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dezembro 13, 2016
...de propriedades quase musicais, no espaço em que se movem os viventes por Ana Muglia
...de propriedades quase musicais, no espaço em que se movem os viventes
Paul Valéry
O presente projeto visa apresentar a exposição intitulada “...de propriedades quase musicais, no espaço em que se movem os viventes”. Trata-se de uma mostra de pintura em madeira em grandes formatos, série de desenhos sobre tela crua em pequenos formatos, algumas folhas do Caderno da Artista sobre suporte de madeira e base de concreto, e um vídeo cujo foco é trabalhar as semelhanças visuais e rítmicas entre o espaço da construção arquitetônica e o da estrutura musical. O campo de pesquisa do trabalho aqui proposto se baseia nas idéias do poeta e filósofo Paul Valéry em sua obra Eupalinos ou O Arquiteto, por considerar que há uma união entre coisas tão diferentes como um canteiro de obras e a música.
Para desenvolver este trabalho executo a pintura sobre chapas de madeira recortadas no sentido vertical no formato que se assemelha a tapumes e sobre elas marco o espaço com ripas no sentido horizontal ou vertical. Entre uma chapa e outra há pequenas frestas, um vazio onde o olho pode descansar _ uma pausa. Associo visualmente ripas a pautas que marcam o espaço, o silêncio das pausas, as frestas como passagem do som e do ar, além da visibilidade da parede que o quadro superpõe.
A série “Não faço outra coisa” iniciada em 2008 desenvolve-se em tempo lento seguindo a trajetória do espaço- tempo da pintura, estrutura repetitiva com algumas variações, o uso de coisas reais que estão por perto para criar algo. O título refere-se a uma famosa frase de John Cage “Arte é uma reclamação ou faça outra coisa”, uma influência resultada da leitura sobre as suas experiências poéticas.
O vídeo “Além da Superfície” captura imagens fragmentadas do interior de um piano, mostra sua estrutura e o movimento das peças interceptadas pelo movimento simultâneo dos bate-estacas captadas de canteiros de obras, com destaque ao ritmo juntamente com as batidas dos martelos do piano.
A ideia do “Caderno da Artista” surge do desejo de construir o desenho no formato que se assemelhe a uma partitura musical sem, no entanto, objetivar uma notação, mas apenas estruturas associadas à memória dos meus próprios cadernos pautados usados por ocasião dos meus estudos de piano clássico.
Os trabalhos acima descritos nascem do desejo de mostrar, de modo poético, estruturas que envolvem o espaço de um canteiro de obras e o espaço que constrói o som que ouvimos emitidos do piano: as semelhanças em seus ritmos, espaços de silêncio e os estados de inacabamento dos canteiros e o tempo anterior ao produto final revestido.
A madeira se integra à pintura e torna-se pintura também, rompe com os limites entre uma e outra. Procuro dar visibilidade a detalhes que comumente ficariam invisíveis, de modo que o movimento do fazer possa ser acompanhado pelo olho do espectador através dos rastros deixados pelos arranhões, cortes irregulares, erros aceitos, quase como rascunhos de um projeto em construção. Deixo marcas de decisões no momento da criação que posteriormente são trocadas _ apenas estruturas.
Ana Muglia
Junho, 2016
Passagens // Transferências por Fernanda Pequeno
Passagens // Transferências
FERNANDA PEQUENO
Passagens // Transferências marca a empreitada de Alexandre Sá de estabelecimento de pontes com o espectador. Embora grosso modo toda obra de arte proponha esse elo, no presente caso, o artista salienta diálogos perceptivos e afetivos entre os trabalhos expostos e o público, utilizando-se de palavras e imagens, vocabulário com o qual vem trabalhando a quatorze anos em vídeos, performances, objetos e instalações.
A presença discursiva é marcante, mas Passagens e transferências enfatizam a deambulação e o fragmento, em detrimento da narrativa, estimulando o observador a fixar-se em alguns desses fios soltos que compõem a mostra. Com a forte presença de extratos de textos de autores que vão de Ovídio a Georges Bataille, estes funcionam como pistas de acesso a experiências demoradas, que convocam o visitante para conversas cúmplices.
A criação de ambientes imersivos proporciona, assim, pausas e desacelerações, onde o observador é convidado a flanar pela mostra, ao invés de melancólica e simplesmente constatar sua incapacidade de apreendê-la em totalidade. Os vídeos que dão título à exposição, em sua longa duração, assim como as projeções de luz sem imagens, tornam-se, então, chaves para silêncios sonoros e visuais, experiências de identificação que podem proporcionar vínculos profícuos, desde que o espectador esteja disponível para aderências e atravessamentos mútuos,que têm se tornado cada vez mais raros.
Fernanda Pequeno
Curadora
Dezembro de 2016
dezembro 11, 2016
Os cinco lados da moeda por Katia Maciel
Os cinco lados da moeda
KATIA MACIEL
1
Cunha, cunhado. O parentesco da palavra se resolve do outro lado da moeda. Temer, Temeritatem. Dois lados de uma só moeda, a moeda do golpe no Brasil. Fazer girar cara ou coroa não diferencia o resultado extremo de um sistema de trocas que levou a fragata ao naufrágio. Cabe a nós recolher as moedas como pistas de uma história ainda por vir.
2
Piratas alcançam no fundo da costa brasileira tonéis e baús. Abertos a paus e pedras olhos saltam com o brilho embaralhado das moedas. Entre ouro e prata contornos de dois rostos perdidos, muito próximos entre si, assombram a imaginação daqueles famintos por riquezas. Presas as mãos de renomado pirata as moedas se espalham na leitura da maldição - Temiritatem, conhecida por ter dado fim e cabo a um paraíso agora perdido chamado Brasil.
3
Irreal não é o outro lado do Real. Aqui na Terra Brasilis foram fundidos com diferentes metais. De Ouro Preto a Brasília conspiram as arquiteturas entre a perspectiva do ideal da usura para os outros e da fartura para os encantados pelas variações do metal. Entre eles dois mestres ourives cunharam Temeritatem como prova de que o irreal é mesmo real.
4
Dizem que o real é sempre pela metade e ao meio. Por isto a moeda possui dois lados, para que haja lugar para a decisão e o acaso. Lançadas ao ar giram entre duas possibilidades antes do contato iminente com a mão ou com a terra, ou aonde quer que caiam. Por sorte avessa podem cair de pé como presa no canto da mão, na terra ou aonde quer que caiam, aí não vemos os lados. O mesmo acontece com as moedas que por acaso tenham dois lados diferentes, mas iguais.
5
Dizem que o barqueiro cobra uma moeda para a entrada no outro mundo. Entre as flutuações do mercado e as artimanhas dos piratas brasilis aqui foi criada uma moeda que não é deste mundo.
André Parente lança a moeda de "1 Irreal" no Rio de Janeiro e em São Paulo