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julho 28, 2016

O que Vem com a Aurora por Bernardo Mosqueira

O que Vem com a Aurora

BERNARDO MOSQUEIRA

(ao meu amor)

Atualmente, a realidade se apresenta de forma tão assustadora que é fundamental que nosso compromisso ético maior seja com a transformação das bases obscenamente esgotadas de nossa sociedade. Esse é também o momento da história da humanidade em que as informações sobre o mundo são mais abundantes e acessíveis: um tempo em que se posicionar contra aquilo do que se discorda se tornou o procedimento relacional fundamental da cultura. Quanto mais eficazes e sedutoras as estratégias de oposição e, sobretudo, de destruição do outro e de suas ideias, mais alto é seu lugar de poder na sociedade. Porém, há aí um problema grave. A oposição ou a crítica não podem ser entendidas como finalidades em si, e, assim como ainda perdemos corpos maravilhosos para a guerra, muitos dos nossos melhores pensadores estão dedicados exclusivamente a processos discursivos de crítica e desconstrução, que resultam mais em terra arrasada e um lugar de poder construído do que em qualquer elaboração ou colaboração para construção do mundo que se deseja.

Fomos treinados mais para o combate do que para o encontro, mais para nos posicionarmos diante de questões existentes do que para criar novos problemas e formas. As discussões que se movem apenas de um polo discordante ao outro, como um pêndulo, não mudam nenhum eixo de lugar. É preciso complexificar nossos encontros, e a liberdade está verdadeiramente mais ligada à criação do que a reação. o que vem com a aurora é, portanto, um elogio à transgressão criativa capaz de afirmar novas éticas que enriqueçam nossa existência coletiva com formas originais de estar no mundo. Ainda mais importante do que as transgressões acontecerem nos trabalhos de arte é que elas possam acontecer por meio ou a partir desses trabalhos.

Se nossa atualidade é de fato assustadora, é certo que dela podem surgir a matéria e os instrumentos para uma transformação radical da realidade. O humano produz os objetos, imagens, textos e situações que lhe cercam exatamente para que esses possam falar conosco. Se necessitamos de imagens, fantasias, ideias ou desejos para dar sentido a nossos movimentos e se é fundamental uma transformação radical de ordem coletiva e de escala global, precisamos desenvolver maneiras de compartilhar a representação de outro mundo ficcional e possível. Só assim podemos nos mover juntos em direção a ele. Toda solução nasce como ficção, e nós mesmos somos consequências da imaginação, dos desejos e das lutas de nossos antepassados.

Os trabalhos que compõem essa mostra não se realizam como críticas. Ao contrário, nos apresentam materiais e instrumentos que nos auxiliam a negar a imutabilidade dos princípios em nome da fundação de algo que ainda está por vir. Estamos numa era marcada pela imprevisibilidade e pelas constantes e intensas transformações e que é composta também por forças conservadoras. A reunião desses trabalhos tem a intenção de vitalizar e fortalecer aqueles que constroem o caminho para o futuro de forma transgressora, libertária e expansiva. É um conjunto muito diverso de artistas e trabalhos que se relacionam com epistemologias não-hegemônicas desde as margens, que constroem terreno fértil para exercitar mais a inventividade do espírito do que as análises da razão, que, em meio à grande crise da empatia, criam e disseminam formas de sensibilização primordiais para negociar os desejos de maneiras não-perversas.

Aurora é o fenômeno natural luminoso que antecede a chegada do Sol ao horizonte. Entre as divindades da mitologia romana, Aurora era definida pela condição de eternamente apaixonada. É a mãe do Sul, além dos outros 3 ventos. É um movimento.

Posted by Patricia Canetti at 7:48 PM

julho 25, 2016

Sobre o silêncio das coisas por Felipe Scovino

Sobre o silêncio das coisas

FELIPE SCOVINO

Estela Sokol - Naturezas Mortas, Anita Schwartz Galeria de Arte, Rio de Janeiro, RJ - 28/07/2016 a 27/08/2016

Ao tomar contato com o trabalho de Estela Sokol o que mais me salta aos olhos é a sua capacidade de reter uma potência expressiva de suavidade, delicadeza e silêncio. Transitando pelo universo de Agnes Martin, Morandi, Robert Ryman, Rothko, Volpi, dentre tantos outros artistas e poéticas que criam um universo expansivo de ideias e sentimentos anti-espetaculares a partir de uma economia de gestos, a obra de Estela revela uma transparência do corpo aparentemente sólido da pintura e da escultura. Suas pinturinhas – que carinhosamente ela as nomeia assim, no diminutivo, porém aumentando para mim essa característica da delicadeza – revelam um caráter artesanal na sua manufatura. Sendo ora envelopadas por lâminas de PVC e/ou PV, e em outros momentos tendo esses mesmos materiais recortados e seus feixes distribuídos – colocados de forma justaposta ou sobrepostos – pelo chassi, as pinturas revelam duas circunstâncias importantes e que se confundem em certa medida: a primeira é uma instância do que poderíamos chamar de superfície vibrátil ou em expansão, isto é, a partir da escolha do material e da disposição geométrica realizada, a cor tende a impulsionar o plano em direção ao espaço. Numa ilusão óptica, vários planos são construídos de forma a colocar as nossas certezas sobre o que está diante de nós em dúvida. A translucidez é que condiciona esse aspecto. A pintura ganha uma dimensão infinita, deslocando-se constantemente em direção ao espaço. O segundo ponto é a forma como opera as diferentes tonalidades de uma mesma cor. Seus monocromos se diferem daquilo que acostumamos a defini-los, porque eles não prezam pela unicidade da cor mas justamente pelo caráter de gerar uma quantidade considerável de diferenças cromáticas. A sutileza dessas diferenças; a cor em constante mutação; o instante em que a cor, através da operação meticulosa de escolha e dispersão das lâminas de PVC sobre o chassi, se propaga em luz ganhando uma dimensão corpórea; a escolha do material que permite perceber que a pintura explora características íntimas da escultura como densidade, volume e verticalidade (vide certos objetos ou linhas contidos nas pinturas que indicam essa imagem) além de texturas; e, o caráter poroso dessas formas compõem uma rede repleta de símbolos e afetos para as pinturas de Estela.

Como escrevi, a sua pintura se faz valer de atributos escultóricos, mas essa regra também se faz na outra direção. Suas esculturas tornam aparentes uma geometria torta que tende à falência. Elas são desorganizadas, inseguras, estão prestes a tombar, mas, e justamente por isso, são humanas. Essas qualidades estão em todos os artistas citados no início do texto, mas também em Torres-Garcia, nas organizações iniciais e ligeiramente construtivas de Iberê Camargo – que deixo claro nunca se filiou a essa tendência - e em muitos outros pintores que colocaram a geometria como uma instância do sensível ligada à imagem de perda ou desestabilidade. O tamanho, na maioria das vezes, diminuto desses trabalhos não só revela a delicadeza mas o compromisso de intimidade entre obra e espectador. Confundem-se com os objetos do cotidiano, sem perder a aura de obra de arte, porque também são coisas do mundo: podem ser facilmente deslocadas, colocadas na palma da mão. São esculturas que nos avisam sobre as dualidades do mundo sem que avancemos para o confronto, como geralmente o mundo lida ao reconhecer o outro como diferente. Afirmo isso a respeito do trabalho de Estela porque invariavelmente a escolha dos materiais reflete esse caráter antagônico entre eles. Temos um material leve convivendo com um pesado, um opaco com um translúcido, um flexível com um rígido, um mole com um que dificilmente exerce uma flexibilidade. Esse exercício de reconhecimento e convívio em suas esculturas não é pouca coisa e cria um diálogo frutífero e condensado sobre uma utopia ou desejo de mundo.

Em White Heat, temos a pintura que finalmente tomba e adere ao mundo ou a escultura que desaba sobre o chão e passa a ser horizontalizada. Mudamos, enquanto espectador, a nossa perspectiva. Passamos a olhar para baixo, vislumbrar e identificar os pormenores ou detalhes que habitam o espaço embaixo do nosso pescoço. Ocupando grande parte do térreo da galeria, a instalação também é uma metáfora sobre o tempo. Como assinala a artista, à medida que a exposição avança, alguns dos materiais – especialmente a espuma – estarão expostos à luz e mudarão de cor. O amarelecimento do material provocará um novo e intermitente desenho no espaço. Essa instância fenomenológica de percebermos a obra como corpo motivada não por aspectos morfológicos mas filosóficos já possui uma certa tradição na arte brasileira (faço lembrar um exemplo icônico que são as esculturas de Amilcar de Castro e as marcas de tempo que se tornam presentes via a oxidação de suas peças e que fazem parte do seu campo conceitual de trabalho), e Estela inteligentemente a resgata e a requalifica. Trazendo características da pintura e da escultura, embaralhando-as e, para além disso parecer apenas uma proposta ligada aos cânones da modernidade, ela avança e propõe a obra como um corpo, vivo, orgânico e dinâmico. A obra é dessacralizada, torna-se mundana e, traz, assim como as esculturas em formato menor, o convívio com o antagonismo, a diferença. Estão lá, lado a lado, a espuma mole e o mármore, a parafina e o tecido. O silêncio que paira sobre a sala nos possibilita identificar, compreender e estabelecer o convívio harmônico que é celebrado entre estas supostas diferenças e a passagem do tempo como o índice de corpo e diálogo, metafórico, claro, com a vida.

Posted by Patricia Canetti at 9:28 PM

julho 17, 2016

Entrevista de Iole de Freitas a Marc Pottier

Marc: Cara Iole, estamos preparando esta exposição que vai acontecer no mês de maio, na Galeria Roberto Alban, em Salvador, na Bahia. Você vai apresentar dois momentos do seu trabalho, que vamos descobrir juntos: uma primeira parte são obras realizadas paralelamente à exposição que você apresentou no ano passado e no início desse ano no MAM, no Rio de Janeiro, e que refletem uma nova direção em seu trabalho. E, você vai também mostrar algumas obras do inicio dos anos 1990. Vamos ver juntos por que você escolheu esses trabalhos em particular. Mas antes de tudo isso, gostaria realmente de ver com você por que essa palavra “dança” surge tantas vezes quando estamos lendo os textos sobre seu trabalho. Você poderia dizer algumas palavras sobre dança e movimento em sua obra?

Iole: Quando leio textos críticos escritos desde os anos 70 sobre o meu trabalho, percebo a frequente abordagem do pensamento crítico sobre a importância da minha experiência anterior da dança na minha obra. De fato a ideia de movimento está impregnada tanto nas sequências fotográficas feitas a partir de fotogramas dos filmes Super 8 e 16 mm, nos anos 70, como nas grandes instalações realizadas em 2000 no Centro de Arte Hélio Oiticica, na Documenta de Kassel em 2007 e no MAM Rio em 2015/16. Ela percorre diversos e contínuos momentos da minha linguagem até hoje. O que se observa é a presença de um movimento contínuo de expansão e retração, que se alternam numa dinâmica estética que se instala no espaço fundado pela obra ao ocupar locais institucionais e públicos, atritando, renteando ou atravessando a arquitetura do lugar e sua paisagem urbana. Isto ocorreu no Centro Cultural H.O., com a obra se instalando dentro e fora, ocupando os três andares do prédio, projetando-se no ar, na rua, impregnando a obra de uma velocidade subjacente e imanente, percorrendo e chicoteando o espaço dado, estendendo-o a cinco metros de distância da fachada e a oito metros de altura. Desnorteando, assim, nossa noção anterior da natureza espacial daquele lugar. As tensões entre equilíbrio, peso e flutuação que o trabalho instaura se refletem no caminhar tentativo e tênue do espectador, inaugurando uma experiência outra para quem se desloca naquele espaço. A consciência do próprio peso, de seu prumo e velocidade se operam conjugadas ao seu olhar que absorve a obra, o entorno e a si mesmo refletido nas chapas de aço ou policarbonato. Esta experiência ocorrida também na Documenta de Kassel, na Fundação Iberê Camargo e na Pinacoteca de São Paulo se ativa e radicaliza no MAM Rio de Janeiro, defronte o peso real de toneladas de aço em sobrevôo, tornadas linguagem plástica. O que é pesado se torna leve ao olhar. Então pode ser que, ao enfrentar o desafio de uma nova tomada de consciência do corpo invadindo um espaço, ambos – corpo escultórico e do espectador – criem uma simbiose que remete a determinados exercícios que a dança promove. Talvez aí a reverberação da dança na minha obra. O corpo da obra interage com o espectador. O trabalho transcende a si próprio e se expande no campo social, ativando-o. Os materiais e as tecnologias aplicadas atendem à impregnação poética de cada trabalho. Variam. Mas a investigação plástica se perpetua. Resiste, recomeça e se renova. O que importa é que esta consciência mais radical de corpo e espaço se tornou linguagem estética, constituindo o que se nomeia o corpo da obra.

Marc: Iole, fizemos uma viagem totalmente incrível, com todas essas obras que você mencionou no Centro Hélio Oiticica, no MAM Rio, bem como em outros lugares. Mas tenho a impressão que essa exposição no MAM, "O peso de cada um", foi bastante importante para você, e que quando você escolheu as obras para mostrar na galeria do Roberto Alban, a memória do processo de criação dessa exposição no Museu estava muito presente em você. Você poderia falar disso para nós?

Iole: Toda vez em que um artista projeta e realiza uma exposição de grande intensidade criativa e enorme dispêndio de energia psíquica inovadora sabemos que nela estarão presentes inúmeras conquistas plásticas que se deram em trabalhos anteriores. Isto se dará de maneira mais ou menos eloquente dependendo do trabalho em foco. A potência da linguagem expressa em uma recente organização plástica contém e radicaliza suas questões. As empurra para frente, acelera sua fala e desvenda aquilo que antes desconhecia. Reconhece o quanto não sabia sobre elas e desafiando-se, retira de cada uma delas uma nova e instigante presença poética. Leva-as a um outro patamar expressivo. Inscreve-as em outro sistema construtivo. E rompe os seus próprios limites. Na exposição "O peso de cada um", no MAM Rio, isto ocorreu de maneira muito intensa. Enquanto o raciocínio plástico se desdobrava e se agudizava na elaboração do projeto para o Museu, paralelamente pensamentos plásticos coerentes com a natureza da linguagem se articulavam em desenhos, maquetes e em obras de escala diferenciada, mas de igual vigor, que impulsionavam o processo, acelerando o descortinar de novas poéticas. Estas obras estarão expostas na Galeria Roberto Alban. Revelando sutilezas do sistema instalado no MAM, elas são anotações poéticas, estruturais daquele pensar. Resultam das articulações mentais, estéticas lá tratadas e que não se exaurem.

Marc: Iole, além das obras mais recentes que você esta trazendo para exposição do Roberto Alban, a sua ideia era também mostrar trabalhos mais históricos. Gostaria que você explicasse um pouquinho por que você escolheu estes trabalhos dos anos 1990, que você chama de “barrocos”. Também li um texto do Rodrigo Naves, falando desse momento da sua obra, dizendo que “Bernini terça armas com Tatlin, e que Aleijadinho sorri fraternalmente para Sérgio Camargo” ¹. Você poderia falar um pouco sobre isto?

Iole: Este trecho é parte do excelente texto do Rodrigo Naves sobre meu trabalho "Entre Lugar e Passagem", datado de 1994, e que permanece extremamente atual. É um dos textos que mais me emociona pela sutileza e acerto das reflexões trazidas numa escrita fluente e sonora. A certo ponto quando ele diz: "Bernini terça armas com Tatlin; Aleijadinho sorri fraternalmente para Sergio Camargo", ele se refere no meu trabalho a forte integração de um pensamento construtivo com um sentimento barroco por excelência. Esta vontade barroca permeia o sistema estrutural da obra e provoca o transbordamento das formas, como ocorre na obra instalada permanentemente na escadaria do Paço Imperial no Rio de Janeiro. Ao almejar um movimento ascensional que direciona a vontade plástica para o alto, e ao construir uma verticalidade ansiada, verga abruptamente os seus volumes vazados que quase tombam ao solo ao peso dos metais reluzentes que os constitui como na obra da Capela do Morumbi, em São Paulo. Esta ocorrência barroca que surge nas obras dos anos 90 é o que eu gostaria de dar a ver nesta exposição em contraponto ao pensamento assertivo e agudo das obras realizadas em aço.

Posted by Patricia Canetti at 5:59 PM

Histórias Curtas por Laura Belém

Histórias Curtas

LAURA BELÉM

Se eu pudesse resumir em uma frase o assunto da exposição Histórias curtas, diria que se trata da vida, da morte, e novamente da vida. A mostra traz uma série de esculturas e uma série de colagens, ambas inéditas. A inspiração para os trabalhos surgiu, num primeiro momento, através do meu contato com o centro comercial Cassino Atlântico, que comercializa antiguidades e também abriga a Galeria Athena Contemporânea. A intenção era criar um diálogo entre o ambiente do centro comercial e da galeria de arte. As esculturas da série “Histórias curtas (Natureza morta)” surgiram tanto da observação do Cassino Atlântico, quanto do meu contato com o ofício de peças utilitárias de pedra sabão no interior de Minas Gerais.

Ao visitar uma das tradicionais oficinas de pedra sabão nas proximidades de Ouro Preto (MG), encontrei várias peças utilitárias que haviam sido descartadas pelos artesãos, por estarem inacabadas, quebradas ou por apresentarem algum defeito de fabricação. O local era uma oficina de torno de pedra sabão. As peças inutilizadas estavam depositadas num canto da oficina e, por estarem ali há muito tempo, estavam totalmente cobertas com o pó da própria pedra sabão, o que lhes agregava uma camada temporal. Algumas permaneciam maciças – uma tigela sem a cavidade escavada; outras sem a base que lhes permite ser um recipiente– como no caso de uma garrafa sem o fundo. Interessou-me o potencial escultórico dessas peças que ‘deram errado’, que não serviram ao seu propósito funcional. E isso deu início a um processo de resgate desses utilitários descartados, tanto nessa oficina como em outras da região.

O que restava dos utilitários desprovidos de função era uma nova forma e um traço do processo de transformação da pedra bruta, da criação e do fazer do artesão. Antes da minha visita, algumas dessas peças estavam sendo separadas para serem destruídas e transformadas em talco, dando seqüência ao ciclo da vida. Outras já haviam sido descartadas nos terrenos ao redor das oficinas, misturando-se à terra. Meu interesse nessas peças como esculturas iam, portanto, além do seu potencial formal para incorporar o acaso, a falha, e a atuação do tempo – elas se tornavam relíquias do processo. Ao resgate e à escolha das peças, seguiu-se um procedimento de cobertura e fixação do pó de pedra sabão nas ‘recém-encontradas esculturas’, como que para eternizar o acaso e a ação do tempo, e também para revelar a matéria-prima crua na qual as peças se transformariam, se fossem destruídas. A última etapa foi a formação dos conjuntos das peças, agregadas pela função, semelhança, ou potencial significativo. Assim nasceu “Histórias curtas (Natureza morta)”.

A outra série de trabalhos da exposição, “Tapeçaria (Big Bang)”, resulta mais diretamente do meu contato com o Cassino Atlântico e em particular com a feira que ocorre ali aos sábados, quando são dispostos longos tapetes pelos corredores e andares do centro comercial, transformando toda a sua percepção. Tais tapetes ficam ali para serem comercializados e muitos deles são persas, apresentando motivos florais ou da fauna. “Tapeçaria (Big Bang)” resulta de uma série de fotografias de detalhes desses tapetes, que foram impressas em papel de arroz e em seguida rasgadas à mão, para se transformarem em novas composições de colagens sobre papel. Movimento, contração e expansão, estão ali presentes, e isso é enfatizado pelo título, assim como a ideia da criação. Na cosmologia, Big Bang se refere à rápida expansão da matéria que deu origem ao universo. O fim e o começo conectados, o fragmento e o todo, o ciclo do tempo, a transformação, o dia-a-dia alterado – essas são algumas das ideias por trás da exposição.

Laura Belém, 4 de julho de 2016.

Posted by Patricia Canetti at 5:09 PM

julho 5, 2016

Corpo impulso por João Paulo Quintella

Corpo impulso

JOÃO PAULO QUINTELLA

Do que se ouve de passagem nos bares, nas praias e nas ruas guardamos o ruído. Os fragmentos de falas não acumulam sentidos. A instalação Errância, de Floriano Romano, busca, em percursos cotidianos da cidade, produzir uma fabulação narrativa a partir da edição e intervenção em frases capturadas ao acaso. Um modo de assemblage sonora construída por um sistema de captura montado em um corpo anônimo, aquele do passante que circula pela cidade.

Corpos microfonados em uma caminhada errante por bares de bairros diferentes do Rio de Janeiro constroem uma teia de histórias reproduzidas em descompasso com o documental, uma vez que não identificamos suas origens. Errância é sobre a valorização do ensaio sonoro no fio das nossas percepções e afetos.

É a dedução da matéria em favor da experiência de aproximação e escuta aquela que Romano parece procurar. Os falantes dispostos na Sala A Contemporânea do CCBB são corpos derivados de uma inclinação afetiva. A instalação instaura o acontecimento e encontramos o que se diz carregado pelo deslocamento errante do artista.

O afeto não é apenas uma manifestação física mas uma equação expandida, capaz de absorver fatores externos ao próprio corpo e pensá-lo como parte de um entorno em mutação permanente. Neste mundo em concomitância, onde as variações fazem todas partes de um mesmo todo, torna-se fundamental desierarquizar. A nuvem sonora é esse lugar de valoração e ao mesmo tempo dispersão do sujeito. Quando o corpo é impulso o afeto vira acontecimento. É onde Floriano nos inclui.

Posted by Patricia Canetti at 3:53 PM

julho 4, 2016

O método e a métrica por Marcus de Lontra Costa

O método e a métrica

MARCUS DE LONTRA COSTA

Carlos Scliar - Da reflexão à criação, Caixa Cultural - Unidade Barroso, Rio de Janeiro, RJ - 06/07/2016 a 21/08/2016

Ao longo de seis décadas de produção ininterrupta e abundante, Carlos Scliar nos legou um extraordinário patrimônio cultural composto por suas gravuras, desenhos e pinturas. Nenhum outro artista, talvez, sintetize de maneira mais evidente os desafios, os desejos e os dilemas da ação e da estratégia modernista no Brasil.

Filho de imigrantes, homem da fronteira, desde cedo o nacionalismo foi o elemento que estruturou a identidade de Carlos Scliar. A sua sólida formação cultural e sua precoce sintonia com os anseios e as expectativas do mundo surgido após a revolução socialista de 1917, garantiram ao jovem Scliar destaque na imprensa e na vida intelectual da capital gaúcha. Diferentemente dos artistas brasileiros que tinham na França a sua referência e, muitas vezes, o seu espelho, Scliar compreendeu o espaço de construção artística moderna por meio dos filmes e gravuras expressionistas alemães. Toda a sua trajetória artística teve como origem a sua sensibilidade gráfica: clareza de composição, disciplina no processo artesanal e síntese de mensagem que faz de cada obra um meio de comunicação direta e efetiva com o seu público.

Carlos Scliar é o artista do método e da métrica. A linha é o elemento que organiza a sua aventura artística; a partir dela, de seus vetores, ele constrói formas, acrescenta cores, desenvolve a sua poética particular. Para ele, o Brasil é assunto permanente: em busca das névoas do passado encontrou-as (e se encontrou) entre as montanhas. Gaúcho, acabou por se tornar o mais mineiro de nossos artistas. Em busca da luxúria tropical, encontrou nos barcos e nas marinhas de Cabo Frio a placidez e a luminosidade que perseguia. Soube entender, como poucos, a sutil relação entre a invenção e a permanência. Soube resistir à tentação da novidade e permanecer fiel e coerente ao seu ideal de vida e de mundo. Cabe-lhe perfeitamente a máxima de Drummond: “Mais do que moderno, quero ser eterno”.

A exposição “Carlos Scliar: da reflexão à criação” permite ao público carioca reencontrar-se com obras de um dos grandes mestres da arte brasileira. O trabalho curatorial consistiu na difícil tarefa de selecionar imagens, na vasta iconografia de Carlos Scliar, que sintetizassem a sua trajetória profissional, regida por um intenso espirito humanista em sua busca de harmonizar as criações da natureza e as criações do ser humano. Por isso, flores, vegetais e frutas são expostos de maneira harmônica com uma metalurgia inicial, bules, lamparinas, frascos e lampiões. O barroco brasileiro foi constantemente visitado por Scliar numa atmosfera de concórdia e clareza gráfica.

Homem do seu tempo Scliar participou intensamente da vida nacional e viveu e conviveu com os grandes desafios da arte moderna no Brasil e no mundo. Nos anos 50, impôs-se a disciplina do desenho e da gravura, caminhando corajoso na contra maré dos movimentos abstratos. A partir dos anos 60 definiu os objetos de sua construção artística. O espaço cubista, a clareza da composição, a articulação cromática sofisticada entre os elementos pictóricos são por vezes definidos por formas geométricas, por recursos gráficos oriundos da pop-art e também por movimentos de matéria e cor que encontram identificação com os grandes mestres impressionistas do século XIX. Assim, a pintura de Scliar busca referencias na história da arte para construir uma obra poética e sensível que reflete a capacidade brasileira de se apropriar de informações variadas, várias épocas, várias etnias, várias culturas, e com isso construir uma identidade própria original e provocadora. O reencontro, portanto, com as obras desse grande mestre brasileiro, é também a identificação com imagens que formam o nosso olhar, a nossa maneira de ver, sentir e interpretar o mundo. Neste momento marcante para a vida nacional e em especial para cidade do Rio de Janeiro - que Carlos Scliar tanto amou - é motivo de satisfação e orgulho podermos apresentar ao publico que nos visita por ocasião dos Jogos Olímpicos, uma trajetória artística que reflete e representa o que temos de mais verdadeiro.

Posted by Patricia Canetti at 3:12 PM