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outubro 12, 2015
Cronologia Antonio Dias por Ileana Pradilla Ceron
Cronologia Antonio Dias
ILEANA PRADILLA CERON
O desenho continua sendo o único modo de visualizar meus pensamentos. Não consigo admitir a ideia de começar a fazer algo sem saber o que ou para quê. [1]
1944-1962
Nasce em Campina Grande, Paraíba, em 1944. Na infância vive constantes mudanças de cidade e de família, tendo morado em Maceió, no sertão de Alagoas, em Recife e Campina Grande. Seu avô paterno lhe ensina os rudimentos do desenho, assim como a projetar e construir objetos em diferentes materiais, como madeira, lata e cartão. Ele me mostrou, sobretudo, como (...) realizar um objeto pensado e enfrentar os problemas dessa realização [2]. Aprende a ler nas histórias em quadrinhos e desenha suas próprias tirinhas.
Em 1957 chega ao Rio de Janeiro com sua mãe. Estuda à noite e realiza diversos trabalhos, entre os quais o de desenhista de arquitetura e ilustrador. Um chefe de serviço do Ministério da Saúde, local onde atua como auxiliar de desenhista, percebe seu interesse pela gravura e o apresenta a Oswaldo Goeldi, que o acolhe como ouvinte em seu curso na Escola Nacional de Belas Artes. Apesar das naturais divergências entre o jovem aprendiz de 16 anos e o experiente gravador, Dias será marcado pela exigência de Goeldi em relação à qualidade do trabalho artístico.
As conversas informais no Museu de Arte Moderna, principalmente com Ivan Serpa e Aluísio Carvão, professores do Bloco Escola, também contribuem para a formação do artista. Ainda como freelance, trabalha como ilustrador para Senhor, revista que tem papel relevante na renovação do design gráfico brasileiro, e para a editora Tempo Brasileiro, como designer de capas.
Entre 1960 e 1962 realiza trabalhos em relevo, pintura, guache, aquarela e gravura, muitos deles abstratos, em que predominam a geometria irregular das superfícies, as cores que remetem aos minerais do solo e a utilização de signos indígenas e de outras culturas ancestrais. O artista se refere a esses trabalhos como Sequências formais de fragmentos, a maioria em relevo, que narram uma história usando figuras simples do meu próprio vocabulário: a terra, os animais, plantas, misturados com a oligarquia, igreja e os militares. Tudo muito hierático, como num relevo egípcio. [3]
Algumas dessas obras estão presentes em sua primeira exposição individual, na Galeria Sobradinho, em Copacabana, em outubro de 1962. Na apresentação da mostra, o poeta e artista plástico Pedro Geraldo Escosteguy escreve: (...) quem quiser sentir em sua obra o delírio da improvisação, não encontra, pois Antonio Dias, atento às motivações do mundo exterior, delas extrai os conteúdos que se conjugam com sua sensibilidade. [4]
1963-1967
O trabalho de Dias sofre uma grande transformação formal e de conteúdo em 1963. O artista inicia a construção de um imaginário singular que incorpora diversas referências, tais como os quadrinhos, a sexualidade, a violência urbana e a repressão política.
A realização desses trabalhos parte, de acordo com o artista, (...) de uma estrutura simples, onde pintava de maneira automática, uma imagem puxando a outra. Era uma livre associação do simbólico. Nesta operação não cancelava nada (...) Bem no início havia mesmo a procura de um certo “brutalismo”, uma estética do grafitti. [5]
Em dezembro de 1963 ganha o Primeiro Prêmio de Desenho no XX Salão Paranaense de Belas Artes, em Curitiba. Um ano depois, realiza sua segunda mostra individual na Galeria Relevo, no Rio de Janeiro, que conta com texto de apresentação do crítico francês Pierre Restany, um dos principais teóricos do Nouveau Réalisme(Novo Realismo). De acordo com Restany, as obras de Dias são multifacetadas, sem fronteiras precisas entre os campos de ação da reportagem exterior e da introspeção individual. Lá existe sexo, sangue, fatos diversos e muito fetichismo (...) toda a herança de nossa natureza urbana e de nossa civilização industrial. (...) [6]
A partir de 1964 os trabalhos se afastam da chamada “pintura de cavalete”, pois adquirem formatos irregulares, com telas estofadas e imagens que, ao transbordar da superfície, tornam-se objetos tridimensionais. Predominam nessas obras as cores preta e vermelha. A marca das pinceladas desaparece e a fatura passa a ser impessoal, aproximando-se dos trabalhos gráficos. As obras também ganham títulos que aludem, com certa ironia, à situação política vivida no país após o golpe militar.
Em 1965, o trabalho de Dias passa a ser visto com regularidade em galerias e museus franceses. Em janeiro, participa do XVI Salão da Jovem Pintura, no Museu de Arte Moderna de Paris. Em março, a colecionadora franco-brasileira Ceres Franco, Jean Boghici e Pierre Restanyorganizam a primeira individual do artista em Paris, na galeria Florence Houston-Brown, que recebe excelente acolhida do meio local. Entre setembro e novembro participa da IV Bienal de Paris, evento em que representa o Brasil, ao lado de outros artistas como Roberto Magalhães, Tomoshigue Kusuno e José Roberto Aguilar. Recebe o prêmio de pintura nesse certame, que consiste numa bolsa do governo francês e inclui uma estadia de seis meses em Paris.
Em agosto do mesmo ano participa, no Rio de Janeiro, de Opinião 65, exposição organizada no Museu de Arte Moderna, também por Ceres Franco e Boghici, reunindo jovens artistas brasileiros e europeus em torno da Nova Figuração. A exposição toma emprestado o nome do show Opinião, uma das primeiras reações artísticas ao golpe militar de 31 de março de 1964.
Em abril de 1966, ao lado de Pedro Escosteguy, Carlos Vergara, Roberto Magalhães e Rubens Gerchman participa da exposição inaugural da Galeria G4, no Rio de Janeiro, do fotógrafo David Zingg e do arquiteto Sergio Bernardes. Além das obras, o evento também apresenta ousados happenings dos expositores, com grande repercussão no meio cultural local. Impactado com a mostra,o cineasta Antonio Carlos Fontoura realiza o curta-metragem Ver e Ouvir, com Dias, Magalhães e Gerchman. Na parte dedicada ao trabalho de Antonio, intitulada Preparação para o contra-ataque, o artista lê o depoimento que preparou para a exposição: Então só pinto para dizer alguma coisa. O ato de pintar me chateia: se pudesse mandava alguém pintar por mim. [7]
No final de 1966, viaja para a capital francesa para usufruir do prêmio recebido na Bienal de Paris. Ao terminar o período da bolsa, resolve não retornar ao Brasil.
Com ajuda de Ceres Franco e do artista belga Corneille se integra rapidamente à cena cul-tural parisiense. Seus primeiros trabalhos na cidade ainda remetem às obras realizadas no Brasil, mas possuem uma construção mais equilibrada, que os distancia do processo de associação automática das obras anteriores. Em pouco tempo, as obras com imagens fragmentadas e transbordantes, mas ainda presas à estrutura do quadro, desaparecem, dando lugar a objetos negros, que em nada remetem ao mundo exterior, como Coletivo, Solitário e Opressor/Oprimido.
Esses trabalhos silenciosos o distanciam do grupo conhecido como Figuração Narrativa. Nesse mesmo período, o contato com outras concepções artísticas contemporâneas como os textos do artista norte-americano Robert Smithson, relacionando conceitos da física à arte e à cultura,contribui para que Antonio repense os rumos de seu trabalho.
1968-1976
Após vivenciar as revoltas estudantis de maio de 1968 em Paris, viaja para Londres. Ao retornar à capital francesa não consegue a renovação de sua carte de séjour, por ter sido visto numa manifestação de artistas em frente ao Museu de Arte Moderna. Por indicação do colecionador Marcelo Rumma, que vê aproximações entre seus trabalhos recentes e o de jovens artistas italianos cuja produção é reunida sob o rótulo de Arte Povera (Arte Pobre), segue para Itália.
Em junho de 1968 chega a Veneza e se depara com os violentos protestos de artistas, críticos e estudantes contra a organização da XXXIV Bienal. Passa por Salerno, cidade onde mora Rumma, antes de seguir para Milão, uma das capitais econômicas europeias, para onde confluem artistas e intelectuais de diversas nacionalidades e tendências.
Em agosto, já instalado em ateliê emprestado pelo artista Lucio Del Pezzo, passa a conviver com integrantes da arte contemporânea italiana como Enrico Castellani, Alighiero Boetti, Giulio Paolini e Luciano Fabro e com o crítico Tommaso Trini, entre outros, ao lado dos quais encontra um contexto produtivo e estimulante, próximo ao experimentalismo vivido no Brasil antes de sua partida, em 1966.
O trabalho de Antonio também é bem recebido pelo galerista Giorgio Marconi, fundador do Studio Marconi. Contratado pela galeria, Dias resolve fixar-se definitivamente em Milão, onde até hoje mantém uma de suas residências.
Nesse período, desenvolve o trabalho iniciado no final de sua estada em Paris. Produz pinturas de grandes campos reticulados e esquemáticos, em geral nas cores negra ou branca, com palavras ou frases em letras tipográficas, que discutem o espaço da arte enquanto um campo conceitual. Esses trabalhos conjugam a precisão formal e as ideias de serialidade e repetição, características do minimalismo, e a compreensão da arte enquanto atividade intelectual e geradora de questionamentos sobre ela mesma, da arte conceitual.
Em 1969 realiza sua primeira individual italiana no Studio Marconi, que conta com o texto Os enigmas de Antonio Dias, de Tommaso Trini. Integrado à cena artística italiana, é convidado a participar de exposições internacionais que discutem a produção contemporânea recente, como Contemporary art. Dialogue between the east and the west, no National Museum of Modern Art, emTóquio. Nessa mostra apresenta Do it yourself: freedom territory, sua primeira construção ambiental.
Do it yourself é o primeiro dos diagramas do álbum Project book – ten plans for open projects que o artista executa espacialmente. Concebido no ano anterior, o álbum introduz a ideia de projeto na obra de Dias. Para o artista: A ideia central era fazer um trabalho legível, ser uma produção anônima, para que qualquer um pudesse reproduzi-lo; realizá-lo e encontrar outro sentido poético, mantendo-se dentro de uma estrutura formal muito simples. É assim que Do it yourself: freedom territory foi concebido. [8]
Hélio Oiticica, desde Londres, escreve o texto que acompanha o álbum, em que relaciona esses projetos com o conceito de “probjeto”, cunhado por Rogerio Duarte. Em 1977, o artista editará esse álbum sob o título de Trama.
Em 1971 é o único artista latino-americano convidado pelo curador Edward Fry a participar da sexta e última edição da exposição Guggenheim International, em Nova York, panorama das novas tendências, organizada pelo museu homônimo. Nesse ano, a mostra é dedicada à arte conceitual e ao pós-minimalismo. Entre os 21 participantes, além de Dias, estão Carl Andre, Walter De Maria, Donald Judd, Joseph Kosuth, Sol LeWitt, Mario Merz, Jiro Takamatsu, Robert Ryman e Richard Serra.
Ainda em 1971, surgem os primeiros trabalhos de The illustration of art (A ilustração da arte), uma de suas séries mais conhecidas, que se desdobra até 1978. Acompanhando a atitu-de experimental de formatos e de linguagens, característica da arte desse período, Dias utiliza mídias variadas como película, fotografia, pintura, impressão, papel artesanal e instalações para realizar trabalhos que tomam o sistema de arte (sua produção, circulação e consumo) como temática, ou provocação.
Em 1972 recebe a bolsa John Simon Guggenheim e viaja para Nova York, onde permanece até meados de 1973. Embora o artista afirme não ter estabelecido forte identificação com a cidade, sua estadia mostra-se bastante fecunda, resultando na concepção de diversos projetos experimentais em linguagens variadas, principalmente audiovisuais. Neste período Dias convive com outros brasileiros e latino-americanos na cidade como Hélio Oiticica, Rubens Gerchman, Luiz Camnitzer e Liliana Porter.
O trabalho com mídias audiovisuais, entretanto, já havia começado em Milão, em 1971, com a realização dos primeiros filmes em formato Super-8 mm, dentro da série The illustration of art. Data do mesmo período a gravação do disco Record: the space between, um trabalho conceitual sobre o tempo e o espaço, que é apresentado na mostra Record as artwork, curada por Germano Celant no Royal College of Art, em Londres em 1973.
Nesse ano, o artista retorna ao Brasil pela primeira vez, desde sua partida em 1966 e encontra um ambiente cultural totalmente distinto daquele que havia deixado. Os anos de ditadura militar acabaram por sufocar boa parte do espírito libertário dos anos 1960, deixando como herança um “vazio cultural”, rótulo que muitos utilizam para definir esse momento.
Em individual na galeria Ralph Camargo, em São Paulo, e na Bolsa de Arte, no Rio de Janeiro, mostra pinturas realizadas nos primeiros anos em Milão, como Prisoner’project e Environment for the prisoner. O cartaz da exposição reproduz a poesia constelário para antonio dias, de Haroldo de Campos. Nesse ano participa também da Bienal de Paris, em sua oitava edição, desta vez integrando a representação italiana a convite do crítico Achille Bonito Oliva.
Em 1974 apresenta exposição individual na Sala Monumental do Museu de Arte Moderna do Rio. Muito diversas entre si, e da linguagem da maioria de seus trabalhos, as obras Poeta/Pornógrafo (1973), Tradução – Marcação para intérpretes perigosos (1972), O arquipélago e as ilhas (1972) e Conversation piece (1973), integrantes da mostra, são instalações e projeções audiovisuais que têm sua origem em anotações de sonhos, prática regular do artista naquela época.
Em 1975 realiza nova instalação no Studentski Kulturni Centar, em Belgrado, antiga capital da República Socialista da Iugoslávia, atual capital da Sérvia. Na ocasião, o artista cobre um grande muro com cetim vermelho e desloca o pequeno quadrado superior para a parede contígua, deixando na extensa superfície um quadrado branco, ou faltante. Nesse trabalho, o vermelho aparece pela primeira vez na obra de Dias mais do que enquanto cor, como um campo, dotado de uma extensão e intensidade que independe do tamanho ocupado.
No ano seguinte, o artista cria uma “bandeira” formada por um tecido vermelho, sem o canto superior, e uma haste fina de bambu chinês, fundido em bronze. Colocado sobre o telhado de uma comuna em Milão, em frente ao seu ateliê, o vermelho aqui surge associado à ideia de território e ganha o nome de O país inventado (Dias-de-Deus-Dará). Em 1977, essa mesma obra é fotografada pelo artista no seu campo de trabalho em Barabishi, no Nepal.
Embora o título O país inventado tivesse surgido em 1971, nomeando um tríptico de telas negras com as palavras “Birth”, “Life”, “Death”, no centro de cada uma, é essa “bandeira“ onde o retângulo recortado e o espaço vermelho se identificam, que dá origem a uma das marcas mais características no trabalho de Dias.
1977-1988
A busca por um papel artesanal para a edição do álbum Trama, criado originalmente em 1968, leva o artista, em 1977, a uma viagem de cinco meses ao Nepal. Essa experiência, que se tornará fundamental na obra e na vida de Dias, resulta não apenas na publicação de Trama, nesse mesmo ano, mas na abertura para uma nova direção em seu trabalho.
A inexistência de uma produção de papel em grande escala obriga o artista a assumir a coordenação do processo de sua fabricação, levando-o a conviver estreitamente com famílias de diferentes etnias na fronteira com o Tibete. A experimentação de processos e técnicas artesanais da fabricação e da coloração do papel resulta em obras cuja identidade se confunde com a fisicalidade do próprio papel, algo completamente diverso de suas obras anteriores.
Os trabalhos em papel nepalês são mostrados pela primeira vez na exposição Arte agora III – América Latina: Geometria sensível, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1978. O grande incêndio ocorrido no Museu nesse período, destrói a maioria dessas obras.
Nesse mesmo ano, retorna temporariamente ao Brasil para implantar o Núcleo de Arte Contemporânea (NAC), projeto criado junto a Paulo Sergio Duarte para a Universidade Federal da Paraíba e a Funarte, em João Pessoa, que tem por objetivo incentivar e difundir a produção contemporânea, nacional e internacional, no estado. No âmbito desse projeto, Antonio concebe e produz a exposição de livros de artistas Livre como Arte e publica o livro Política: ele não acha mais graça no público das próprias graças.
A partir de 1978, graças ao processo de anistia promovido pelo governo brasileiro, embora ainda sob o regime militar, muitos intelectuais e artistas, entre os quais Paulo Sergio Duarte e o próprio Dias, retornam ao país e se engajam no planejamento de programas de incentivo à reflexão e à produção cultural, atividades massacradas pela ditadura. Entre 1977 e meados da década de 1980 Dias se concentra, basicamente, na produção de trabalhos em papel nepalês. Apesar das evidentes diferenças estéticas com as obras realizadas em Milão, o artista estabelece um fio condutor entre os papéis e o trabalho anterior, produzindo novas obras ainda inseridas na série The illustration of art.
No começo dos anos 1980, a introdução de materiais como óxido de ferro, grafite e pigmentos metálicos nos trabalhos em papel, conferem às superfícies densidade, opacidade e peso. Signos como ossos, falos, martelos e cifrões, que já povoaram suas obras na década de 1960, retornam e invadem as superfícies que, saturadas, se distanciam de qualquer ideia de lirismo e fragilidade que ainda pudesse ser associada aos primeiros papéis do Nepal.
Sobre o reaparecimento dos signos em seu trabalho, Dias comenta: Esses signos são automáticos, mas também conscientes ou populares (...) No início eram signos (...) que faziam parte de nossa vida (...) atualmente os sinais são os mesmos porque não preciso “inventar” outros. Eles são sempre uma referência àquele outro momento do trabalho (...) A repetição dos sinais só acentua a relação entre estes momentos. [9]
Em 1981 retorna a Milão. Chega à cidade em plena voga da Transvanguardia, movimento artístico conceituado pelo crítico italiano Achille Bonito Oliva em 1979, que defende o retorno à pintura figurativa, a arte como fonte de prazer e expressão da subjetividade individual. A crítica ao racionalismo excessivo da arte conceitual e do minimalismo, implícita nessa tendência, está igualmente presente em outros movimentos artísticos contemporâneos que também celebram a volta à pintura, como o Neoexpressionismo, na Alemanha e a Bad painting, nos Estados Unidos.
A Alemanha torna-se, nesse momento, um importante centro de arte contemporânea. Além da produção pictórica de grande qualidade, com artistas como Georg Baselitz e Anselm Kiefer, o país atrai criadores de diversos cantos do planeta devido ao forte desenvolvimento de um contexto produtivo para a arte, com o surgimento de importantes coleções públicas e privadas, de museus, galerias e instituições de ensino. O trabalho de Antonio Dias encontra boa receptividade na cena artística alemã e, desde o começo da década, sua atividade expositiva se volta para esse país.
Em 1984, a Städtische Galerieim Lenbachhaus, em Munique, organiza a primeira grande mostra do artista na Alemanha, sob o título The invented country/ Erfundenesland. Nesse ano participa ainda da exposição An International Survey of Recent Painting and Sculpture que celebra a reabertura do MoMA em Nova York, após quatro anos de obras de expansão.
Em meados dos anos 1980, Dias começa a realização de grandes pinturas utilizando grafite, óxido de ferro e pigmentos metálicos, como ouro e cobre, já presentes em seu trabalho em papel nepalês, e introduz elementos como rodos, arames e ossos de borracha, acoplados às telas. As pinturas desse período, em sua maioria da cor do grafite, chamam a atenção para a materialidade e a textura das superfícies. Ao contrário da pintura “matérica” em voga, a construção dos trabalhos de Antonio continua sendo fruto, não da livre expressão subjetiva, mas de um apurado cálculo, onde cada elemento é aproveitado levando em conta seu máximo rendimento. Os materiais, por exemplo, não são escolhas gratuitas ou apenas estéticas, desempenhando na obra um duplo papel, sendo matéria e cor ao mesmo tempo.
1988-2015
Em 1988 recebe bolsa da DAAD (Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico) para uma residência de um ano em Berlim. A Staatlische Kunsthale, na mesma cidade, realiza mostra de seus trabalhos em papel, produzidos entre 1977 e 1987.
Em 1989, ano emblemático da derrubada do Muro de Berlim e da consequente unificação alemã, Antonio Dias fixa residência em Colônia, centro econômico e cultural europeu, sede de importantes coleções de arte, públicas e privadas. Nesse mesmo ano, o Städtisches Museum Mülheim, na cidade de Mülheim an der Ruhr, organiza exposição com as novas pinturas do artista.
Permanecendo no universo da pintura, as obras no final da década de 1980 apresentam, entretanto, transformações significativas. Uma das mais evidentes é a adoção de dois ou três chassis, de formatos e cores independentes entre si, para a construção de uma única obra. Esse “todo” paradoxal, formado por partes desiguais, questiona a ideia de homogeneidade, unicidade e simetria, características usualmente associadas à ideia de obra de arte.
No início dos anos 1990, a incorporação da malaquita, minério de cor verde, a introdução de telas monocromáticas vermelhas, geralmente formando uma das partes dos trabalhos, e das manchas que parodiam um padrão de pele de onça aumentado, aportam nova visualidade aos trabalhos.
Ao longo da década, seu trabalho é objeto de diversas exposições antológicas. Em 1993 a Städtische Galerieim Lenbachhaus apresenta trabalhos realizados em 1970 e 1980. No ano seguinte, o Institut Mathildenhöhe em Darmstadt organiza Antonio Dias. Trabalhos/Arbeiten/Works 1967-1994, mostra panorâmica de cinquenta trabalhos, com curadoria de Klaus Wolbert. Em 1999, a Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, apresenta Antologia 1965-99, a mais abrangente exposição de sua obra até o presente, com curadoria de Jorge Molder e Paulo Herkenhoff.
Ainda nos anos 1990, Dias desenvolve algumas atividades didáticas, lecionando pintura, em 1992, na Internationale Sommerakademie für Bildende Kunst, em Salzsburgo, e, no ano seguinte, na Staatliche Akademie der Bildenden Künste, em Karlsruhe. Em 1997 é professor visitante no programa de pós-graduação nos Ateliers Arnhem, na Holanda.
Em setembro de 2000, comemorando 40 anos de carreira do artista, é inaugurada a mostra Antonio Dias. O país inventado no Museu de Arte Moderna da Bahia, primeira grande exposição panorâmica do artista no Brasil. Até 2002, a mostra será apresentada na Casa Andrade Muricy, em Curitiba, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, no Museu de Arte Moderna do Rio, no Museu Vale do Rio Doce, em Vila Velha, no Espaço Cultural Venâncio, em Brasília, no Centro Cultural Dragão do Mar, em Fortaleza e no Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães, no Recife. Os catálogos produzidos apresentam diversos ensaios críticos sobre a obra de Dias,assinados por Sonia Salzstein, Moacir dos Anjos, Ligia Canongia e Elisa Byignton.
Por toda a década de 2000, realiza a série de trabalhos denominada Autonomias. As obras dessa série podem ser vistas como edições ou montagens, no sentido cinematográfico (como o crítico Paulo Sergio Duarte define a operação construtiva desses trabalhos) de diversas superfícies independentes e por vezes conflitantes, com suportes desiguais, mas que formam um todo de grande força plástica. Para o crítico A contundência plástica, a força do elemento estritamente pictórico que reside nessa expansão e multiplicação do “quadro”, não é mais um “quadro”, aquele que seria, afinal de contas, a pintura por excelência segundo a tradição. São vários em um só. E aspiram à totalidade. [10]
Em 2009, após vinte anos radicado em Colônia, Dias muda-se para o Rio de Janeiro, mantendo ainda sua residência em Milão. Nesse ano, o DarosMuseum em Zurique organiza Antonio Dias. Any where is my land, grande exposição do artista com obras das décadas de 1960 e 1970 pertencentes à Daros Latinamerica Collection e curadoria de Hans-Michael Herzog. A mostra é apresentada, no mesmo ano, na Pinacoteca do Estado de São Paulo. Ainda em 2010 participa, entre outras mostras, da 29a Bienal Internacional de São Paulo, com O País inventado (1976) e apresenta, na Casa de Cultura Laura Alvim, no Rio de Janeiro, a individual Sem pudor, com curadoria de Ligia Canongia. A exposição reúne trabalhos inéditos em vídeo e fotografia digital a partir de originais em polaroid, que retomam a questão do erotismo, presente desde a década de 1960 na obra do artista.
As pinturas realizadas na última década evidenciam um novo posicionamento de Dias em relação ao seu próprio trabalho. A introdução de cores como amarelo e púrpura, a contaminação das superfícies vermelhas pelo branco, assim como o uso despudorado do dourado, marcam o ingresso num território de cor até agora pouco explorado. Em suas palavras: Tenho experimentado muito. Tenho me dedicado, por exemplo, a explorar a cor, que nunca foi uma matéria minha. Algumas vezes não dá certo; em outras, fico feliz com o resultado. [11]
Em 2013, o aspecto experimental e o intimismo no trabalho do artista ganham destaque nas exposições Antonio Dias, Pinturas sobre cartões, na Galeria Celma Albuquerque, em Belo Horizonte, e Antonio Dias – aquarelas e colagens, na Múl.ti.plo Espaço de Arte, no Rio de Janeiro. Por ocasião da mostra em Minas Gerais é editado o texto Arquivo íntimo, de Elisa Byington. Para a exposição carioca, é publicado Para onde vai a libido, de Paulo Sergio Duarte.
Em 2014, as pinturas recentes são apresentadas na Galeria Nara Roesler, em São Paulo, e na exposição Antonio Dias – potência da Pintura, com curadoria de Paulo Sergio Duarte, na Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre. Além das montagens pictóricas, a última mostra também reúne alguns objetos, ou esculturas, que parecem desconectados da produção corrente do artista, como Seu marido, Duas torres e Satélites, todos de 2002.
Ao lado de outras instalações e objetos que irrompem em certos momentos na trajetória de Dias, como Kasa Kosovo Kasa(1996), esses trabalhos independentes, por assim dizer, são uma espécie de comentário ou declaração do artista sobre situações específicas, seja de natureza histórica, seja de cunho pessoal.
Longe de serem trabalhos panfletários, entretanto, essas obras reafirmam o sentido político presente em boa parte do trabalho do artista e reforçam a íntima conexão existente entre a arte e a vida, na obra de Antonio Dias.
Em 2015, o artista participa de diversas mostras internacionais que propõem releituras sobre a arte produzida nas décadas de 1960 e 1970, como The world goes pop, na Tate Modern, em Londres; Pop International, no Walker Art Center, em Minneapolis e Transmissions: Art in Eastern Europeand Latin America, organizada pelo Museum of Modern Art (MoMA), em Nova York. Integra, ainda de Au Rendez-Vous des Amis, na Fondazione Alberto Burri, em Cittàdi Castello, evento comemorativo do centenário de nascimento do italiano Alberto Burri, que reúne, em exposição e seminários, artistas atuantes na Europa para discutir temas centrais da arte contemporânea.
No Rio de Janeiro, toma parte da mostra Made in Brazil, na Casa Daros, primeira exposição no país do acervo de arte brasileira da Daros Latino America Collection. Nesse mesmo espaço, lança Galáxias, projeto experimental concebido na década de 1970 com o poeta concretista Haroldo de Campos (1929-2003), realizado na forma de um estojo de fibra de vidro que contém, em cada exemplar, 32 objetos produzidos por Dias, agrupados em dez caixas de madeira. Na Galeria Nara Roesler, na mesma cidade, expõe seus trabalhos em papel produzidos no Nepal a partir de 1977. O crítico anglo-brasileiro Michael Asbury assina o texto The rule of the game, publicado na ocasião.
Trabalhos do artista da década de 1960 participam das exposições comemorativas do cinquentenário da mostra Opinião 65, no Museu de Arte Moderna e na Pinakotheke Cultural, também no Rio de Janeiro.
Em outubro, a galeria Multiarte, em Fortaleza, promove a mostra Antonio Dias, Desenhos 1960-2000, e lança catálogo com texto crítico Conta em aberto: O desenho antidisciplinar de Antonio Dias, de Sérgio B. Martins.
Notas
1 Antonio Dias. Entrevista a Lúcia Carneiro e Ileana Pradilla. Coleção Palavra do Artista. Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 1999, p. 9-10
2 Ibid., p. 7
3 Antonio Dias. Depoimento por e-mail a Julie Belcove, junho de 2015.
4 Ferreira Gullar. Antonio Dias até hoje. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil. 31 de outubro de 1962.
5 Antonio Dias. Entrevista a Lúcia Carneiro e Ileana Pradilla. Op. cit.,p. 13
6 Restany, Pierre.Da torre de marfim à torre de Babel, catálogo da mostra Antonio Dias, Galeria Relevo, Rio de Janeiro, dezembro de 1964.
7 Rodrigo Murat. Antonio Carlos Fontoura. Espelho da Alma. São Paulo: Imprensa Oficial, 2008, p. 44.
8 Antonio Dias. Depoimento por e-mail a Julie Belcove, junho de 2015.
9 Antonio Dias. Entrevista a Lúcia Carneiro e Ileana Pradilla. Op. cit.,p. 37
10 Paulo Sergio Duarte. Antonio Dias. Potência da Pintura. Porto Alegre: Fundação Iberê Camargo, 2014
11 Globo - Nani Rubim. Antonio Dias experimenta gestos e cores em sua pintura. Rio de Janeiro: Jornal O Globo , 19 de abril de 2014
outubro 6, 2015
Quem Nasce Pra Aventura Não Toma Outro Rumo por Diego Matos
Quem Nasce Pra Aventura Não Toma Outro Rumo
DIEGO MATOS
Releitura, à luz do contemporâneo, da produção resguardada pelo Acervo Videobrasil, reúne dezesseis obras realizadas entre 1978 e 2012 por artistas do Sul global. Os trabalhos e o contexto brasileiros inspiram os três eixos da curadoria - Afeições, tempos e estradas; Democracia, documento e ficção; e Fala, escuta e dissenso –, que dialogam com o universo das obras do Festival. O título cita frase da artista Lygia Pape, ao interpelar o crítico Mário Pedrosa em entrevista ao jornal O Pasquim em 1981. A exposição paralela do 19º Festival tem curadoria de Diego Matos, coordenador de Arquivo e Pesquisa da Associação Cultural Videobrasil.
STATEMENT DA CURADORIA
Em 1981, em entrevista concedida ao Pasquim por intermédio de uma série de intelectuais, artistas ou formadores de opinião, Mário Pedrosa ouviria a sentença: “Quem nasce pra aventura não toma outro rumo”, proferida pela Pape, que o interpolara logo no início da entrevista. Na virada para os anos 1980, em um momento de crise com o fim das esperanças, frustradas pelo regime militar, e escancaramento, portanto, de um trauma na sociedade brasileira, que até hoje reverbera, o intelectual — provocador, professor e crítico — renovava a crença no papel do artista e do intelectual público, bem como na relação inerente entre arte e política. Com essa perspectiva, a arte, naquele momento histórico e naquele ambiente brasileiro, parecia também resgatar o seu caráter de resistência de maneira mais imediata — e o vídeo, em toda a sua natureza proteiforme, teria, então, esse papel fundamental.
É essa aventura e seu lugar de partida, o Brasil e toda a sua ambivalência, que a mostra busca apresentar. Trata-se de um olhar que se impõe do sul ao norte por meio de razões poéticas, de outras histórias e ficções, dos dissensos frente ao campo social normativo, como também de outros lugares — mapeados geograficamente, mas excluídos da cultura hegemônica. São histórias que se entrecruzam e refletem o campo irrestrito da arte e de sua atualidade. O dispositivo para esse exercício de tradução, por ora, é a exposição que torna visível um lugar de fala; ela é, por si só, uma aventura com lastro histórico.
Demarcar esse lugar, fincar discursos e estabelecer ritmos e tempos são os papéis que determinadas obras pontuais — aos modos de interlúdios —, de artistas como Cristiano Lenhardt e João Moreira Salles, exercem na aberta narrativa desta curadoria. O primeiro nos situa no âmbito do lugar geográfico, e o segundo, no lugar sensível da arte. Em um arco temporal que vai de 1978 a 2012, 16 obras representam 16 artistas de lugares e vivências distintas, o que não impede, no entanto, de evidenciar o Brasil como lugar de partida de um ciclo que não se fecha.
O contexto brasileiro, tomado como eixo norteador, vai ao encontro de outras referências geopolíticas, criando para a exposição três conjuntos, cada um com seu campo temático. Os núcleos foram nomeados em consonância com os aportes trazidos pelos artistas e trabalhos selecionados para esta edição do Festival, ao mesmo tempo em que nomeiam o lugar de partida das produções brasileiras e de como elas dialogam com contextos externos tão dissonantes e, ao mesmo tempo, tão próximos. São eles os rumos desta aventura construída e de muitas outras que serão estabelecidas pelo público. Democracia, documento e ficção conta com os olhares de Geraldo Anhaia Mello, Malek Bensmaïl, The Otolith Group e Claudia Aravena. Afeições, tempos e estradas, o segundo agrupamento e epicentro da exposição, é composto pela dupla Karim Ai¨nouz e Marcelo Gomes, os brasileiros Marcellvs L. e Cao Guimarães, e a israelense Nurit Sharett. Em Fala, escuta e dissenso, Sandra Kogut, Rita Moreira, Carlos Nader e Clive van den Berg evidenciam a arena política de diversos debates públicos que afloram nos processos cotidianos da vivência democrática. Incide também naquilo que Jacques Rancière denuncia como a ideia de um “ódio” à própria democracia que parece não ascender à plenitude.
Complementam os interlúdios a obra de Gabriel Acevedo e um segundo trabalho de Lenhardt, também da série “Ao Vivo” — mais uma vez, representando a veracidade dos eventos cotidianos, evidenciando a falsa perspectiva de um sentimento de transformação pragmática e técnica. Aos modos de uma sinédoque (a personificação das obras e de seus lugares), são os trabalhos que aqui se movimentam pelo próprio caminhar do espectador, criando relações que se sobrepõem. Para cada conjunto ou vizinhança e tempos aqui contidos, são construídos cheios e vazios, conflitos e aproximações, reclusões e espraiamentos.
Ao final desta jornada, tomamos permissão para usar as palavras atemporais de Mário Pedrosa ao descrever, no princípio dos anos 1980, os seus objetivos enquanto realizador de exposições e pensador. Como lição, evocamos, então, duas condicionantes fundamentais para os percursos expositivos fundados na memória crítica de um acervo: “mostrar que a arte não é uma coisa artificial, que ela vem do homem, qualquer que seja a tecnologia em que viva. A tecnologia prepara, mas não cria nada, nem ontem nem hoje”.
Diego Matos (vive e trabalha em São Paulo, Brasil) É pesquisador, professor e curador. Graduou-se em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Concluiu mestrado (em 2009) e doutorado (em 2014) pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Entre 2005 e 2006, foi professor substituto do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará. Foi assistente de curadoria da 29ª Bienal de São Paulo, 2010, e editor de conteúdo do website do evento. Trabalhou no Núcleo de Pesquisa e Curadoria do Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, entre 2011 e 2013. Foi curador da mostra coletiva Da Próxima Vez Eu Fazia Tudo Diferente, Espaço Pivô, 2012. Atuou como professor em cursos livres no Instituto Tomie Ohtake, no SESC São Paulo e no Centro de Cultura Judaica (CCJ), na mesma cidade. Em 2014 lecionou na Escola São Paulo. É coordenador do Núcleo de Arquivo e Pesquisa da Associação Cultural Videobrasil. Vive e trabalha em São Paulo.
outubro 5, 2015
Barrão: Fora daqui por Felipe Scovino
Barrão: Fora daqui
FELIPE SCOVINO
Barrão - Fora Daqui, Casa França-Brasil, Rio de Janeiro, RJ - 09/10/2015 a 15/11/2015
Esta exposição inaugura uma nova fase na obra de Barrão. Ao longo de uma trajetória de pouco mais de trinta anos, o artista teve a música, o meio digital, os eletrodomésticos e a linguagem televisa, em resumo, como suportes e temas de suas obras. Corpos ou máquinas em mutação são características que permeiam a obra do artista. Passando pelas suas instalações sonoras, performáticas e cinéticas no início do seu trabalho, e chegando aos trabalhos feitos com louça a partir dos anos 2000, em que articula distintos objetos feitos com esse material, cortando e colando suas divisões para se chegar a um objeto escultórico, o artista investiga o excesso, o estranho e a falha não só como temas, mas como processos constitutivos desses corpos híbridos criados em função de partes.
Nesta mostra, a cor, tão presente em obras anteriores, é substituída por um tom monocromático, com exceção do vidro, que, aparecendo ocasionalmente, transmite uma tonalidade esverdeada a essa paisagem esbranquiçada, e dois novos materiais passam a fazer parte da sua pesquisa: a resina e o gesso.É importante atentar a esse fato, pois o trabalho ganhou uma conotação mais sóbria, o que cria um enlace com o momento atual. Esta afirmação ganha mais sentido quando fazemos referência à antiga função deste prédio –em 1824, e por cerca de vinte anos,foi estabelecido por D. Pedro I como alfândega e, portanto,como porta de entrada para os imigrantes –, com o artista instalando uma barraca (um abrigo provisório) e outras “ilhas” que de certa forma articulam territórios (um muro de tijolos, totens e o caminho ziguezagueado proposto por imagens de cavalinhos) dentro do espaço da Casa. Como formas, desejos, origens e histórias tão diferentes podem ocupar o mesmo espaço? Como conciliar dessemelhanças? Ademais, levamos em conta que em boa parte desses objetos a inexistência ou ocultação de partes é uma regra.
Se nesse momento passamos pela maior onda migratória do pós-guerra e assistimos impávidos às suas profundas e tristes consequências, o artista à sua maneira expõe as novas configurações geográficas e econômicas que se estabelecem com o processo de migração. É perspicaz que o sujeito – como afirma Stuart Hall em A identidade cultural na pós-modernidade, “previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não-resolvidas” – possui um diálogo com as formas dessas obras. Estas parecem estar continuamente incompletas, dividindo-se constantemente e criando formas híbridas que não param de cessar. Contudo, este sentimento de incompreensão e estranhamento que temos ao avistá-las logo é encoberto pelo fato de que a fragmentação, fenômeno intrinsecamente ligado ao moderno,é quem torna seus objetos definitivamente humanos e inseridos no tempo presente.
Notem que o artista faz uso do molde eque vários objetos são reproduzidos mais de uma vez. Porém, como parte da poética de Barrão, eles sempre aparecem ao mundo de formas distintas (uns sem pata, outros sem perna, um terceiro com o corpo encoberto e assim por diante), transmitindo ambiguamente um senso de particularidade a um objeto que deriva de um processo industrial e que tem como compromisso a regularidade.
É importante dizer que Barrão não tem interesse em se colocar como “artista político” ou explorar um acento dramático desse contexto, mas dividir conosco por meio de um campo muito próprio de seu trabalho – que abarca a irreverência e o nonsense – a sua interpretação sobre o que acontece no mundo ou o que está à nossa volta. Percebam que em alguns momentos um equilíbrio precário é produzido, como no castelo de cartas com as fitas cassete ou na armação pouco estável dos livros feitos em resina. Temos a sensação de que em vários momentos tudo está por ruir, expandir, retrair, perder, cair ou revelar-se por completo.A obra parece estar à espreita de um acontecimento, isto é, na iminência da sua próxima transformação.
Há uma capacidade inventiva de aliar materiais, histórias e formas diversas que separadas seriam completamente antagônicas; mas, como um quebra-cabeça, essas peças se adequam, partilham o mesmo terreno, encontram seus pares e ganham sentido. Finalmente, se deslocássemos esses procedimentos para uma visão política de mundo – e agora dissertando utopicamente –, as diferenças sociais e políticas seriam mais bem equilibradas.
outubro 4, 2015
19º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil | Panoramas do Sul: Obras selecionadas
19º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil | Panoramas do Sul: Obras selecionadas
BERNARDO JOSÉ DE SOUZA, BITU CASSUNDÉ, JOÃO LAIA, JÚLIA REBOUÇAS, SOLANGE FARKAS
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Vídeos, instalações, performances, fotografias, obras sonoras e esculturas compõem um panorama das visões de mundo e das questões que mobilizam, hoje, artistas de diferentes regiões do Sul geopolítico. Selecionadas a partir das respostas a uma convocatória aberta, elas desenham ora um cenário de crise, no qual se mostra urgente enfrentar questões políticas e sociais, ora um ambiente pós-utópico, para além da presença humana, ora as possibilidades de um novo engajamento do sujeito no mundo.
Diante de grandes mudanças globais que indicam uma dinâmica de transferência de poder de norte para sul e de oeste para leste, com países ditos periféricos amealhando poder político, e o colapso econômico ameaçando regiões tradicionalmente hegemônicas, em que medida ainda faz sentido falarmos em um Sul geopolítico?
Sem corresponder a uma série facilmente identificável de situações políticas, sociais, históricas e econômicas, o Sul global se reafirma como território imaginado, a partir do qual se tenta criar outra forma de produzir discursos sobre nosso mundo, que não passe pelas modalidades hegemônicas identificadas com o ocidente.
No contexto da arte contemporânea, os países desse eixo simbólico estão habitualmente ausentes das grandes narrativas consideradas fundadoras das práticas artísticas atuais. A circulação das contranarrativas que produzem enfrenta uma resistência histórica.
A seleção reunida aqui aponta questões que animam e movem, hoje, a produção artística do Sul. As obras selecionadas desenham três grandes cenários. O primeiro poderia ser definido pelo acirramento da ideia de crise. Enfrentar questões políticas e sociais – manifestas, sobretudo, na condição do sujeito e em sua relação com o outro – torna-se urgente.
Outras obras investigam um ambiente pós-utópico, para além da presença humana. O sujeito está ausente ou tornado objeto, as paisagens são desoladoras, e a relação com o tempo é ambígua. Narrativas históricas sobrepõem-se em camadas muitas vezes indistintas.
Um terceiro movimento anuncia possibilidades para um novo engajamento do sujeito no mundo. São diversas as obras que tratam da conexão do homem e da natureza, ou da natureza como um grande sistema de poder. O artista, aqui, atua de maneira performativa, colocando-se como agente desse entrelaçamento.
Entre obras em diferentes suportes e mídias, o vídeo e o filme aparecem como dispositivos relevantes em número e qualidade de proposições. Produzir imagem, em movimento ou não, instalada no espaço expositivo ou como proposta imersiva de cinema, segue sendo uma estratégia-chave para nosso tempo e nossa região.
19º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil | Southern Panoramas: Selected works
BERNARDO JOSÉ DE SOUZA, BITU CASSUNDÉ, JOÃO LAIA, JÚLIA REBOUÇAS, SOLANGE FARKAS
Videos, installations, performances, photographs, sound pieces, and sculptures provide a panorama of the worldviews and issues that currently mobilize artists from various parts of the geopolitical South. Selected through an open call for entries, they outline either a crisis scenario where pressing political and social issues require addressing, a post-utopian environment beyond human presence, or the possibilities for a new engagement of the subject in the world.
In view of significant global changes that point to a shift in power dynamics from North to South and West to East, as purportedly outlying countries amass political power, and economic collapse threatens traditionally hegemonic areas, to what extent does it still make sense to speak of a geopolitical South?
Without corresponding to an easily identifiable set of political, social, historical, and economic situations, the global South reaffirms itself as an imagined territory, where attempts are being made to produce discourses about our world that do not involve the hegemonic modalities associated with the West.
Within the contemporary art context, countries in this symbolic axis are habitually absent from the encompassing narratives that are considered to underlie current art practices. The circulation of the counter-narratives they produce is met with historical resistance.
The selection featured here points to questions that animate and fuel art production in the South today. The selected works outline three broad scenarios. The first one could be defined through the growing idea of crisis. Addressing political and social issues—predominantly manifested in the subject’s condition and his or her relationship with the other—becomes a pressing need.
Other pieces explore a post-utopian environment that lies beyond human presence. The subject is absent or objectified, the landscapes are bleak, and the relationship with time is ambiguous. Historical narratives juxtapose into oft-indistinct layers.
A third set heralds the possibilities for a new engagement of the subject in the world. Several pieces address the man-nature connection or nature as a big system of power. Here, the artist operates performatively, presenting him or herself as an agent of this interweaving.
Amid artworks in different materials and media, video and film appear as relevant devices in number and quality of propositions. Producing image, in motion or otherwise, installed in the exhibition venue or presented as an immersive cinematic experience, remains a key strategy in our time and region.
19º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil | Panoramas do Sul: Artistas convidados
19º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil | Panoramas do Sul: Artistas convidados
BERNARDO JOSÉ DE SOUZA, BITU CASSUNDÉ, JOÃO LAIA, JÚLIA REBOUÇAS, SOLANGE FARKAS
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Cinco artistas e uma miríade de estratégias contemporâneas atestam, aqui, na mostra Artista convidados, a potência da produção que emerge do Sul e fala ao mundo. O malinês Abdoulaye Konaté transpõe o ambiente da pintura para gerar uma nova linguagem, articulando sua rigorosa formação artística a elementos da cultura tradicional de seu país, notadamente a tapeçaria. O uso extraordinário da cor e o rigor das composições não se desvinculam de um discurso politizado, que expõe questões não só africanas, mas também universais. Inspiradas no encontro que teve, em 2014, com uma tribo guarani de Ubatuba-SP, suas tapeçarias falam de culturas ameaçadas.
Partilhando a escolha dos têxteis como universo expressivo, a brasileira Sônia Gomes nasceu em Caetanópolis-MG, que abriga uma das primeiras fábricas de tecidos do Brasil. Ainda criança, num arroubo de inconformidade, decidiu fugir de casa; para tanto, enrolou e amarrou pedaços de tecido, formando uma trouxa. Mais tarde, a trouxa se tornaria a forma seminal do pensamento que conforma toda sua produção artística. Aqui, ela experimenta uma escala que desafia a intimidade do corpo. Cada curva ou reentrância, tecido ou pele, fala de um sujeito singular, ou de um coletivo que compartilha história e cultura.
A contrastar com essa organicidade, a obra do paulistano Rodrigo Matheus demanda engenharia pesada para suspender tambores e criar uma estrutura de balanços, pesos e contrapesos que lançam o público numa zona de instabilidade com paralelos na provisoriedade das relações econômicas e sociais contemporâneas. O trabalho deriva da observação da história do Sesc Pompeia, e pretende devolver a ele parte do que o artista chama de “arruinamento” da cidade nos últimos cem anos.
As dinâmicas da representação e o impacto da circulação de imagens na construção de identidades são os temas da artista francesa de ascendência marroquina Yto Barrada. Sua Wallpaper é paradigmática. O contato diário com esse tipo de representação – papéis de parede com paisagens longínquas são comuns em lojas e cafés do Marrocos – sublinha a fricção entre a vida real e o desejo de pertencer a outra realidade, entre o real e a ficção de uma vida de facilidades à espera do outro lado.
Os filmes de Gabriel Abrantes – que nasceu nos Estados Unidos de pais africanos, vive em Lisboa e se considera um artista português – expõem o atrito, também sutil, entre eixos de poder tradicionais e emergentes. Com uma visão iconoclasta da história, da arte e do cinema, suas narrativas analisam a forma como a cultura global está sendo transformada pela ascensão de novos atores e os impactos das identidades emergentes em culturas antes hegemônicas. Interessado em “lugares onde formas contemporâneas de vida estão a ser inventadas”, filmou em Angola, Haiti, Sri Lanka e no Brasil.
A trama do tecido social rugoso e esgarçado que compõe o cenário político em princípios do século 21 constitui uma malha crítica de fibras orgânicas e industriais, pondo à prova as relações temporais e tecnológicas que articulam a poética coletiva destes artistas e estabelecendo diálogos entre vozes que falam desde o Sul.
19º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil | Southern Panoramas: Guest artists
BERNARDO JOSÉ DE SOUZA, BITU CASSUNDÉ, JOÃO LAIA, JÚLIA REBOUÇAS, SOLANGE FARKAS
Five artists, in Guest artists exhibition, draw upon manifold strategies to demonstrate Southern artistic production’s capacity to speak to the wider world. Abdoulaye Konaté, from Mali, overreaches the bounds of painting to engender a new language that blends his rigorous artistic training with elements of traditional Malian culture, especially textiles. His extraordinary use of color and strict compositions maintain a clearly politicized vim, which exposes African issues, as well as universal ones. Inspired by his 2014 encounter with a Guarani Indian tribe in Ubatuba, on the São Paulo State coast, his tapestries speak of threatened cultures.
Sharing Konaté’s choice of textiles as an expressive domain is the Brazilian Sônia Gomes, born in Caetanópolis, Minas Gerais State, home to one of the country’s oldest textile companies. As a child, in a flash of revolt, she decided to run away from home; she gathered snippets of textiles into a truss. That truss would return to her years later in seminal form as an artistic procedure. Here, she experiments with a scale that challenges the intimacy of the body. Each bend or cavity, each fabric or skin seems to speak of a subject in its singularity or a collective with a shared history and culture.
Contrasting with this organicity, Rodrigo Matheus requires the support of heavy engineering to hang barrels and create structures out of scales, weights, and counterweights that lure the public into a zone of instability that echoes the provisional nature of contemporary economic and social relations. The work stems from the artist’s observation of the venue’s history and attempts to restore, physically, some of the legacy of “ruin” the city has endured over the last hundred years.
The dynamics of representation and the impact the circulation of images has on identity building are the themes of choice of Yto Barrada, a French artist of Moroccan descent. Her Wallpaper is paradigmatic. Daily contact with this sort of representation—wallpaper featuring far-off views is common in Moroccan stores and coffee shops—underlines the friction between real life and the desire to belong to another reality, between the reality and fiction of a comfortable life waiting to cross over to the other side.
The films of Gabriel Abrantes—who was born in the US to African parents yet lives in Lisbon and considers himself a Portuguese artist— explore the no less subtle conflict between traditional and emerging axes of power. With an iconoclastic vision of history, art, and cinema, his narrative speculations analyze the ways global culture is being transformed by the rise of new players, and the impacts emerging identities are having on cultures that were once hegemonic. Interested in “places where contemporary forms of life are being invented,” Abrantes has filmed in Angola, Haiti, Sri Lanka, and Brazil.
The weft of the crumpled, torn social fabric that makes up the political scene in these first years of the 21st century constitutes a critical mass of organic and industrial fibers, stress-testing the temporal and technological relations that articulate the collective poetics of these artists, and establishing a range of dialogues between voices speaking from the South.
outubro 3, 2015
Transborda por Yuri Firmeza
Transborda
YURI FIRMEZA
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Afinal, por quê, para quê e para quem fazer mais uma exposição?
Começar por esta interrupção, por esta pergunta que poderia, quiçá, pautar projetos distintos: (...) mais um texto? (...) mais uma performance? (...) mais um...?
Pela urgência daquilo que nos pede passagem. Para destinatários possíveis e insuspeitos. Por ser impossível não inventá-los: uma exposição, um texto, uma performance... questão de vida ou morte. De vida.
Os trabalhos aproximados em TRANSBORDA operam nesta freqüência. Não se trata de configurar um gueto ou pensar a borda como limite, mas, inversamente, pensá-la como potência.
Aqui, somam-se outras perguntas: Que tecnologias sociais nos atravessam e nos apontam um suposto mundo coeso? Que processos sustentam o mito da origem fundadora e das naturalizações que incorporamos como verdades hegemônicas? O que sustenta os modelos vigentes e submissões como condições naturais orquestrada por pactos totalizantes? Que produção política e posição estratégica está em jogo quando discursos públicos sancionam certos modos de existir? E, sobretudo, como incorporamos, sustentamos e reiteramos tais demarcações no corpo?
A arquitetura do corpo - e todo o emaranhado citacional, iterável, discursivo e prostético - é política, nos lembra Paul B. Preciado. É esta dimensão política, “do corpo como lugar de inscrição da história”, aquilo que pede passagem nos trabalhos aqui expostos. Não há um modus operandi comum à todas as obras, mas justamente o esfacelamento dos modelos pré-estabelecidos de vida.
Os procedimentos são múltiplos e distintos: a exploração de zonas erógenas para além dos órgãos que convencionamos entender como sexuais, por exemplo, no vídeo em que Orlando Maneschy lambe e chupa um sovaco; as paródias e as intervenções em revistas e códigos publicitários, como nos trabalhos de Peter de Brito e Pitágoras; as práticas domésticas e íntimas tomam outras dimensões e borram as fronteiras entre público e privado nos trabalhos de Breno Baptista e Filipe Acácio; os corpos juvenis, tímidos e arrebatadores pintados por José Leite; as travestis que deflagram o caráter performativo do próprio gênero nos videos de Solon Ribeiro, Virgínia de Medeiros, Barbara Wagner e Benjamin de Burca e na série fotográfica de Orlando Maneschy; a performance com o show de Verônica Decide Morrer.
Tais trabalhos produzem deslocamentos, fissuras ao gêneros dominantes, criticas cáusticas ao heterofalocentrismo. A potência disruptiva do corpo, o inominável, em tais trabalhos é o que move o desejo de estar junto. Um corpo não contido. Um corpo experimentado em sua enésima potência, eis o que nos leva a fazer mais uma exposição, um texto, uma performance, um...
Transborda
YURI FIRMEZA
After all, why hold another exhibition? For what reason, and for whom?
We begin with this pause, with this question which could perhaps apply to various projects: (...) another text? (...) Another performance? (...) Another...?
For the urgency of what is requesting passage. For possible and unsuspected ends. Because it’s impossible not to invent them: an exhibition, a text, a performance. It’s a question of life or death. Of life.
The works featured in TRANSBORDA [TRANS-OVERFLOW] operate on this frequency. It’s not a question of configuring a ghetto nor of thinking about the border as a limit - rather, it is seen as a potential.
Other questions also arise here: Which social technologies pervade us and indicate to us a supposedly cohesive world? What processes sustain the myth of the founding origin and of the naturalizations that we incorporate as hegemonic truths? What sustains the prevailing models and submissions as natural conditions orchestrated by totalizing pacts? What political production and strategic position is at play when public discourses sanction certain modes of existing? And, above all, how do we incorporate, sustain and reiterate such demarcations on our body?
The architecture of the body - and the entire citational, iterable, discursive and prosthetic tangle - is political, it reminds us of Paul B. Preciado. This political dimension, "of the body as a place of the inscription of history", is what asks for passage in the works displayed here. There is no single modus operandi common to all the works; rather, we find the destruction of the preestablished models of life.
The procedures are multiple and distinct: the exploration of the erogenous zones beyond the organs that we conventionally understand as sexual, for example, in the video in which Orlando Maneschy licks and sucks an armpit; the parodies and the interventions in magazines and advertising codes, as in the works by Peter de Brito and Pitágoras; the domestic and intimate practices which assume other dimensions and blur the borders between the public and the private in the works by Breno Baptista and Filipe Acácio; the shy and ravishing juvenile bodies painted by José Leite; the transvestites who electrify the provocative character of their gender in the videos by Solon Ribeiro, Virgínia de Medeiros, Barbara Wagner and Benjamin de Burca and in the photographic series by Orlando Maneschy; and the performance with the show by Verônica Decide Morrer. These works produce displacements, fissures in the dominant genders, caustic critiques of heterophallocentrism. In these works, the disruptive potential of the body, the unnameable, is what drives the desire to be together.
An uncontained body. A body experienced to it's nth degree - that is what leads us to produce another exhibition, a text, a performance, a...