível de ser completada na esfera discursiva, mas que pode ser aqui poeticamente experimentada.

Fernando Cocchiarale
Fernanda Lopes
Curadoria do MAM

Posted by Patricia Canetti at 3:10 PM

José Bechara - Fluxo bruto por Beate Reifenscheid

José Bechara - Fluxo bruto

BEATE REIFENSCHEID

José Bechara - Fluxo Bruto, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, RJ - 26/07/2017 a 05/11/2017

José Bechara é um dos artistas mais interessantes da cena de arte contemporânea brasileira. Iniciou a carreira como pintor, com uma forma de linguagem radicalmente reduzida, compromissada, ainda hoje, com a arte concreta no sentido mais amplo da palavra. São a sua noção e o seu entendimento profundos das estruturas construtivas que formam o esqueleto interno de suas pinturas, que modulam cores num tipo de espaço flutuante, ilimitado. A partir de figuras quadradas com arranjos e grades de linhas rígidas, suas pinturas oscilam entre a concretude de formas e estruturas e a inconcretude do espaço. Juntos, esses elementos se assemelham ao movimento de um pêndulo, entre pinceladas abstratas livres, tinta colorida e formas geométricas, as quais, por sua vez, parecem diferentes camadas dentro desse espaço. Contudo, fica claro também que o foco do artista está sempre em penetrar o espaço e compreender suas dimensões em percepção. O concreto e o não concreto estão fundamentados diretamente no nível das perspectivas possíveis.

Algumas das formas geométricas estão expostas nas esculturas de Bechara, em suas repetidas formas quadradas, que também jogam com o conceito de estruturas em série. Com sua abertura e mobilidade aleatórias, elas oferecem todas as possibilidades de serem ajustadas aos espaços escolhidos. Esse ajustar a qualquer tipo de espaço é uma ideia conceitual dirigida diretamente ao espectador ou colecionador, que são convocados a “usar” a escultura para seus próprios fins. Tudo que for mudado pelo espectador faz parte do conceito, que apenas gira em torno dessa ideia de espaço, que consiste em diversas grades estruturais – visíveis e invisíveis.

As novas obras em vidro de Bechara são, portanto, uma continuação lógica de seu trabalho anterior e até mais conceituais. Fundamentadas na materialidade sólida do vidro, são tanto um elemento factual e, desse modo, uma barreira no espectro contínuo do espaço, como um fato aparentemente invisível, que não cria qualquer barreira entre o espectador e o espaço. São, assim, uma contradição em si, questionada apenas pelos vários itens que Bechara combina com as placas de vidro, como uma grade vermelha, uma cabeça prateada (autorretrato do artista) ou pequenos pacotes embrulhados e coloridos. Por vezes, diversas camadas de placas de vidro formam, ao mesmo tempo, uma estrutura geométrica e um objeto, o que não só torna a transparência visível, mas também reflete a solidez das formas quadradas. Na arte contemporânea, o vidro é um material recém-explorado e artistas famosos, como Pierre Soulages, Gerhard Richter e Ai Weiwei, fizeram experiências com ele. As obras em vidro de José Bechara salientam a percepção conceitual do construtivismo brasileiro e a transferem para uma abordagem contemporânea.

Profa. Dra. Beate Reifenscheid
Diretora do Museu Ludwig de Koblenz, Alemanha
Presidente da Icom, Alemanha

Posted by Patricia Canetti at 1:55 PM

julho 13, 2017

O Telescópio Interior de Eduardo Kac por Eleanor Heartney

O Telescópio Interior de Eduardo Kac

ELEANOR HEARTNEY

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Eduardo Kac - Em Órbita: Telescópio Interior, Luciana Caravello Arte Contemporânea, Rio de Janeiro, RJ - 21/07/2017 a 19/08/2017

A trajetória da ciência ocidental poderia ser escrita como uma história do desejo ou das tentativas de a humanidade se livrar de restrições externas. De Copérnico a Galileu até Newton e Einstein, o cenário de um mundo fixo dirigido pela Lei Divina evoluiu para outro no qual a matéria, o espaço e o tempo são mutáveis, e se interpenetram e transformam uns aos outros. Nesta narrativa, a força da gravidade é uma das limitações mais poderosas impostas sobre a humanidade, pois exerce não somente uma força física, que literalmente nos prende no chão, mas também uma força metafórica que determina os limites e a direção do possível. O nosso mapa-múndi, por exemplo, tem uma parte de cima e uma parte de baixo, alinhado de norte a sul, como se o nosso globo suspenso realmente tivesse uma correta orientação. Considere-se também a língua escrita, que vai se desenrolando em intervalos fixos de espaço e de tempo, mais uma vez como se houvesse uma orientação correta ou incorreta.

Mas, e se as restrições da força da gravidade pudessem ser suspensas — como de fato ocorre quando estamos fora da Terra? Uma experiência radical de percepção humana está atualmente sendo realizada a bordo da Estação Espacial Internacional, na qual astronautas de várias nacionalidades realizam diversos experimentos científicos. Operando numa zona livre da força da gravidade, a Estação Espacial é um ambiente onde é possível se livrar de limitações físicas, geopolíticas e disciplinares. Nesse processo podemos perguntar pela primeira vez: São possíveis novos tipos de experiência humana? Será que, sem a força da gravidade, a humanidade conseguiria superar certas divisões que foram, durante muito tempo, consideradas inevitáveis?

Telescópio Interior de Eduardo Kac aborda tais questões. A obra é parte de questionamentos de longa data acerca do que o artista chama de Space Poetry [Poesia Espacial] e foi realizada por Thomas Pesquet na Estação Espacial Internacional em 2017. A obra tem uma forma radicalmente concisa: é composta de duas folhas de papel cortadas e modeladas para formar uma palavra com três letras: MOI (significando “eu” em Francês). Para criar o M, a primeira folha é dobrada e cortada de tal maneira que, de uma perspectiva, sugere o formato daquela letra, enquanto que de outra perspectiva parece uma figura humana. Um círculo cortado e removido no meio desta folha de papel transforma-se na letra O, e também é uma abertura pela qual se insere um cilindro formado a partir da segunda folha de papel. Este se torna ao mesmo tempo "eu" e "olho" ("I" e "eye" são homófonos em inglês) — formando um telescópio pelo qual uma variedade de visões podem ser vislumbradas. Observada de um outro ponto de vista, a obra evoca a imagem de um corpo humano com o cordão umbilical cortado, transformando o Telescópio Interior em uma escultura. Fisicamente produzido no espaço sideral (a obra não foi trazida da Terra), o MOI não tem parte de cima ou de baixo e pode ser orientado em qualquer direção. Como tal, fornece um modelo para uma consciência livre da força da gravidade e um sentido radicalmente novo de subjetividade.

Telescópio Interior agrega várias preocupações do artista. Estas incluem o seu interesse de longa data pelos aspectos visuais e cinéstéticos da poesia. Aqui, flutuando livremente no espaço, este poema é dirigido igualmente a públicos terrestres e celestiais. Como tal, está em diálogo com outras obras do artista que facilitam a comunicação entre espécies e entre formas orgânicas e inorgânicas de vida. Também dá continuidade às suas obras anteriores transmitidas ao espaço sideral numa tentativa de se comunicar com seres extraterrestres. E por superar quadros de referência estritamente prescritos, a obra continua a desenvolver o sonho de Kac de uma realidade em rede, onde a mutualidade substitui relações baseadas em hierarquias e poder. Telescópio Interior, portanto, expressa uma visão utópica que aponta para além das mentalidades apocalípticas que hoje em dia restringem o nosso pensamento. Kac, ao contrário, nos oferece uma visão otimista de um futuro expandido, a ser possibilitado pela readaptação da espécie humana.

Eleanor Heartney é Crítica de Arte em Nova York e Editora Colaboradora das revistas Art in America e Artpress. Entre seus livros estão Art and Today, Postmodernism e Postmodern Heretics. Heartney é co-autora de After the Revolution: Women who Transformed Contemporary Art e The Reckoning: Women Artists in the New Millennium.


Eduardo Kac’s Télescope intérieur

ELEANOR HEARTNEY

Eduardo Kac - Em Órbita: Telescópio Interior, Luciana Caravello Arte Contemporânea, Rio de Janeiro, RJ - 21/07/2017 til 19/08/2017

One could write the history of western science as the story of humanity’s efforts to free itself from external constraints. From Copernicus to Galileo to Newton to Einstein, the picture has evolved from a fixed world guided by Divine Law to one in which matter, space and time are shifting entities mutually interpenetrating and reforming each other. In this narrative, gravity has been one of humankind’s most powerful constraints – exerting not only a physical force, as it literally holds us on the ground, but also a metaphoric one that determines the limits and direction of what is possible. Take for instance, our standard map of the world – it has a top and bottom, normally aligned from North to South, as if our suspended globe really had a correct and incorrect orientation. Or look at written language, unfolding in fixed frames of space and time, again with a correct and incorrect orientation.

But what if the constraints of gravity could be lifted – as they actually are in deep space? A radical experiment in human perception is currently being carried out in the International Space Station, where astronauts from many nationalities conduct a variety of scientific experiments. Operating in a gravity free zone, the Space Station creates an environment in which it is possible to shed physical, geopolitical and disciplinary limitations. In the process, it makes it possible for the first time to pose such questions as: Are new kinds of human experience possible? Would a humanity without gravity escape certain divisions long thought to be inevitable?

Eduardo Kac’s Télescope intérieur [Inner Telescope] addresses such questions. An extension of his long time concern with what he called Space Poetry, this is a work that was realized by Thomas Pesquet in the space station in 2017. The work is radically concise in form – consisting of two sheets of paper that were cut and shaped in space to create the three-letter word MOI (French for me). The M is created from the first piece of paper that has been folded and cut so that, from one perspective, it suggests the shape of that letter. From the other (or “upside down”) perspective, the form suggests the image of a human being. A hole cut in the middle of this sheet of paper becomes the O and is also the opening in which a cylinder formed from the second piece of paper is inserted. This becomes both the I and the eye—forming a telescope through which different vistas can be glimpsed. Seen from the other (or “upside down”) point of view, this cylindrical form resonates with the human form, evoking an umbilical cord cut off, thus making Télescope intérieur also a sculpture. Created in deep space, the MOI has no up or down and can be focused in any direction. As such it provides a model for a gravity free consciousness, a radically new and different sense of subjectivity.

Télescope intérieur combines a number of Kac’s ongoing preoccupations. These include his longtime interest in the visual and kinesthetic aspects of poetry. Here, floating freely in space, this poem addresses both earthbound and celestial audiences. As such, it draws on the artist’s works that facilitate communication between species and between organic and inorganic life forms. It also follows his previous works transmitted to outer space that attempt to communicate with extra terrestrial beings. And in its escape from narrowly prescribed frames of reference, the work advances Kac’s dream of a networked reality where mutuality replaces relationships of hierarchy and power. Télescope intérieur thus expresses a utopian vision that points beyond the apocalyptic mindsets that currently constrain our thinking. Instead, it offers the hopeful vision of an expansive future made possible by a reconditioned human race.

Eleanor Heartney is a New York–based art critic and Contributing Editor to Art in America and Artpress. Among her books are Art and Today, Postmodernism, and Postmodern Heretics. She is a co-author of After the Revolution: Women who Transformed Contemporary Art and The Reckoning: Women Artists in the New Millennium.

Posted by Patricia Canetti at 5:28 PM

Carlos Zilio por Guilherme Bueno

Carlos Zilio

GUILHERME BUENO

Carlos Zilio - Pinturas, desenhos e objetos, Anita Schwartz Galeria de Arte, Rio de Janeiro, RJ - 20/07/2017 a 26/08/2017

A situação da pintura na arte contemporânea, que nos últimos anos teria retornado a uma certa condição de "normalidade", aponta, de fato, para alguns aspectos singulares acerca de suas possibilidades e de seu significado hoje. Esclareçamos: a arte contemporânea, em suas proposições iniciais, investiu pesadamente contra o que se tinha como a hegemonia da pintura como modelo principal do modernismo. Isso vai muito além de uma crítica ao cenário norte-americano, mais discutido, e se manifestava na recusa tácita e geral de tomar a pintura quase como uma metonímia da arte moderna em geral. Mas as questões que a envolvem não param por aí: o imperativo que ela parecia viver de construir-se movida pela reflexão de seus termos - além de problemas materiais, do sentido histórico que ela carrega consigo (os vários quadros existentes dentro de uma mesma tela, os seus "fantasmas"), colocava-a em uma situação peculiar, pois, mesmo consideradas as várias manobras de ruptura que ela poderia exercer, ainda parecia obrigada a carregar o peso de sua tradição, o que não deixava de aderi-la ao território moderno da autorreflexão. Mas, ao mesmo tempo, essa presença material de sua história não podia ser algo simplesmente reprimido ou falsamente abandonado. Ele persiste em sua concretude naquilo em que cada obra vê-se compungida a testar sua validade entre seus pares.

Tais colocações nos guiam para uma reflexão sobre as atuais obras de Carlos Zilio em exposição na galeria Anita Schwartz. A trajetória do artista em sua aventura com o meio hoje é bastante conhecida: vindo de uma geração que declarou o fim da pintura, uma sequência de exposições a partir do final dos anos 1970, dentre as quais uma célebre retrospectiva de Cézanne, colocou-o em uma encruzilhada. A sua dúvida cézanneana somou-se sua investigação sobre os dilemas da condição do artista, da arte e de seu sentido e repertórios, em especial em um sistema frágil como o brasileiro. Observada à distância, aquelas suas primeiras telas eram mais do que a recusa a uma arte brasileira que "figurasse" o Brasil, mas antes enfrentasse o amplo território do legado de formas e estratégias da pintura moderna: daí surgirem evocações cruzadas a Matisse, Manet e Tarsila, Barnett Newman, Cézanne, Picasso, Jasper Johns, Robert Ryman... em resumo, de todo um tipo de investimento sobre a pintura – técnico, conceitual, plástico, espacial, objetual – que reativasse uma densidade distinta das abordagens então correntes a privilegiarem o gesto, uma espontaneidade crua ou um repertório de imagens pós-pop. Tal abordagem prosseguiu na década seguinte, quando durante anos a fio Zilio se dedicou a um sistema restrito de elementos (uma ortogonal em forma de “I” e uma paleta composta de preto, branco e terra de Siena – a um só tempo uma síntese austera da estrutura espacial renascentista e a delimitação de uma pesquisa cromática que contivesse o sensualismo "latente" da cor), na qual a consciência de que cada decisão, mesmo sem abdicar da intuição entre uma transparência ou um plano mais fechado e opaco, naquilo em que ativavam consigo todo um manancial de uma história passada, mas visualmente ainda viva, potencialmente abririam margem para mudanças de rota durante a consecução da tela. Tal sistema gradualmente ampliou seu escopo, com o gesto circular que dava a extensão entre o braço (pintar não com o punho) e a escala e o ressurgimento inadvertido de vestígios de imagens do seu passado artístico pessoal. É significativo apontar isso para notarmos que o rigor aqui jamais significou ortodoxia, na medida em que Zilio não obstruiu a aparição desses elementos não estranhos, mas inesperados dentro de uma abordagem da pintura que não os previa. Ainda assim, se eles irromperam, era imprescindível para a veracidade de sua pesquisa que eles tanto fossem posto à prova como também o pusessem – ao artista em pessoa – seu sistema à prova.
A produção de Zilio vê-se, portanto, em seu estágio atual, envolta nesse desafio. Há duas maneiras inter-relacionadas de tentar interpretá-lo: uma se concentra sobre a questão da imagem. A relação de Zilio com ela é ampla, pois agora elas não se limitam à convocação da História da Arte (universal e com maiúsculas), mas a sua história da arte, enovelada com outros episódios pessoais. Dito de outra maneira, a figura do Tamanduá – originalmente surgida em uma tela da década de 1980 – simboliza tanto uma experiência biográfica marcante (a perda do animal de estimação de seu pai cristaliza-se nele posteriormente como uma imagem de luto), mas também traz consigo sua assimilação de Matisse (a linha que é cor e desenho, sem contorno), por exemplo, e como seus trabalhos anteriores responderam não só ao pintor francês, mas aos vários outros que lhe foram caros. Essa história pode ser enfeixada o bastante para nela se entrecruzarem questões plásticas e metafísicas. Que se pense, no grande tríptico da presente mostra com seu jogo mais do que pictórico, de pintura.

Se a figura do tamanduá ao centro reitera a recorrência de seu significado para Zilio, ela distende-se no quadro com outras reincidências: no alto, à esquerda, a mão "Lascaux" traça com o tamanduá não só o espaço "parietal" de formas que nos falam de um anti-ilusionismo no quadro, mas no seu tom de inquietação com essa origem da arte, falam, em último caso (e o interesse de Zilio pela Lascaux de Bataille revela aqui uma de suas dimensões), desse surgimento da arte que é também a consciência da finitude, conforme o escritor francês especula em sua monografia. E, ao lado oposto, no outro extremo do tríptico retornam os diagramas de Cerco-Vida, Cerco-Morte de meados da década de 1970. Tudo isso poderia nos encaminhar para um pendor melancólico, porém as telas resistem contra a concessão ao sentimentalismo e nisso revelam o seu (não há outra palavra) contido esplendor. A luminosidade quase bizantina dos planos dourado e prateado, contraposta à compacidade do terceiro painel em um branco semimarmorizado, devolvem à pintura uma corporeidade, uma objetualidade que evita a dissipação psicologizante e diáfana que tais elementos poderiam tentadoramente suscitar. Se for permitida uma comparação mais contumaz, o tamaduá é seu Marat: permanece ali, impassível e real. No entanto, insisto, toda pintura implica um problema anterior (ou simultâneo), que é, ao fim, inalienável: trata-se de sua corporeidade e suas consequências na estrutura espacial da tela. Um indício que perpassa todos os trabalhos é o uso de diferentes materiais - óleo, esmalte, bases vinílicas. Zilio é um pintor, mas seu desejo de experimentar variadas luminosidade e corporeidade dos planos é diretamente proporcional ao uso de tais recursos como antítese à facilidade cômoda do métier. O teste com materiais é constante e sistemático, mas não é normativo. Na prática, ele passa pelo confronto entre esses materiais e os modelos espaciais de seu interesse pelos mestres da história da arte. Em outras palavras, como operar a partir de iridiscências igualmente potentes mas profundamente distintas como a de Newman, Rothko ou do Ellsworth Kelly dos anos franceses? Qual a diferença do plano raso das silhuetas matisseanas e da relação figura-fundo mínima dos moncromos de Malevich, Rodchenko, Ad Reinhardt e Rauschenberg? Não entendamos isso como uma arte feita a toque de citações, mas no desafio concreto de enfrentar o plano pictórico ciente de se encontrar uma solução pessoal em meio a esses continentes. O motivo do tamanduá aqui vem-nos defrontar de novo com as dificuldades auto-impostas. Que se tomem simultaneamente a versão branca e a preta. Nas duas a dissolução de sua silhueta novamente toca a desaparição; contudo é não menos a empreitada de instalar na tela uma imagem que não segmente a pintura em figura e fundo. Trata-se, em suma, de uma profundidade obviamente não ilusória que, no entanto, também não subscreve a noção consagrada de literalidade, parecendo antes assentar-se na fresta entre ambas. E, ainda assim, ela não é ambígua, como se transitássemos numa alternância de posição entre figura e fundo ou nessa outra entre ilusionismo e literalidade. As faixas que Zilio dispõe nas margens laterais de algumas telas não só demarcam o campo do olhar, mas, por extensão, quebram qualquer sensação de planos que se prolongariam indefinidamente para além dos limites do quadro. Constantes desde 2009 na série dos Tamanduás, elas demarcam o fim - literal - da pintura dentro do quadro. Ou seja, elas retiram o olhar do espectador de um estado de naturalidade, inscrevendo-o não menos nessa constatação de que o olhar também conjura sua história.

A exposição é completada por duas séries: uma de objetos, feitos a partir de vestígios do ateliê, também partícipes das mesmas inquietações das pinturas. Há desde a chaleira Goeldiberê, com a qual ele convive há décadas em seu ateliê, a outras peças nas quais também ressurgem elementos de suas obras de décadas anteriores (Vestígios acaba sendo um jogo auto-irônico com seus Vestígios da Paisagem, dos anos 1970) e a escada não deixa de trazer consigo novamente o motivo da queda do tamanduá. A outra série, de desenhos-colagens, guarda afinidade com os objetos, não só pela pronunciada presença dos recortes sobrepostos, que se acumulam como camadas geológicas, assim como novamente retornam em uma só vaga os papiers collés e os mesmos índices de obras concluídas (os recortes e estênceis) que seguem a habitar e assombrar o ateliê.

Dito com muita (talvez excessiva) liberalidade, a mostra em seu fundo pronuncia um quê de um autorretrato. Autorretrato das obras, naquilo em que todas elas nascem dessa complexa autorreflexão – não no estrito sentido do modernismo, mas sim naquele de longa ponderação sobre suas camadas - e que, ao discutirem sua própria história como um dos temas que lhes dá corpo, retornam nosso olhar àquela mão vizinha ao esplendor dourado e veneziano do tríptico, a nos fustigar acerca da imagem e da interiorização de uma história – de sua história, repito - como o primeiro gesto após o trabalho de luto.

Posted by Patricia Canetti at 2:43 PM

Débora Bolsoni – Pra Aquietar por Claudia Rodriguez-Ponga

Débora Bolsoni – Pra Aquietar

CLAUDIA RODRIGUEZ-PONGA

A noite é a brincadeira do dia
O dia é a brincadeira do mar
O mar é a brincadeira da vida
Pra aquietar, pra aquietar
Luiz Melodia

Num texto da artista intitulado “Pique estátua” em referência à brincadeira infantil também conhecida como “estátua”, Bolsoni descreve “uma cena interrompida em que os objetos, como se fossem corpos munidos de movimento, foram surpreendidos antes de chegarem a seus devidos lugares, ou ainda, antes de chegarem ao lugar para onde se dirigiam”. Enquanto isso acontece, “a artista, à espreita, numa distração medida, deixa que os materiais lhe fujam do controle para poder então surpreendê-los, fazer um corte brusco e inesperado, como que para colher uma amostra do tempo para estudo e análise.”

Na brincadeira à qual se refere Bolsoni, o movimento é tão essencial quanto a quietude. O ganhador é aquele que evita ser visto em movimento, mas que, no entanto, se movimenta (“eppur si muove” que diria Galileu num sussurro diante do tribunal da inquisição que lhe julgava). Quem antes chega é, paradoxalmente, quem mais fica quieto… quem mais se mexe é quem se mexe menos? Estas ideias podem resultar contraditórias, mas elas são recorrentes na metafísica desde antes de Aristoteles, através do qual nos tem chegado a ideia de “motor imóvel”.

O motor imóvel é, em essência, o ato puro: “o que movimenta sem ser movimentado”. Trata-se de uma espécie de deus amoral e sem nenhuma caraterística antropomorfa. O motor imóvel é a primeira causa, mas não é o criador das coisas, nem mexe nelas com um senso de causalidade dirigida. Este deus aristotélico atrai as coisas colocando-as em movimento do mesmo jeito em que o amado mobiliza ao amante; por meio de uma atração ou força. Não se trata, portanto, de uma operação de natureza mecânica, apesar do que a palavra “motor” possa evocar hoje em dia. No motor imóvel não tem potência, só ato; mas nele o ato não implica movimento. Ao contrario: o motor imóvel só pode ser a causa primeira de tudo porque não se movimenta [1].

É as obras de Bolsoni, aquelas que interrompemos com nossa entrada em cena? Para onde elas vão? O que as movimenta? E se elas não fossem para nenhum lugar? As obras insinuam trajetórias em potência, parecem aquietar-se, deter-se, congelar-se quando olhamos para elas. Mas não será o contrário? E se elas não contivessem a potência de uma trajetória? E se fossem ato puro? Eis o motivo pelo qual estas obras sempre ganham: porque elas não estão brincando do jogo que aparentam brincar. Elas já chegaram ao seu destino porque não iam para nenhum lugar. Como diz Bolsoni nesse mesmo texto que comecei citando “o corte na linha do tempo é apenas uma tática de busca de permanência. Uma tentativa de entrever, na suspensão dos atos, alguma essência inesgotável.”

Como nas paradinhas da música de Luiz Melodia que dá título à exposição, estes cortes no tempo são, na verdade, a chave de qualquer movimento, sua essência inesgotável. A força que gera movimento por força de um fluxo magnético, uma atração. Como a Ilha de Paquetá, imóvel no tempo, atraindo Sônia Braga até ela, dirigindo seus passos. Ou como a famosa “zona proibida” do filme de Tarkovsky atraindo os “stalkers” até sua, sempre indecifrável, área de influência. Não são referências da artista à toa. Ondas, cubos ou cobras deslizantes, caminhos, palavras, rodas, carrinhos… já percebemos que as obras de Bolsoni refletem sobre a natureza do movimento, mas talvez o que se mexe não são as obras e sim a gente, firme e vagarosamente orbitando ao redor delas.

1 “Com efeito, o princípio e o primeiro dos seres é imóvel tanto em si mesmo quanto acidentalmente, mas produz o movimento primeiro eterno e único. E, posto que todo movido é, necessariamente, movido por algo, o primeiro motor é necessariamente imóvel em si”: ARISTOTELES, Metafisica, livro 12.

Débora Bolsoni - Pra Aquietar, Galeria Athena Contemporânea, Rio de Janeiro, RJ - 21/07/2017 a 19/08/2017

Posted by Patricia Canetti at 11:10 AM

julho 11, 2017

O importante, minha filha, é nunca tirar a mão do barro por Maria Montero

O importante, minha filha, é nunca tirar a mão do barro

MARIA MONTERO

O Recôncavo Baiano é daqueles lugares fartos de história e mistério.

Localizado às margens do Rio Paraguaçu, é onde nasceu Caetano Veloso e Maria Bethânia.

Terra poderosa, que um dia pertenceu aos Tupinambás, conta hoje com 80,4% de população negra, afrodescendentes, fato que se percebe ao caminhar pelas ruas. As cores vibrantes, os terreiros, as rodas de samba, as brincadeiras de criança.

Foi berço do samba no ano de 1860, sua agricultura é a cana de açúcar, a mandioca e o fumo. Sim, terra fértil e úmida.

Nosso Brasil brasileiro, africano, índio. Os europeus vieram para instalar suas fábricas de charutos. Mão de obra negra. Nosso Brasil brasileiro. Sincretismo explícito.

Foi nessa aventura cultural que conheci Dona Cadú, em uma pequena vila de pescadores no distrito de Coqueiros.

Ricardina Pereira da Silva tem 97 anos e é a maior ceramista em atividade no Brasil. Sambadeira, é daquelas personalidades que transcendem nossa existência: carismática, risonha e de notória ligação com sua ancestralidade de matriz africana, além de sacerdotisa dotada de uma sabedoria de outra ordem.

Conhecer Dona Cadú foi uma experiência sem descrição, sem precedentes, inesquecível, avassaladora, causadora de enorme comoção.

Sem uso de nenhuma tecnologia, ajoelhada em seu casebre, a artista produz utensílios de cerâmica há mais de oitenta anos.

Foi em sua casa que ouvi a frase que intitula essa exposição.

Por conta de uma situação, que não caberia citar nesse texto, lhe perguntei com os olhos cheios d’água: “Como é que a senhora aguenta, Dona Cadú?”.

Ela sorriu, me olhou firme, fez uma pausa e me disse: “O importante, minha filha, é nunca tirar a mão do barro”.

Esse dizer me causou enorme impacto. Tudo estava ali. A metáfora para o fazer artístico, a origem do mundo, o trabalho, a fé. A crença no ofício e o contato com a matéria.

Quando convidada a desenvolver o projeto para essa exposição na Carbono, ao refletir sobre a noção de edição (foco do trabalho desenvolvido pela galeria), repetição e reprodutibilidade técnica, saltou em minha memória a imagem das cerâmicas empilhadas de Dona Cadú.

Convidei, então, nove artistas para desenvolverem um múltiplo que partisse não de um tema, mas dessa proposição poética.

Desconstruindo a questão da reprodutibilidade técnica discutida por Walter Benjamin, a proposta era o desenvolvimento de edições que combinasse esse duplo desafio: reproduzir, multiplicar, sem, no entanto, tirar a mão do barro.

Ou, parafraseando Manoel de Barros: “Repetir, repetir-até ficar diferente”.

Maria Montero

Artistas participantes:
Antônio Obá
Cristiano Lenhardt
Dalton Paula
Daniel Lie
Daniel Murgel
Fagus
Lais Myrrha
Rodrigo Bueno
Romain Dumesnil

O importante, minha filha, é nunca tirar a mão do barro, Galeria Carbono, São Paulo, SP - 22/05/2017 a 29/07/2017

Veja aqui as obras presentes na exposição.

Posted by Patricia Canetti at 11:10 AM

julho 6, 2017

À noite, o mundo se divide em dois por Thais Rivitti

À noite, o mundo se divide em dois

THAIS RIVITTI

À noite, o mundo se divide em dois, Ateliê 397, São Paulo, SP - 10/07/2017 a 07/08/2017

Nem à noite todos os gatos são pardos. Pelo menos não no Brasil onde são tantas e tão fortes as divisões sociais e as desigualdades de tratamento, visibilidade e direitos. Num cotidiano tão segregado, há distinções claras: vozes que comandam e vozes que seguem ignoradas. Gênero, etnia, renda, escolaridade entre inúmeras outras categorias, são determinantes das possibilidades de atuação social e a presença política dos cidadãos. A presente exposição dos artistas Raphael Escobar e Jaime Lauriano no Ateliê397 escancara essa desigualdade operante na realidade social brasileira, naturalizada em gestos, na linguagem e em atos da política institucional.

Jaime Lauriano vem construindo um trabalho artístico que se volta, a todo momento, para o campo da História. Seu processo de elaboração, embora sempre animado por uma indignação do presente – daí a pertinência em chamar seu trabalho de engajado –, ocorre por meio de pesquisas a acervos e coleções, escavações rumo ao passado (mais longínquo ou bem próximo) e coleta de dados significativos. Ele busca registros, fotografias, discursos, estudos, documentos ou notícias esquecidos ou pouco elaborados socialmente. São esses achados que nos permitem ver como a naturalização da injustiça e da violência são uma constante na História de nosso país. Suas obras apresentam um cenário ao mesmo tempo conhecido – Quem não sabe que o Brasil foi o último país a abolir a escravidão? Quem não se lembra do massacre de Pinheirinho? – mas assustador, revoltante, inaceitável.

Já Raphael Escobar tem um modo de trabalho particular: suas obras são frequentemente desdobramentos de pesquisas imersivas, longas, em determinados contextos, normalmente ligados à vida urbana, marcadamente em São Paulo. O que o artista parece buscar são esses lugares que permanecem envoltos numa invisibilidade política e social. É o caso da fundação CASA – Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente, onde o artista trabalhou quando ainda era estudante e também, mais recentemente, o caso da cracolândia, onde trabalhou numa organização do terceiro setor, em contato direto com os moradores seu modo de vida. Foi dessa última imersão do artista, de seu contato e das relações travadas na cracolândia – compreendida, é necessário ressaltar, não um espaço físico, mas como um formação social, uma coletividade, com suas relações internas, seus modos de sociabilidade específicos e os sonhos e demandas de cada indivíduo – que nascem os presentes trabalhos. Misturados à vivência, à experiência nua, os trabalhos guardam com os acontecimentos uma proximidade da ordem do documental. Condensam relatos, cenas, imagens vividas. E, em por serem assim tão rentes à realidade, nos surpreendem, pois desconstroem clichês e estereótipos. Não mostram pessoas impotentes, embora haja ali muita dor, uma dor humana com a qual podemos facilmente nos identificar. Os integrantes do Bloco da pedra – bloco de carnaval organizado pelo pessoal da Craco – sabem se divertir, compõem sambas, tomam a palavra para contar a sua história. Ocupando o disputado espaço urbano do centro da cidade, são presenças incômodas para os agentes da gentrificação. Mas, em suas idas e vindas, seguem driblando os especuladores de plantão, criando uma resistência política muito própria: sem partido, sem movimento que os represente, sem pauta unificada e sem lideranças.

É fácil perceber como Jaime e Escobar, embora tenham processos de trabalho distintos, têm uma grande afinidade no endereçamento de suas produções. Dentro da arte contemporânea, esse campo tão afeito a heróis e gênios, eles preferem revolver o dia-a-dia do comum.

Thais Rivitti

Julho de 2017

Posted by Patricia Canetti at 12:54 AM

julho 5, 2017

Analogias por Lucas Bambozzi

Analogias

LUCAS BAMBOZZI

O On_Off - Experiências em Live Image, em sua 11ª edição, apresenta uma série de duplas e parcerias audiovisuais, em 4 projetos inéditos, criados especificamente para o festival. A programação conta com duas atrações internacionais: o canadense Herman Kolgen e a polonesa Kasia Justka, em projeto conjunto com a carioca Paola Barreto, além de três duplas brasileiras.

Herman Kolgen, artista extremamente ativo há três décadas no campo do cinema expandido e das esculturas sonoras, apresenta novas versões das performances KATHODD, AFTERSHOCK e DUST, em que ruídos, ondas eletromagnéticas e disparos elétricos se somam em um retrato atual das distopias tecnológicas. Na performance SEISMIK, que encerra o festival, Herman utiliza dados sísmicos de regiões instáveis para reconstituir um universo permeado por deslizamentos tectônicos, modelagens geológicas e catástrofes derivadas por microondas e frequências eletromagnéticas, sugerindo formas de questionamento do estresse causado por transmissões e sinais que invadem a vida no planeta.

O projeto Electric Ladies and the Cooking Orchestra, desenvolvido por Kasia Justka e Paola Barreto (Dr. Fanstasma) é um acontecimento de evocação imagética que transforma o ambiente do palco em uma cozinha. Através de técnicas analógicas que amplificam sons e sinais elétricos de fogões de indução elétrica, o vapor produzido pela preparação de alimentos é utilizado como tela de projeção e a apresentação se converte em um ritual, quase xamânico, de experimentação com elementos normalmente alheios ao ambiente audiovisual. As imagens sofrem interferências de todo tipo: pelo calor gerado pelos eletrodomésticos, por distorções causadas por sinais de rádio, por evocações e analogias a fantasmagorias diversas. A orquestra das mulheres elétricas na abertura do ON OFF conta com a colaboração de Kadija de Paula e Helô Duran.

A performance Ouroboros – Buraco de Minhoca, parte de um sistema de retroalimentação de sinais de áudio e vídeo para evidenciar os chamados Buracos de Minhoca - um conceito da física quântica -, em uma trama de informações. Os “buracos”, na performance são representados por TVs de tubos de raios catódicos e as projeções acontecem em telas que se distendem e se comprimem em movimento contínuo, unindo referências inter-relacionadas e pensamentos complexos, resultado da parceria entre Bianca Turner e Astronauta Mecanico.

O “descarrilhamento da linguagem” no decorrer da vida e a atenção inata do aparelho sensório ao silêncio são os motivos dão corpo a Excuta, uma suíte audiovisual proposta por Felipe Julian e Sandra Ximenes. Em episódios que ressoam em um ambiente imersivo, "amplificado", as situações sugerem uma suposta necessidade de próteses auditivas e visuais para potencializar formas mais plenas de escuta. Nessa ambiência sinestésica, alternam-se fala e escuta, nascimento e morte, voz e ação, sonoridades e visualidades essenciais.

incertezas, projeto criado por Dudu Tsuda e Marcus Bastos, com participação especial de Camille Laurent, é uma apresentação que explora efeitos de cintilação, pós-imagem e persistência retiniana em um ensaio composto por luzes, clarões, palavras, sons e imagens em movimento. A oscilação entre alta e baixa luminosidade e contrastes nos fazem pensar na credibilidade atribuída ao que se vê, ao que escapa, ao que permanece. No limite da abstração, as imagens pulsam em fuga, e vagamente reconhecíveis, refletem as incertezas de nosso tempo presente e futuro.

Esta edição do On_Off aposta, mais do que nunca, na experiência gerada entre colaborações, algumas inesperadas, outras reincidentes, mas que se reafirmam como campo de pesquisa e prática de outros cinemas, outras cenas possíveis, outras condições para se vivenciar em uma sala de exibições.

Em comum, os projetos buscam no universo audiovisual aquilo que escapa ao digital: a presença quase física de ruídos, campos eletromagnéticos, modulações eletrônicas, o estranhamento da forma, a (des)coberta da visualidade em estado bruto, as tensões e variações de sinal, que no limite, são também tensões de vida: dúvidas, incertezas, angústias, fenômenos físicos da ciência, dos campos de invisibilidade, da suposta normalidade e até da paranormalidade. Diz-se que o mundo era mais simples antes de tanta tecnologia ao nosso redor. Haveria volta?

[Lucas Bambozzi é artista e pesquisador de meios que oscilam entre o digital e o analógico. Fez "vídeo ao vivo" e transmissões simultâneas no final dos anos 80 e hoje faz um pouco de cinema, videoarte, instalações e outros formatos de arte considerados instáveis e talvez em vias de desaparecerem. ]

Posted by Patricia Canetti at 4:53 PM

julho 3, 2017

Um rothko de parede e um caramujo de ângulos retos por Juliana Gontijo

Um rothko de parede e um caramujo de ângulos retos

JULIANA GONTIJO

Sinto brotar da minha rude lira O tosco verso do cantor selvagem.
Patativa do Assaré


(…) frequentemente o chão se dobra de tal maneira que uma parte sobe em ângulo reto com o plano do chão, e logo a parte seguinte se coloca paralela a esse plano.

Júlio Cortázar

Primeiro canto do universo que povoa nossa memória, a casa como imagem poética é a unidade funcional de uma topografia da intimidade. O espaço que foi um dia habitado congrega, nas ruínas da imaginação e da lembrança, a proteção, a solidão, o sonho e o devaneio de um passado sem descrição possível e, ainda assim, indelével.

Pintura de Parede e Elemento Vazado é uma topografia do delírio. Nela, Daniel Murgel torna as formas de habitar o espaço uma prática de reter e comprimir o tempo. Essa é a função própria do espaço, já que a memória não registra as durações concretas. “É no espaço que encontramos os belos fósseis de duração concretizados por longas permanências. O inconsciente permanece nos locais”, escreve Gaston Bachelard. O espaço se traduz, aqui, numa imagem da imensidão íntima, num devaneio de habitar lugares inabitáveis.

Como parte de um envolvimento simbiótico, uma escada se encolhe sobre uma mesa e uma mesa dá suporte a uma escada. Constroem juntas um refúgio, um espaço íntimo de solidão e defesa, um esconderijo com valor de concha de geometria violentamente deformada. Nessa marcenaria poética, as funções ordinárias de mesa e de escada são abolidas para se atribuir a função do irreal, produto direto da imaginação, que nos desperta dos automatismos cotidianos e, simultaneamente, nos remete a uma imagem primordial com a qual, imediatamente, nos conectamos. Essa escada para andar em círculos anula, igualmente, os estratos verticais de uma casa: é possível, então, chegar a lugar nenhum.

Uma mistura barata de cal, água e pigmento é aplicada na parede da galeria em múltiplas camadas de tons pastéis, como nas velhas casas dos vilarejos do interior. A parede pulsa na aparência lavada e translúcida resultante da sobreposição desigual de uma solução muito aguada. “Um Rothko de parede deve ser feito levando em conta o erro”, diz Murgel. E, portanto, o erro e a intencionalidade poética se confundem na composição que lembra os imensos campos de cor do pintor modernista Mark Rothko. Seguindo um tosco feitio artesanal, as grandes telas são transpostas à parede e a pintura a óleo volta ao cal dos antigos afrescos para envolver o corpo inteiro dos seres e das coisas e se comunicar com a intimidade de seus espaços conhecidos.

Nesse diálogo com o mobiliário e com a tradição da pintura, a arte popular e a erudita se encontram num barroco tímido e sintético, porém superdimensionado, que expõe a forma usual de construir espaços, memórias e histórias. Essa referência barroca, numa época atribulada e cética, chega distorcendo dramaticamente as formas conhecidas do real em efeitos forçados e violentos, em que o equilíbrio é o simulacro de uma falsa estabilidade. Frequentemente, o chão se dobra com uma façanha inesperada e a parede vibra, penosamente trêmula, sobrecarregada de tempo e silêncio.

Daniel Murgel - Pintura de parede e elemento vazio, Portas Vilaseca Galeria, Rio de Janeiro, RJ - 06/07/2017 a 12/08/2017

Posted by Patricia Canetti at 5:38 PM