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maio 30, 2016
Morfologias, da linha ao movimento por Andrés Hernández
Morfologias, da linha ao movimento
ANDRÉS HERNÁNDEZ
Newman Schutze - Morfologias, Galeria Eduardo Fernandes, São Paulo, SP - 01/06/2016 a 16/07/2016
Quando acompanhamos o andamento de um julgamento, daqueles que não podem ser filmados ou fotografados, chegam-nos aquelas cenas de imagens de desenhos da sequência, ou possível sequência, do processo.
São grandes os mestres do cinema, como Robert Joseph Flaherty (1884-1951, EUA) e Sergei Urusevsky (1908-1974, Rússia), que dão movimento às ideias e formas; formadores sequenciais de referências universais no cinema e que, consequentemente, contribuíram para que a categoria artes plásticas se diluísse em uma nova categoria: a das artes visuais (sem fazer apologia a correntes políticas com um sentido primordial de exclusão, para que o legado cultural e artístico prevaleça). Assim, Newman Schutze enaltece e revela, com sua instalação “O Homem de Aran”na Galeria Eduardo Fernandes, em São Paulo, as possibilidades atemporais de valorização de entidades que, no mundo da arte, possibilitam a conjugação das fases em um ou outro suporte. Da mobilidade no vídeo à mobilidade no fazer dos desenhos, esta soma de significados possíveis propicia,para o espectador, uma análise atualizada da realidade e seus personagens; seja a partir de uma perspectiva evolutiva ou de inércia social, de conformismo ou de ruptura. Com a instalação, Schutze estimula a criação de uma estrutura teórica que se vai elaborando a partir das constantes referências sugeridas:desde a fictícia caca do tubarão no filme até a representação pictórica bidimensional pelo artista brasileiro, o conjunto de imagens vai além do específico cinematográfico para se converter em leituras sociológicas com alcance e conotação maiores. A aparente reiteração dos signos pode apontar para zonas não superadas da dinâmica social e se transformar em pontos de partida de novos cenários.
A sequência dos 64 desenhos do artista, intercalada com as imagens em movimento diminuídas do filme Os pescadores de Aran, 1934 de Robert J. Flaherty fragmentadas nos aparelhos de televisão que, ao mesmo tempo, se mostram em sequência contínua, apresenta-nos uma enciclopédia naturalista em suportes transcritos para as artes visuais, em uma relação ficcional (como no filme) e rotineira com relação ao suporte plástico que acompanha as projeções audiovisuais que, em ambas as cenas ficcionais, se entrelaçam.
Neles, desenhos e vídeo, a reflexão sobre a vida dos artistas e sobre a própria vida.
Flaherty e Schutze escrevem, em suportes plásticos,sugestões sutis inventadas para ser recriadas pelo receptor OUTRO, a partir do EU sugerido e/ou inventado, em parte ou no todo. Da imagem em movimento à imagem nos desenhos, a predominância da imagem, tanto estática quanto em movimento. O conjunto é impressionante pelo drama estrutural exposto, por sua combinação estética espetacular e pela edição concisa.
Histórias simples, mas essenciais que, no tempo indefinido, emergem aqui como história única interrompida na representação e interpretação imposta a ser costurada, em sua sequência, em sutis e possíveis interrupções. Será autorreferencial? A proposta conseguirá fazer,do espectador, cúmplice de um compromisso de incidência social, quando intui (ou não) que os propósitos do sugerido são consequência de expressões complexas da realidade, suspeitando as incompreensões?
Andrés Hernández
São Paulo, verão de 2016.
maio 25, 2016
Lembre-se de lembrar por Alexia Tala
Lembre-se de lembrar: uma aproximação de artistas latino americanos à sua história
ALEXIA TALA
Lembre-se de lembrar, Carbono Galeria, São Paulo, SP - 16/03/2016 a 28/05/2016
Os dez artistas apresentados trabalham com a mesma premissa de reinstalar a história de seus próprios países, buscando referências e informações através da memória. Este resgate de informações pode ser visto como uma releitura do passado – evidenciando seu caráter retórico, incompleto e ficcional - e consequentemente uma análise do presente.
"A exposição Lembre-se de lembrar: uma aproximação de artistas latino americanos à sua história discute questões através de relatos que articulam a história da América Latina e suas memórias, em uma época onde a história passada como disciplina pode ser considerada retórica, incompleta ou até mesmo ficcional. Como esta história foi escrita? Quantas micro-histórias, dentro da grande história, foram contadas sem serem registradas?
Independentemente das ideologias políticas que foram dominantes no continente, os setores de oposição, nestes momentos, foram silenciados e reprimidos. Depois de tanto silêncio, a identidade latino-americana tem muito a dizer. Cada um dos artistas com seu próprio percurso, apresenta distintas visões, ficções e críticas.
A obra de Alfredo Jaar, utilizando uma frase de Samual Beckett 'I can’t go on - I will go on', sugere uma leitura do que foi historicamente o sentimento de enfrentar a ditadura, com manipulações e injustiças. Enrique Ramirez, Carlos Garaicoa e Sandra Gamarra se focam em imagens particulares que remetem a distintas violências político-econômicas da história e do cotidiano latino-americano.
Enrique Ramirez (Chile) reinterpreta o desaparecimento na época da ditadura, por meio de uma imagem em movimento e de uma vitrine que contém um livro com frases secretas que não podemos ler. Sandra Gamarra (Perú), por sua parte, se apropria de jornais publicados durante uma semana do Brasil, Perú e Chile e elabora um tríptico com três páginas, remetendo através deste recorte midiático, casos de corrupção, e usa a pintura como meio de intervenção.
Carlos Garaicoa (Cuba), realiza uma obra com três selos postais, um do terceiro Reich (original de 1938), um selo do American Post (1942) e um selo Suíço (apropriação e nova edição do Cartão Suíço da Basilea de 1945). Sua obra fala sobre o uso de certas imagens e símbolos como reafirmação de poder.
Outra leitura do passado, encontramos no trabalho da artista Melanie Smith (Inglaterra-México), que trata de histórias desconhecidas. Sua obra retrata realidades que parecem distantes, mas que fazem parte do nosso continente. Para esta exposição, a partir do projeto Fordlândia (2013), a artista realiza uma composição fotográfica sobre este utópico projeto de Henry Ford que foi convertido em enigmáticas ruínas no Amazonas. Por outro lado, Alberto Baraya (Colômbia) utiliza-se do humor e cria mais uma obra da série “Herbario de plantas Artificiales”, lançando uma planta carnívora devoradora de heróis.
Uma intenção discursiva mais formal e direta pode ser reconhecida nas obras dos artistas Carlos Motta, Karlo Andrei Ibarra e Lotty Rosenfeld, onde a crítica e o contexto são anunciados de maneira incisiva. Carlos Motta (Colômbia) exibe um mapa de madeira da América, onde a cor e o tamanho contrastam as desigualdades do território estado unidense com o latino americano. Karlo Andrei Ibarra (Porto Rico) recorre a tradição colonial do marcador quente sobre a pele, que associa-se ao trato dos escravos. Os carimbos recebem logos de empresas multinacionais, todas associadas a degeneração de recursos naturais e humanos. A obra simboliza o reflexo negativo do capitalismo e a falsa ideia de progresso de empresas de grande porte. O trabalho de Lotty Rosenfeld (Chile) corresponde a uma intervenção realizada em Havana, Cuba, em 1985, em frente a Plaza de la Revolución, realizando de maneira independente, sua reconhecida acción de arte das cruzes no asfalto.
O relato que constrói Lembre-se de lembrar tem, portanto, seu próprio percurso, distintas versões, ficções e intensidades. Articulam uma forma de lembrar da América Latina devolvendo potencialidade quando incluídas novas histórias."
Alexia Tala é curadora independente, nasceu em Santiago, onde vive e trabalha. Atualmente é co-curadora da IV Trienal Poligráfica e de San Juan em Porto Rico, co-curadora da Bienal de Arte Paiz na Guatemala, curadora do clube de gravura do museu da Solidariedade Salvador Allende e diretora da Plataforma Atacama.
Além de curadora de grandes exposições, Alexia fez a curadoria de mostras individuais de artistas como Cadu, Marcelo Moscheta e Hamish Fulton. Escreve para publicações na América Latina e Reino Unido. Foi membro dos comitês de Indicação PIPA 2012, 2013 e 2014.
maio 24, 2016
Alexandre Mazza - No Deserto, o oásis somos nós por Bernardo Mosqueira
(ao meu amor)
Mesmo o início surgiu da linguagem. Houve sempre ação, criação e transformação – simultaneamente. Ainda antes do tempo, já havia tudo em potência e como chance de sentido. A Universo já nasceu da vagina dessa mulher-linguagem enquanto paria outra versão de si mesma, parturiente de uma nova Universo que seguiu, então, o fluxo dessa constante gestação da Universo, dando à luz a cornucópia de cornucópias. O que existe que nos utiliza para criar sentido? Ao que as existências se determinam? Mesmo com essa distância que, em segredo, me corrói de saudade, está tudo bem no outro lado, onde brilhava aquele ponto no Atlântico Sul? Ainda brilha? Brilhará? Inúmeros verões antes da época de nossas bisavós, despertou Ogum, que criaria os instrumentos de metal para a guerra e a agricultura. Foi ele quem ajudou os sumérios a criarem o arado que seria capaz de cavar linhas na terra que os romanos viriam a chamar de “lira”. A palavra “delírio” derivou de uma expressão em latim para quando o movimento do arado saía do sulco retilíneo e criava curvas inesperadas no solo. Delirar tem, portanto, uma relação direta com semear no desvio, florescer na diferença.
Numa tarde do ano passado, entre os carros parados na Autoestrada Lagoa-Barra, revelou-se para Alexandre Mazza a imagem de uma linda entidade penosa, meio pássaro, meio anjo, meio mulher, mas que definitivamente não poderia ser definida por meias comparações. São muitos os tipos de desertos (rochosos, arenosos, nevados, habitados, extraterrestres, afetivos, metafóricos, encarnados, Samarcos etc.), mas a aparição da rodovia escolheu se mostrar flutuando sobre o solo de um deserto plano e espelhado. Antes de logo desaparecer, apontou, porém, ao artista o caminho para reencontrá-la. Poucos meses depois, uma equipe de 7 pessoas começaria a incursão de 20 dias por desertos latino-americanos com a missão de encontrá-la para investigar a relação entre vida e mistério, desejo e movimento.
Não foi fácil estar no deserto. Por um momento, acreditamos que onde não havia água, não poderia haver vida, lucidez, fertilidade ou vaidade. É bem verdade que passamos dias sem ver nem insetos. Por um momento, estivemos no lugar mais seco do planeta; em outro, estávamos a mais de 5 mil metros de altura, sem ar. No caminho, passamos por vales encantados, cruzamentos entre Shangri-la, El Dorado e Neverland; fomos de 45ºC para o centro de uma nevasca em uma hora; estivemos entre o espelho d’água salgada e o espelho de Oxum, que é a Lua; fugimos dos trabalhadores sem-terra que cercaram a cidadela e atiravam fogos-de-artifício contra nós; dirigimos horas no escuro dentro de uma nuvem de areia; visitamos o Pico da Loucura, subimos no mastro do perigo, batemos cabeça a Xangô no pé do poderoso Vulcão Licancabur; pensamos que talvez não voltaríamos nem ao Rio, nem ao normal. Porém, juntos, pudemos entender que no deserto o oásis somos nós: feitos 70% por água, carregamos conosco tudo o que nela pode haver.
Numa tarde, à sombra de uma duna, percebemos que uma das integrantes de nossa equipe, a Falta, ardia em febre. A temperatura do corpo da Falta aumentou tanto que ela queimou à frente de nossos olhos. De suas cinzas, 3 ovos de pedra cintilante surgiram. Para que eles não dormissem, tocamos sinos e lambemos um holograma de alta tecnologia que reproduzia os poderes da Universo. Quando caímos no sono, o tempo fez seu papel e a Aurora chocou os ovos para que nascesse a entidade que procurávamos.
Logo percebemos que a entidade definia seus movimentos se afastando e se aproximando de sinais que correspondiam a seus medos e desejos respectivamente. Compreendemos que, mesmo visível e semelhante a nós nesse aspecto, ela habitava outra Universo. Seguimo-la, e as pegadas que geramos na parte arenosa do deserto só serão apagadas na próxima chuva. Parece que já faz 8 anos desde a última precipitação. Numa região rochosa e frágil do deserto, demoraram alguns milhares de anos para desenvolver suas finas superfícies sólidas sobre a areia. Se mesmo o passo cuidadoso é capaz de destruir milhares de anos de trabalho da Universo, passamos a refletir sobre o que motiva cada ação. Quando a transgressão é uma escolha e não uma escravidão, torna-se mais dono dos próprios questionamentos, compreende-se melhor o risco em que se coloca o meio que nos cerca. No deserto, perseguíamos as nossas perguntas (E a vida? E a vida o que é? Diga lá, ‘mano’.), deixamos respostas voarem com o vento, fomos miragens para as montanhas descrentes, amorosamente oferecemos um ramo de angélicas perfumadas na encruzilhada da Calle Pachamama. É bom lembrar que Fé é definido como a coragem de acreditar num mistério, e que mistério é a substância do inexplicado. Existe vida enquanto existir atração pelo mistério, que tem destino fatal semelhante ao desejo: com a imperativa morte à frente, com uma fonte inesgotável por trás.
Num dia, acordamos e não encontramos mais a entidade. Conosco, estava novamente a Falta, nos acompanhando e completando nosso grupo. Quando finalmente, conseguiu voltar ao Rio de Janeiro, Alexandre Mazza trouxe consigo uma série de trabalhos, traduções visuais das falas enigmáticas do deserto e da entidade que rastreamos por aquelas semanas. São peças que investigam, relacionam e reverenciam as ideias de revelação, ciclo, tempo, transformação, desejo, vida e mistério. Em cada trabalho, os ecos de muitas perguntas, os reflexos de muitos movimentos e a certeza de que, se é de Luz, deixa brilhar.
maio 17, 2016
Quais as forças necessárias para mover o centro? por Natália Quinderé
Quais as forças necessárias para mover o centro?
NATÁLIA QUINDERÉ
Uma hipótese seria a de que, ao tecermos novas histórias e materializarmos outras imagens, enfraqueceríamos seu “campo magnético” formado por narrativas e práticas colonizadoras. Em tempos de falência das representações políticas, é preciso viajar às entranhas da terra sem medo de arrancar e digerir nossas vísceras. Os afrofuturistas de meados do século XX afirmavam que os negros precisariam colonizar o espaço para se tornarem visíveis, aqui, na terra. Olharíamos para cima esperando esses exploradores intergalácticos aterrissarem e nos narrarem suas conquistas espaciais.
Ana Hupe, em suas andanças terrestres, observou o céu estrelado à espera de heroínas negras e remexeu nossas entranhas para não se deixar esquecer da diáspora africana. A artista percorreu uma geografia impossível onde habita uma comunidade de mulheres estrangeiras – imigrantes e nômades. Em seu périplo, Hupe encontrou vestígios de explorações dos afrofuturistas, coletou depoimentos de afrodescendentes, africanas e haitianas no Brasil e na Alemanha, leu romances, narrativas históricas e imaginou um grupo de guerreiras que atravessa, como cometa, nosso passado, presente, futuro.
Nesta oficina gráfica, biblioteca e sala de leitura, os vários modos de ler e escutar desenham um lugar de encontro de vozes. Hupe entende a produção de livros, a criação de narrativas e de dispositivos de leituras como possibilidades de reparação do nosso passado colonial e projeto de futuro. A artista caminha na corda bamba. Em uma ponta, utiliza práticas semelhantes às da política colonial (coleta, análise e invenção de tipos) para ficcionalizar um sujeito que se apresenta a partir de sua mediação. Na outra, fabula as histórias vividas por essas guerreiras que foram à lua e desceram aos confins da terra. Ana Hupe abraça o risco e expõe a força coletiva necessária para mover o centro.
maio 11, 2016
Reempregos da visibilidade por Cayo Honorato
Reempregos da visibilidade
CAYO HONORATO
O projeto em obra (2012-2016), da artista Fabíola Tasca, é claro em seus propósitos: conferir certas “condições de visibilidade” para “afazeres idiossincráticos”, a partir da celebração de um contrato – mediante a assinatura de um termo de compromisso – entre artista e participante. A cada edição do projeto, oito camisetas são ofertadas pela artista, em troca da adesão dos participantes a certos protocolos: vestir a camiseta escolhida, enviar para a artista um relato das ações de uso da camiseta, mencionar o tempo consumido nessas ações. Em cada camiseta a artista pintou um título ocupacional, extraído como tal – em alguns casos, com pequenas “manipulações” – da Classificação Brasileira de Ocupações – uma espécie de enciclopédia das ocupações profissionais no Brasil, organizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
Note-se que as condições de visibilidade seriam garantidas pela artista, enquanto os afazeres, pelo participante. Por certo, o trabalho da artista perpassa tais afazeres. Portanto, haveria nisso uma certa reciprocidade, a consumação de uma troca, mas também uma forma de contratação, que segundo a artista “substitui ironicamente a participação pelo trabalho”. Sem dúvida, o projeto se insere num legado de práticas participativas ou relacionais, mas sua ênfase nas relações entre arte e trabalho, para além da formalidade contratual, parece convocar outra problemática. Temos aí uma exploração da participação alheia – tal como sugere um cartaz de 1968, do Atelier Populaire, com os dizeres: “je participe, tu participes... ils profitent”? De que forma os participantes estariam sendo remunerados?
Segundo a artista, as camisetas não são brindes, mas “bilhetes de acesso”. Elas permitem acessar um espaço simbólico, a princípio, de relações intersubjetivas, mas que, eventualmente, assume uma dimensão institucional ou social – na medida em que empresta significados ao circuito e à história da arte. Mais do que as camisetas, são as condições de visibilidade que parecem “remunerar” os participantes. Com isso, a artista parece inverter, provocativamente, um conhecido raciocínio de Rancière (2005: 65), segundo o qual a prática artística não é uma exceção ao trabalho, mas sua “forma de visibilidade deslocada”. Para o autor, no decorrer do século XIX, formou-se a ideia de que as práticas artísticas conferem ao princípio “privado” do trabalho – àquilo que ocupa um espaço-tempo privado, excluído da visibilidade e da palavra comuns –, uma cena pública, o “tempo” de participar como um cidadão deliberante, no espaço das discussões públicas; reconfigurando assim a partilha desses espaços. Mas o que o projeto em obra desloca/visibiliza?
Não são as ocupações das camisetas que estão sendo visibilizadas – muito embora, quem saberia da existência, por exemplo, de um instalador de lodo para sondagem? –, mas sim afazeres idiossincráticos, as ações de uso das camisetas: conversas casuais, uma deriva particular, uma aula na autoescola, etc. De fato, não necessariamente os participantes desempenham – real ou ficcionalmente – esta ou aquela ocupação. Alguns querem mostrar seu próprio trabalho de artista, como se não fosse o caso referir-se à ocupação escolhida. A própria artista justifica a manipulação de alguns títulos, para que fomentassem “o potencial imaginativo do eventual usuário da camiseta” – o que também é válido para os observadores do projeto. Alguns relatos, por certo, nos fazem imaginar possíveis relações entre um desmembrador de mocotó e imagens de endoscopia, entre um selecionador de castanha de caju e a escalada de uma montanha. Contudo, desta vez, são essas ocupações que, de certo modo, na sua invisibilidade, aparecem como símbolo da arte.
Curiosamente, o artista (artes visuais) e o artista plástico, assim como o crítico de artes plásticas, também são ocupações registradas na mesma Classificação. Mas talvez elas só favoreçam idiossincrasias. Como então conferir-lhes relevância pública? Parece ter chegado ao fim a ideia, caracteristicamente romântica, de que a arte simboliza o trabalho não alienado, a participação de qualquer um nas decisões que dizem respeito à comunidade. A propósito, parece haver dois sentidos para aquelas “condições” de visibilidade: a artista (ou as práticas artísticas) providencia uma visibilidade aos relatos (às ocupações/afazeres), mas ela também define seus limites. O que vemos são os relatos da artista, não dos participantes. Neles, chama a atenção um incômodo recorrente em relação à ideia de liberdade. No momento em que o próprio capitalismo se tornou artista (Lipovetsky & Serroy, 2015), é significativa a inversão que a artista propõe. Também no momento em que – são dados de fevereiro de 2016 – a taxa de desemprego no Brasil, segundo o IBGE, é de 8,2%, a maior taxa desde maio de 2009.
Referências
LIPOVETSKY, Gilles & SEROY, Jean. A estetização do mundo: viver na era do capitalismo artista; tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Cia. das Letras, 2015.
RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política; tradução de Mônica Costa Netto. São Paulo: EXO experimental org., Ed. 34, 2005.
maio 10, 2016
Verbo reduzido, nome suspenso por Ana Maria Maia
Verbo reduzido, nome suspenso
ANA MARIA MAIA
Débora Bolsoni - Descaracter, Galeria Jaqueline Martins, São Paulo, SP - 04/04/2016 a 14/05/2016
Um neologismo encerra os procedimentos recentes de Débora Bolsoni, alguns deles reunidos nesta mostra individual, outros tantos não, pois ainda em espera. O título “Descaracter” não dá nome a nenhuma das obras nem presta homenagem a versos do cancioneiro popular, muito embora pudesse fazê-lo. É sentimento que toma o peito, às vezes o estômago, e logo se esvai pelas mãos. Manifesta-se como intuição, vontade, busca e convívio generoso com o desconhecido. Tem forma abstrata e muitas vezes inexplicável, mas surge forte e urgente, não deixando dúvidas sobre o fazer.
Entre o corpo da artista, a arquitetura e os outros corpos com que se relaciona para existir, a palavra e tudo o que dela é feito tornam-se manufaturas. Ausentes dos dicionários e devedoras da experiência sensível, despedem-se da linguagem como convenção à medida que a assumem como laboratório para tentativas, erros, vestígios e suposições. “Descaracter” parece já haver sido verbo, “descaracterizar”. Por outro lado, pode também resultar de uma suspeita sobre o mais assertivo dos atributos humanos, “caráter”, uma vez ladeado pelo prefixo de negação.Examinemos ambas as possibilidades de sentidos e, inclusive, a chance de haver outras ou mesmo nenhuma.
I. Descaracterizar
O fazer de Débora Bolsoni costuma nascer da lida com materiais simples, como papel, tecido, areia, madeira, barbante e cera.Quando obra, mesmos que mantidos às vistas do público, chegam a confundi-lo, principalmente porque têm suas vocações reconcebidas pelos usos da artista. O frágil torna-se perene; o vulgar, monumental; já a estrutura (ou a escultura), por sua vez,é investigada para comportar moleza e delicadeza, ganhar camadas finas, orgânicas e nada inertes, arriscando-se para isso à sua própria ruína.
Débora produz artefatos descaracterizados, cuja aparência física envolve doses maiores ou menores de traição. Por não serem muitas vezes o que imaginamos à distância, pedem aproximação, investimento e calma.Não fossem as habilidades do corpo presente de desconfiar e descobrir, seguiríamos acreditando na veracidade das pátinas. As imagens desses artefatos – até mesmo ótimas fotografias de registro deles montados no espaço da galeria –são insuficientes para traduzir o sistema e cumplicidades de que fazem parte, desde o processo de criação.
Compartilhado com mestres de diferentes ofícios, que ajudam a artista a reconhecer um repertório mínimo sobre os materiais que lhe interessam a cada novo projeto, esse processo também se nutre da disponibilidade, de ambas as partes, para desconstruir seus modos de produção.Nessa troca, todo o tempo marcada por ajustes de linguagem e medidas de incompreensão, as ideias necessariamente devem voltar-se para os caminhos e limites da concretização. Os ofícios, por sua vez, saem revigorados do enfrentamento da falta e do erro, da ignorância aplicada da artista. Na sua disciplina, portanto, deve morar uma antidisciplina.
II. Suspender o caráter
Se o prefixo “a” indica uma negação por ausência, “des” nega por oposição. Ou seja, em “descaracter”, há caráter, mas talvez um outro, disposto a ir de encontro ao radical que lhe dá origem. Entre vetores contrários e equivalentes, constitui-se um jogo de forças, uma forma polarizada e dialética, em lugar das que repousam seguras sobre certezas unilaterais. Assim funciona o gesto de suspender nessa mostra individual. Buscando uma estabilidade que não está no chão, onde permaneceria sujeita apenas ao imperativo da gravidade, Débora foi tomada pelo desejo de pendurar coisas. Esse, na verdade, foi o seu primeiro desejo, quando ainda não havia nada do que aqui está.
Decidiu pendurar uma rede, dentro dela uma caixa e alguns rolos de tecidos. Fixados no teto por um único ponto, perdem gradualmente sua ambiguidade para aderir a sentidos figurativos e mórbidos. A caixa tem as proporções de um caixão ou esquife e, antes de ser intitulada como Pendente, era chamada pelo apelido de “O Enforcado”. Desse modo, ainda como anteprojeto, a instalação já concatenava cenário, vestígios e vítima de um crime de autoria desconhecida.
A montagem do trabalho, mais do que arrebatar, compromete a todos os envolvidos na exposição, artista, galeria e visitantes. O quão questionáveis passam a ser suas atitude sem relação ao enforcado? Se não culpados por terem matado, responsáveis por testemunhar a morte sem diante dela nada fazer? Talvez ainda responsáveis por devassarem a intimidade de um suicida, quebrando com isso o código de silêncio que costuma evitar o enfrentamento do tema pelo agendamento midiático e pelo senso comum.
A presença, nesse caso, não é suficiente para deflagrar qualquer ação, apenas o juízo moral e os efeitos da sua colisão sempre culposa entre as soberanias individuais e as doutrinas mais ancestrais para a vida em sociedade. O significado da palavra caráter encontra-se no centro dessa encruzilhada. Denota o conjunto de qualidades e valores que compete a cada pessoa construir para si, mas pressupõe a sua adaptação aos parâmetros de funcionamento das instituições vigentes, como a família, a escola, a religião e o estado.
São ditos “sem caráter” aqueles que fogem a esses parâmetros. Não porque não tenham valores pessoais, visto que, para o bem ou para o mal, para a harmonia ou para o conflito, para a ruptura ou para a tradição, todos o têm. Fogem porque entram em desacordo com algo anterior e inerente à construção de uma ideia de caráter, o juízo moral, quando não, a sua face conservadora, o moralismo. O exercício de suspensão proposto por Débora Bolsoni ajuda a recolocar o problema não de uma moral, mas de uma ética coletiva, tornando tanto a regra quanto a exceção dependentes uma da outra e, nesse sentido, igualmente questionáveis, esgotáveis, atualizáveis.
Em A Comunidade que vem,Giogio Agamben descreveu que a ética não deve suscitar arrependimentos e sim a experiência de “expor em toda forma à própria amorfia e em todo ato, à própria inaturalidade”. A dialética das coisas e das relações se apresenta novamente como caminho para se estabelecer uma esfera do comum menos opressora e, nela, sujeitos tanto responsáveis quanto livres e proativos. Só caberia julgar-lhes se negassem sua potência de criação, se reprimissem na culpa dos outros e do passado. Segundo o autor, se “permanecerem em débito com o existir”. [1]
[1] AGAMBEN, Giorgio. A comunidadequevem.São Paulo: EditoraAutêntica, 2013, p. 46.
Elisa Bracher, Vermelhas por Elisa Byington
Elisa Bracher, Vermelhas
ELISA BYINGTON
Elisa Bracher - Vermelhas, Mercedes Viegas Arte Contemporânea, Rio de Janeiro, RJ - 15/04/2016 a 14/05/2016
A série chamada de “Vermelhas”, atravessou um período longo da produção de Elisa Bracher. Anos em que a artista realizou numerosos trabalhos nos quais testava materiais novos e os limites de técnicas já experimentadas, por exemplo, nas fotografias realizadas com pinhole na região do Ártico ou na instalação monumental “Ponto Final sem pausas”, na qual uma esfera de chumbo de oito toneladas desafiava a gravidade “flutuando” no salão central do MAM-RJ.
Neste tempo, enquanto trabalhava horizontes extremos dentro e fora dos museus, as “Vermelhas” ganharam impulso dentro do atelier. As pequenas páginas em papel de seda ou papel arroz, cresceram em tamanho e em volume, até ocupar o atelier inteiro. Mesas, chão e paredes, já não bastavam para os trabalhos em grande formato que se multiplicavam e permaneciam pendurados em varais que atravessavam o espaço, obedecendo a um lento processo de secagem. Na prática de convívio e contaminação permanente entre as diferentes técnicas e linguagens no seu trabalho, de escultura, gravura, fotografia e desenho, a artista privilegia para estes, o uso de tintas pesadas, próprias da gravura em metal, junto ao grafite e ao giz litográfico, o bastão oleoso e outras tintas de lenta absorção pelo papel arroz.
Os desenhos em vermelho surgiram na elaboração de um projeto de escultura para espaço público. Inicialmente eram volumes plásticos de contornos bem definidos e formas geométricas que buscavam colocação espacial estável sobre a página. Mas logo, a intenção projetual cedeu lugar a uma diversa investigação formal, na qual, uma certa tridimensionalidade, se alguma havia, era dada apenas pela transparência do papel que deixava entrever o espaço além da superfície.
Inicialmente referente apenas ao granito dos blocos que construiriam a escultura, o uso da cor, elemento tradicionalmente considerado mais sensorial e empírico da construção plástica, torna-se protagonista e traz para o desenho um universo denso de subjetividade, inesperada carga semântica e forte componente existencial.
Para a artista habituada a uma cromia rigorosa e restrita ao preto, branco e ocre, que exercitou a distancia da imagética antropomórfica, a cor vermelha, encarnada, que se impunha como fio condutor, imprimia ao trabalho uma inusitada dimensão orgânica, delicada, dolorida, visceral, erótica e postulava de modo diferente a questão da visualidade.
O risco forte e a segmentação das linhas que caracterizou seu trabalho de gravadora, as toras de madeira em equilíbrio mágico e ameaçador de suas esculturas, tornam-se formas fluidas e curvas, reais e plásticas ao mesmo tempo, nestes desenhos de grande dimensão, sobre um suporte que não oferece resistência aos gestos amplos e contínuos de bastões e pinceis, mas exige cuidado e delicadeza para que não se rompa o equilíbrio.
Elisa Byington
Rio de Janeiro, abril de 2016
maio 8, 2016
Poéticas de uma Paisagem – Memória em Mutação por Bernardo Mosqueira
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(ao meu amor)
A obra de Alan Fontes apresenta como característica a pesquisa de aspectos ligados à arquitetura tanto no âmbito doméstico quanto no urbano. nesta exposição, Fontes articula esses dois interesses para investigar poeticamente a região no entorno do CCBB.
A cartografia produz instrumentos de análise capazes de auxiliar na localização de si ou dos outros em relação ao espaço. o artista partiu de imagens de satélite, de arquivo e produzidas em jornadas pela região, todas geradas em tempos distintos, para representar esse fragmento do centro do rio, expandindo de forma experimental a representação cartográfica e gerando uma obra atravessada não apenas por dados espaciais, mas também pela dimensão temporal, refletindo, assim, a constante transitoriedade da estrutura urbana.
Somado a isso, Fontes criou um ambiente de aparência doméstica composto por objetos encontrados nas ruas dessa região. A cor cinza com a qual foram revestidos os retira do campo dos objetos de uso prático e os transforma em um índice da vida privada. A justaposição do estudo sobre a cidade a partir do céu e dos arquivos com a investigação da existência cotidiana mais próxima das dores e paixões de quem vive na mesma região cria um palimpsesto de tempos e versões que dá visualidade para o fato de toda representação corresponder a uma ficção relacionada aos interesses ideológicos específicos de seu agente. Ademais, somos lembrados por Alan Fontes de que é preciso aprender constantemente formas originais de enxergar e de que tudo que há no mundo é capaz de produzir sentido para auxiliar a nos localizar no espaço e no tempo.
Bernardo Mosqueira
(ao meu amor)
Alan Fontes’s work is characterized by research into aspects linked to architecture in both the domestic and urban setting. In this exhibition, Fontes articulates these two interests to poetically investigate the region surrounding the CCBB.
cartography produces analytic tools that help one to locate oneself, or others, in relation to space. the artist began with satellite and archive images as well as photos he took on outings through the region, all taken at distinct times, to represent this fragment of downtown rio de Janeiro, experimentally expanding cartographic representation and generating a work involving not only spatial data, but also the temporal dimension, thus reflecting the constant transitoriness of the urban structure.
Fontes then went on to create an environment with a domestic look, composed of objects found in the streets of this region. the color gray with which they were covered removes them from the field of objects of practical use and transforms them into indices of private life. By considering the city as seen from the sky and in archive images, juxtaposing this to an investigation of daily existence closer to the pains and passions of those who live in the same region, this study creates a palimpsest of times and versions which underscore the fact that all representation corresponds to a fiction related to its agent’s specific ideological interests. Alan Fontes moreover reminds us of the need to constantly learn original ways of seeing, and that everything which exists in the world is able to produce meaning to help us ascertain our location in both space and time.
Bernardo Mosqueira
maio 7, 2016
Fuso por Iran do Espírito Santo
Fuso - Declaração do Artista
IRAN DO ESPÍRITO SANTO
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Esta exposição reúne uma pintura de parede e duas esculturas. São trabalhos concebidos independentemente, mas que foram agrupados por aquilo que neles diz respeito às várias formas de interpretação do tempo.
A palavra fuso refere-se, entre outras coisas, tanto ao fuso horário quanto ao fuso mecânico, às peças de relógio e ao instrumento usado para fiar na roca, numa época de produção pré-industrial. Em inglês, thread significa linha mas também rosca (fuso) de um parafuso e, metaforicamente, diz respeito à narração de um evento (o fio da meada).
Para a Cúpula, tomei como modelo a cúpula de um velho relógio cujo mecanismo é exposto dentro de uma espécie de vitrine. Esse objeto, que pode estar associado a outras funções – como a proteção de coisas frágeis valiosas –, neste caso, protege o mecanismo hiper-simbólico da marcação do tempo, cuja função está indissociada do espetáculo da mecânica com seus movimentos pendulares, rotativos e sons característicos. Na transposição para a escultura, foram mantidas suas formas e medidas básicas, enquanto o material do objeto original está re apresentado com o cristal em versão sólida, indicando, talvez, uma cristalização paralisante pela supressão e suspensão de um tempo pragmático, por via da contemplação de um ícone vazio.
A pintura sobre parede intitulada Fuso recorre a minha constante opção e apreço pela imagem aderida ao espaço que a contém, cujos limites são definidos pela realidade objetiva e pela função da arquitetura. São alusões ao dia e à noite, apresentados, simultaneamente, como projeções de imagens inversas, sendo uma o negativo da outra. Seu paralelismo traz para o interior da exposição a ideia de simultaneidade e “transparência” do mundo globalizado, onde as faces do planeta se alteram entre a claridade e a escuridão, sem, contudo, aquietarem-se por conta das demandas dos movimentos dos mercados.
Os dois trabalhos acima citados situam-se no segundo andar/mezanino da galeria. Entre eles, circulam ideias implícitas sobre o tempo incontinente que constrange nossa existência, na combinação de um sólido transparente e imagens evanescentes que, embora tendo rastros de um significado sugerido, de fato, alteram fisicamente a luminosidade do espaço real, dada a predominância do claro ou do escuro. Nesse sentido, essas pinturas atuam sobre a percepção concreta do mundo físico. Com elas, continuo a trabalhar um dos assuntos mais recorrentes em minha produção: as várias formas de representação da luz com suas variações e o largo espectro de significados, inseparáveis do real e da matéria.
A Galeria Fortes Vilaça tem uma particularidade em sua arquitetura: o visitante entra pelo nível intermediário, uma espécie de átrio, dividindo, marcadamente, os outros dois níveis. Essa característica me levou a projetar a exposição, considerando especialmente as divisões entre alto e baixo, entre o evento cósmico “dia e noite” (acima, na “cúpula” da galeria) e da dinâmica do dia a dia (baixando ao nível inferior). Nesse plano, o mais rente ao solo, paralelo à rua, tentei criar uma espécie de praça/chão de fábrica, com a mate rialidade hiperbólica de uma escultura em aço, de significado inequívoco. Intitulada Base fixa , ela é formada por quatro conjuntos de porcas e parafusos, dezoito vezes maiores que o modelo original e pesando mais de uma tonelada. Ela incorpora o material e as formas da produção industrial da qual é originária e representante. Dessa forma, essa escultura tem um caráter indicial inerente, que reforça o elo material entre objetos e signos que, separadamente, talvez pudessem ser tomados (sem que houvesse aí nenhum equívoco) por expressões de poéticas paralelas, independentes das questões sociopolíticas que norteiam a exposição como um todo. Seus quatro cantos demarcam um quadrado central de forma clara e definitiva, como fixados numa base imóvel. Se, por um lado , o desenho espiralado da rosca contém o movimento helicoidal infinito de uma figura matemática, por outro, a materialidade ostensiva da escultura fixa o movimento, restando a tensão entre as forças de avanço e de retrocesso, de movimento e reação.
Fuso* - Artist Statement
IRAN DO ESPÍRITO SANTO
This exhibition brings together a wall painting and two sculptures. The works were conceived independently, but were grouped together on account of their distinct forms of interpreting time.
Among other things, the Portuguese word fuso refers both to time zones and to screw threads, as well as to specific clock parts and also to the spindle, an instrument used for hand spinning in pre-industrial times. In English, the word “thread” is commonly used to designate a strand of cotton, nylon or other fiber used for sewing, but it also used to denote “screw thread”, a helical ridge wrapped around a cylinder or cone used as a fastener. In addition, “thread” is also used metaphorically to refer to the narration of an event, in the sense of a theme or characteristic running throughout a situation or piece of writing.
For Cúpula [Dome], I based myself on the glass casing of an old clock whose mechanism is presented inside a type of dome-shaped display case. This object, which can also be associated to other functions - such as the protection of fragile, valuable things -, in this case protects the hypersymbolic mechanism of timekeeping, whose function is indissociable from the mechanical spectacle with its pendular, rotating movements and its characteristic sounds. In being transposed into sculpture, its basic forms and dimensions were maintained, while the material of the original object is re-presented with the crystal in its solid version, indicating , perhaps, a paralysing crystallization due to the suppression and suspension of a pragmatic time, by means of the contemplation of an empty icon.
The wall painting entitled Fuso refers to my recurrent choice and interest in the image that merges with the three-dimensional space that contains it, whose limits are defined by objective reality and by the function of architecture. They are allusions to day and night, simultaneously presented as projections of inverse images, one being the negative of the other. Its parallelism brings to the interior of the exhibition the idea of the simultaneity and of the “transparency” of the globalized world, where the surfaces of the planet alternate repeatedly between light and dark, albeit without becoming subdued by the demands of the movements of the markets.
The two above-mentioned works are displayed on the gallery’s second floor/mezzanine. Between them circulate implicit ideas about the incontinent time that constrains our existence, in the combination of a transparent solid and evanescent images which, though they reveal traces of an implied meaning, in fact they physically alter the luminosity of real space, given the predominance of light and dark. In this sense, these paintings act on the concrete perception of the physical world. With them, I continue to develop one of the most recurring themes in my artistic production: the diverse forms of representation of light with its variations and the broad spectre of meanings, inseparable from the real and from physical matter.
The architecture of Galeria Fortes Vilaça has a distinguishing feature: the visitor enters the gallery through an intermediary floor, a type of atrium that markedly divides the other two levels. This feature led me to design the exhibition, taking into special account the divisions between upper and lower floors, between the cosmic “day and night” event (above, in the gallery’s “dome”) and the dynamics of daily life (moving down to the lower level). In this landing, on the ground level, parallel to the street, I tried to create a sort of plaza/shop floor, with the hyperbolic materiality of a steel sculpture, of unequivocal meaning. Entitled Base fixa [Fixed base ], it is formed by four sets of nuts and bolts, eighteen times larger in size than the original model and weighing over a ton. It incorporates the material and the forms of industrial production from which it originates and which it represents. This way, this sculpture has an inherently indexical character, which reinforces the material link between the objects and signs which, individually, possibly could be taken (without incurring in any misconceptions) for expressions of parallel poetics, independent of the sociopolitical issues that guide the exhibition in general. Its four corners mark out a central square form in a clear and definitive way, as if affixed onto a stable base. If, on the one hand the spiral design of the thread contains the infinite helical movement of a mathematical figure, on the other hand the overt materiality of the sculpture restricts any possible movement, leaving only the tension between thrust and retraction, movement and reaction forces.
* In Portuguese the word fuso has a variety of different definitions, including time zones (fuso horário ), screw threads (fuso mecânico), a pull cord, which operates a mechanism when pulled, found in engines, toys and other motorized equipment such as grandfather clocks, a spindle used in hand spinning , and others.