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Arte em Circulação

 


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julho 27, 2015

Artista-curador-gestor: a potência independente por Thais Rivitti

Artista-curador-gestor: a potência independente

THAIS RIVITTI

[Scroll down for English version]

O encontro “O artista gestor e a potência independente”, organizado pelo Ateliê 397 com colaboração do Curatoría Forense, destina-se a debater importantes questões colocadas para o campo das artes visuais hoje. Questões que surgem, se aprofundam, ou ganham outros contornos a partir do desenvolvimento do circuito independente.

A primeira questão diz respeito à atuação dos agentes independentes que, em seu cotidiano, têm uma prática radicalmente multifacetada. Trata-se do curador que atua também como gestor, como editor e como professor. Ou do artista que age ora como curador, ora como designer, além de documentar e divulgar o que acontece, criando obras-registros-documentos. E também do produtor que, ao pensar criticamente o circuito da arte, propõe novos modelos de exposição, novos circuitos, outros públicos, parcerias e colaborações.

Esse campo independente, ainda em construção em países da América Latina, parece estar em plena elaboração de outras possibilidades de atuação, que não compartimentem saberes nem estabeleçam funções estanques. Os independentes, de certa maneira, recusam a divisão tradicional do trabalho, criando um campo comum, cuja base é o pensamento crítico sobre o circuito artístico. O desafio enfrentado por esses agentes muitas vezes envolve a conciliação de (aparentes) contradições, constantes revisões de posição e disposição para o aprendizado.

O presente encontro é um momento para debatermos e refletirmos em conjunto sobre essas questões que nos acompanham todos os dias, com a profundidade e o vagar que elas merecem. A independência não é uma bravata. Ela é construção permanente, um caminho que aos poucos vamos pavimentando, incluindo indagações sobre o que queremos do futuro, o que deixamos como legado, como e por quem queremos ser reconhecidos. Muito já foi feito, é hora de pensarmos sobre esse acúmulo e tomarmos para nós mais uma tarefa: a de escrever nossa história – que certamente extrapola a somatória das histórias particulares, endereçando-se às questões mais gerais sobre a produção, a circulação e a reflexão sobre a arte hoje – em nossos próprios termos.

Thais Rivitti
Ateliê397


Artist-curator-manager: the independent power

THAIS RIVITTI

The meeting, The managing artist and the independent power, organized by Ateliê397 in collaboration with Curatoría Forense, is intended to discuss key issues within the field of visual arts today. Issues that arise, deepen or assume different shapes based on the development of the independent circuit.

The first issue concerns the performance of independent players, who often have a radically multifaceted role. It is the curator who also works as a manager, an editor and a teacher. Or the artist who is a curator or a designer at times, and then documents and disseminates what happens, creating works-records-documents. It also concerns the producer, who – by thinking of the art circuit critically – suggests new exhibition models, new circuits, different audiences, partnerships, and collaborations.

This independent field, still under construction in Latin American countries, seems to be creating different possibilities of action, which do not compartmentalize knowledge and do not establish stagnant roles. In a way, independent players reject the traditional division of work, creating a common field, whose basis is critical thinking on the art circuit. The challenge faced by these players often involves the reconciliation of (apparent) contradictions, constant changes of points of view, and willingness to learn.

This meeting is an opportunity to thoroughly and carefully discuss and reflect on issues we deal with every day. Independence is not a display of bravado. It is a permanent construction, a path we gradually tread, including questions about what we want for the future, what we leave as a legacy, and how and by whom we want to be recognized. Much has been done, now it’s time to think about all of that and take on one more task: writing our story, which certainly goes beyond the sum of individual stories, and addressing more general issues on the production, circulation and reflection about art today – as we think fit.

Thais Rivitti
Ateliê397

Posted by Patricia Canetti at 1:49 PM

Corpo-limiar por Mario Gioia

Corpo-limiar

MARIO GIOIA

É das obras mais instigantes presentes em La Nature d’Or. Um gesto gráfico que se desloca à esquerda de um vértice algo nave, algo edifício, rasgando o céu, em preto e branco, pontuado por nuvens extremamente plásticas. A caneta hidrográfica vai formar um volume por cima desse firmamento, meio informe. Na fotogravura feita a posteriori, o tom cinza predominará, mas na matriz-publicação que deu origem ao trabalho, o papel colado, marcado com a intervenção-gesto junto de outros acidentes, gera uma dimensão processual que termina por se estabelecer como um dos eixos potentes na nova individual de Antonio Bokel no Rio de Janeiro.

A robusta obra arquitetônica de Kenzo Tange (1913-2005), que tanto rendeu delírios maravilhosos e utópicos influenciando o agrupamento dos metabolistas como foi elogiada por trazer a tradição construtiva do país oriental a uma modernidade de primeira hora, parece despedaçar-se, desmanchar-se e buscar uma reconstituição a partir da subjetividade hiperfragmentada do autor, que cotidianamente no seu fazer de ateliê se reinventa por meio de linguagens, investigações, abordagens, materiais. O Ginásio Nacional Yoyogi, então, se encontra com o ‘minhocão’ do Rio Comprido.

Como habitante de uma cidade ao mesmo tempo cindida e compartilhada, o artista carioca deixou faz muito um lado mais conhecido de sua produção, aquele em que grafismos e outros procedimentos o aproximavam mais da linguagem da arte da rua. Não à toa, em uma de suas mais irônicas obras, o centro da fotografia registrava o escrito numa parede qualquer: Eu não faço grafite.

De toda forma, a vivência dentro desse lócus complexo vai provocar experiências e desdobramentos de incertas determinações, mas que, ao final, forjam uma poética crispada e não linear. “A experiência urbana é primeiramente corporal. […] O corpo resiste enquanto corpo, ele não se pode furtar a uma relação com o real, com um mundo: ele não pode viver em um real que se parece com ‘qualquer coisa’, em um lugar que é ‘qualquer lugar’, um ‘lugar qualquer’. Não se habita um lugar qualquer, mas um mundo onde, de imediato, dentro e fora, privado e público, interior e exterior estão em ressonância. É preciso ‘ter lugar para existir’ […]” [1], escreve Olivier Mongin.

Em La Nature d’Or, assim, Bokel persiste na lida diária de variadas experimentações. Há, por exemplo, um vídeo, em que os anteriores escritos de sua produção serão transmutados para perguntas, sempre com ironia, sobre a natureza do ofício artístico. É como se o artista extraísse de garatujas, chispas semânticas e outros signos urbanos certa energia, frescor e irreverência, mas retrabalhasse isso por um tempo mais dilatado e devolvesse tal carga por meio outro _ no caso, o audiovisual, hoje onipresente e acessível a todos. A imagem de uma natureza encorpada, inicialmente apreendida como impassível mas na verdade um sítio de contínua transmutação, provoca uma ruidosa recepção a ser apresentada juntamente com as questões trazidas, em forma de legenda, pelo pensamento do autor.

E numa era de circulação maximizada de quase tudo que pudermos imaginar, o artista elege novos vetores na produção pictórica _ esta nunca pura, em constante elos com o desenho, o tridimensional, a colagem, a gravura. Um deles é a superfície da madeira naval, a mais sóbria e ‘isenta’ possível. Outro é o dourado, que pontuará diversas peças em La Nature d’Or, e se espalhará de modos mais detidos ou mais desregrados por todo o recorte.

Em muitos dos dípticos, trípticos e conjuntos, módulos de conteúdos aparentemente assimétricos se ladearão, ganharão pares e associações numerosas. Campos de cor, chassis ‘alisados’, rastros de spray e linhas que emulam os antigos desenhos técnicos criam, assim, novas configurações visuais-conceituais de borradas especificações. Tais quais as fantasmagorias brilhantes que, enigmaticamente, parecem ter se instalado nos priscos retratos de astros hollywoodianos. O brilho (ou a ilusão de) pode se relacionar com outra série, desta vez produzida por Bokel a partir do Instagram. Lumes postiços que, catalisados pela prática multifacetada do artista, têm muito a dizer sobre a nossa essência, mesmo que ela esteja sobreposta, esgarçada, dividida.

NOTAS
[1] MONGIN, Olivier. A Condição Urbana. São Paulo, Estação Liberdade, 2009, p. 242

Posted by Patricia Canetti at 1:14 PM

julho 22, 2015

Canal Contemporâneo: Memórias e Perspectivas por Patricia Canetti

Canal Contemporâneo: Memórias e Perspectivas

PATRICIA CANETTI

Está publicada na PUC-SP a dissertação "Canal Contemporâneo: Memórias e Perspectivas", defendida em 7 de abril de 2015 por Patricia Kunst Canetti, no Mestrado em Tecnologia da Inteligência e Design Digital.

Banca examinadora
Maria Lucia Santaella Braga (Orientador) [PUC-SP]
Sergio Roclaw Basbaum [PUC-SP]
Henrique Antoun [UFRJ]
Giselle Beiguelman (Suplente) [USP]
Marcus Vinicius Fainer Bastos (Suplente) [PUC-SP]

Resumo
Este trabalho faz um levantamento da memória de quatorze anos de existência do Canal Contemporâneo – www.canalcontemporaneo.art.br – e analisa esta memória e seus conceitos adjacentes para apontar as perspectivas deste experimento/pesquisa, que atingiu uma longevidade surpreendente na Internet cultural brasileira. O resgate de sua história e memória coletiva foi feito em três capítulos cujo fio condutor perpassa as seções editoriais, as plataformas e as ações do Canal Contemporâneo. No primeiro capítulo abordamos a sua origem, os primeiros estímulos, conceitos e desdobramentos. Desde então reuniu ações que operam no campo da arte, da política e da comunicação, que apontam para uma perspectiva de narrativa e releitura da arte contemporânea, com um trabalho de Análise de Redes Sociais e Visualização de Dados. O embasamento teórico desta pesquisa que apenas se inicia se firma nos seguintes campos e autores: Visualizações de Dados (Fernanda Viégas, Lev Manovich e Manuel Lima); Taxonomia (Marcia Lei Zeng e Jian Qin); Análise de Redes Sociais (Katherine Faust e Stanley Wasserman) e dos modelos de Grafos Aleatórios (Paul Erdős e Alfréd Rényi), Small-World (Duncan J. Watts e Steven Strogatz), Preferential Attachment (Albert-László Barabási e Réka Albert); História e Sociologia da Arte (Aby Warburg, Alfred Gell e Bruno Latour). Esperamos que a nova experiência compartilhada através deste trabalho possa contribuir para uma visão mais ampla de acervo, arquivo e patrimônio cultural, para as políticas públicas de cultura no Brasil.

Palavras-chave
Internet, memória, redes complexas, visualização de dados, arte contemporânea, história da arte

Posted by Patricia Canetti at 6:15 PM

Re-signagens audiovisuais por Lucas Bambozzi

Re-signagens audiovisuais

LUCAS BAMBOZZI

10ª edição do ON_OFF: Re-signagens audiovisuais, Instituto Itaú Cultural, São Paulo, SP - 24/07/2015 a 26/07/2015

No mundo analógico havia paradigmas interessantes. Havia ruído, quase sempre, tanto em som como em imagem. A informação, tida como sinal, transitava entre circuitos e mídias, se misturando a ruídos. Em termos técnicos, buscava-se a predominância do sinal sobre o ruído. A tal relação sinal-ruído era linha importante nas especificações de equipamento de áudio hi-fi (alta fidelidade). Como o termo não se presta apenas ao mundo técnico, cabe questionar que fidelidade seria essa (em um extremo: ao sinal ou ao ruído?). Essas e outras dicotomias entre o analógico e o digital podem se mostrar irrelevantes.

Em projetos como o ON_OFF, fica mais claro imaginar que o ruído pode ser informação, pode haver algo mais nas entrelinhas dessa “signagem”, e a informação pode ser eloquente e expressiva, mesmo onde o sinal é subtraído, em experiências que retomam elementos essenciais da imagem e do som, onde não cabem mais as oposições entre sinal e ruído, por exemplo.

A programação deste ano arrisca indícios de uma nova configuração do audiovisual ao vivo, em diálogo com possibilidades de enunciação do básico, do que ainda pode haver de específico nessas linguagens, ou “signagens”, como sugerido no título – e retomado ao final deste texto.

Novamente, neste ano temos uma apresentação inicial que despersonifica o artista. Em POWEr, do duo canadense Artificiel, o palco encontra-se vazio. O que vemos é talvez a situação mais emblemática possível para um projeto como o ON_OFF: uma faísca, capturada em plena descarga de uma grande bobina de Tesla. O acender e o apagar daquilo que é a essência fundamental dessas artes: a eletricidade. Através dela, aí sim, o transistor, o chip, a projeção, os zeros e uns do digital, a manipulação do ritmo, a suspensão do tempo, a construção de sentido.

Na segunda noite temos uma apresentação que busca a essência da imagem: luz e sombra. Luz como partícula, como matéria em trânsito no espaço, visível, perceptível, tátil, como material bruto (e leve ao mesmo tempo), em estado essencial. O duo Mirella x Muep realizam uma performance inédita, em formato duplo, em cores de tonalidades igualmente básicas: Branco e Chumbo. O projeto encerra sua Trilogia das Cores (Branco, Cinza e Chumbo – de certa forma, entendidas como não-cores), em uma narrativa audiovisual criada a partir de luz e som. Segundo os autores, uma cor que não é considerada cor pode transitar por locais múltiplos e consequentemente mais profundos e complexos, sem que lhe atribuam características pré-definidas ou estigmas que as encarceram. Uma 'não cor', pode possuir em si todo o espectro visível e invisível. É dado o espaço e o tempo para se imaginar. Há algo da alegoria da caverna de Platão, em um ambiente imersivo, hipnótico, preenchido pelos elementos mais primordiais do cinema.

Na terceira noite, temos elementos de distinção e classificação. Os reinos essenciais e um modelo de divisão: o mundo reduzido a mineral, vegetal e animal. Em uma espécie de laboratório montado no palco, Fernando Velázquez não segue o modelo de Linnaeus do século XVII, mas se vale dele como artifício para criar um inventário em tempo real, explorando as qualidades visíveis e invisíveis de seres e coisas, em formas de captura e sampleamento que se cruzam em circuitos analógicos e digitais, para além de suas "naturezas" previas. Nessa apresentação também inédita, intitulada Reino, Velázquez questiona o digital, em arguições endereçadas aos pensadores de suas especificidades – e as respostas são parte integrante da performance.O meio, em suas linguagens limítrofes, buscando escapar de categorias estanques, produzindo sentido justamente em sua ecologia de signos. A última apresentação é do duo Tetine, com o projeto The 4th World, também desenvolvido especialmente para o ON_OFF. O trabalho evoca as promessas de futuro que permeiam o imaginário ligado às tecnologias. Como ilusão ou como falácia, é um 'futuro-mentira' que nunca chega, a expectativa típica de um mundo temeroso, incerto.

O Tetine pensa imagem e som a partir de conceitos intercambiantes, que vão alimentar e conduzir tanto um como outro. Elementos formalistas, cotidianos, textuais, motivos teóricos, tudo tende a ser desconstruído tanto em termos de sons como em imagens. Em um cenário eco-catastrófico, em situações de precariedade, toma lugar a impossibilidade de ‘troca’ (afetiva, cultural, psicológica, linguística ou emocional).

De certa forma The 4th World enseja também uma volta ao básico. São grandes questões, essenciais, que pedem por alguma transcendência, no tempo presente, e não no futuro. Para dar conta desse discurso, o verbo pede auxílio a outros elementos de linguagem, visual e sonora.

Pois bem, 'signagem' foi um termo difundido por Décio Pignatari para se referir a códigos icônicos e audiovisuais, que se diferenciariam dos códigos verbais. Aqui a referência teria a ver com construções onde o sentido é criado a partir do atrito de referências, em confluências de signos, em busca de uma relação sinal-ruído que permite que tudo signifique, de forma expressiva. Um complexo 'intersigno', como queria o poeta e semioticista.

Se o contexto e objeto da 'signagem pignatariana' era a TV, aqui é um conjunto de experiências visuais, que retomam formas expressivas sempre rejeitadas pela TV: o tempo morto (!?), a imagem incompleta, o intercâmbio som-imagem, a economia verbal, o flerte com funções cinemáticas essenciais, o encontro social como parte da fruição audiovisual, um desejo de sinestesia, a partilha de sensibilidades nesse processo todo.

Temos então um conjunto de apresentações que retomam a natureza eletro-eletrônica embutida no digital. São fabulações em torno dos meios, da ecologia das mídias, da representação possível a partir de uma redução voluntária da informação. De volta ao básico, a uma essência perdida nos discursos de sedução. Em processos de experimentação genuína, nos convidam a separar os meios de seu discurso automatizado.

Posted by Patricia Canetti at 4:55 PM

julho 21, 2015

A imagem lançada na retina por Diógenes Moura

A imagem lançada na retina

DIÓGENES MOURA

Meu pai, João, era cego. A última vez que o encontrei ele pediu que o levasse até a porta da sala para que pudesse ouvir o vento mais de perto. Depois me perguntou quantos passos seria preciso para chegar do outro lado da rua, o que havia entre um lado e outro e se o caminho teria curvas porque ele precisaria inventar um percurso para as imagens descritas e outras que restavam na sua lembrança. Não suportaria que o “barulho” poluísse a descrição. Seus olhos eram as mãos para equilibrar-se dentro da visão do seu mundo privado. Atravessou mais de cinco décadas selecionando um mundo imagético com o qual fosse possível conviver, dividir o espaço entre o seu corpo, o sofá, a poltrona onde ouvia música, os cantos da casa. Sempre precisou de silêncio para entender o que estava diante dos seus olhos. Do contrário, o barulho do dia poderia transformar-se em matéria (quase tátil) naquele mundo simbólico. Sua vida passou a ser a ideia de uma imagem a partir da voz de outra pessoa.Quando Ricardo Barcellos me contou sobre O Universo Azul é uma Cabine dois mundos se encontraram: o meu tumultuado mundo exterior (visível/carnal) e o de João, interior, construído a partir das palavras dos que estavam ao seu lado. Engana-se quem pensa que o meu mundo seria capaz de produzir mais imagens do que o dele.

Barcellos chegou ao mundo dos cegos para tentar entender e “suportar” o alto volume das imagens que nos atingem um segundo atrás do outro, como sombras. Partiu de um repertório fotográfico para propor situações de risco, desafiando a elaboração imagética e tendo como sensor um modelo mental que poderá ultrapassar a terceira dimensão. Quem vê o quê?“Informações massificantes precisam ser desvendadas para que possamos vencer o caos”, afirmou o compositor Sérgio Sá, 63 anos, cego congênito, um dos entrevistados para o projeto. Esse, o filtro proposto: quem suporta ver em abundância e quem precisa de informações para construir uma paisagem imediata? Algo que o sistema paraconsciente leva para a cultura da visão. O que está diante dos nossos olhos: uma nuvem ou uma bolha de sabão?

O Universo Azul é uma Cabine trata de imagens decodificadas. Um: a mesa rompida em partes onde cada quina tocará o dedo da visão não construída. Dois: horizontes na fronteira da imaginação: como será o azul? Objetos têm cheiro? A cor possui som? Como tocar a linha do horizonte? Três: a lua projetada e ao mesmo tempo, diluída: entre a fumaça/nuvem o que permanecerá entre o que estamos vendo e a solidão cósmica? Quatro: a descoberta da paisagem nas pontas dos dedos. A imaginação impressa em 3D onde o relevo vence a fotografia digital: aqui será o toque o protagonista do pensamento/visão. Cinco: dentro de um cubo transeuntes aparecem e somem entre o real e o imaginário: “Quem não vê percebe o corpo que ocupa um espaço. Quem vê percebe o corpo como se fosse uma imagem ambulante”, diz o artista procurando um caminho entre o que é volátil e o que poderá ser perpétuo. Seis. O pânico das imagens bombardeadas. Os olhos do autor tentam perceber a dor dos outros. Daqueles que depois da cegueira voltam a enxergar e sucumbem ao conflito estre os dois extremos, o que poderá resultar em depressão e morte.

O Universo Azul é uma Cabine é um experimento entre palavras, matéria, coisas e paisagens que tentam se equilibrar no limite do que é palpável e do que deixa de ser. Algo como tocar um objeto descrito à distância ou tentar conviver com a “realidade” de imagens lançadas em direção à nossa retina.

Diógenes Moura
Escritor e Curador de Fotografia

Posted by Patricia Canetti at 10:11 AM

julho 17, 2015

Um olhar mais sensível para o mundo por Felipe Scovino

Um olhar mais sensível para o mundo

FELIPE SCOVINO

FICC 2015: 1 + 1 = 3, Museu de Arte Contemporânea de Campinas - MACC, Campinas, SP - 24/04/2015 a 24/05/2015

As exposições de Sylvia Furegatti, Hebert Gouvea e do Pparalelo possuem em comum o caráter de se constituírem como ações colaborativas, entendendo o processo artístico como um processo de doação entre sujeitos. Quero afirmar que entendo as criações poéticas aqui exibidas como corpos metafóricos, e mais do que isso, como entidades orgânicas que precisam estabelecer redes de troca para se constituírem finalmente como presença no mundo.

Com base nesses modelos tangíveis de sociabilidade, os artistas buscaram reorientar sua prática, sem abdicar da expertise técnica ou da produção de objetos em especial nos casos de Furegatti e Gouvea, em direção a um processo de troca intersubjetiva. Os desenhos sob a “pele” das plantas, em meio a um arquipélago, põem em suspenso o tempo e o espaço do museu pois nos é sugerido o convívio e a descoberta com aquele coletivo orgânico assim como acontece com o aspecto de camuflagem, reflexo e jogo óptico que paira sobre as estampas de diferentes matrizes, criando um diálogo arquitetônico com o espaço e o corpo do espectador.

Em todas as três exposições, o interesse foi diminuir o estranhamento e acentuar práticas colaborativas desafiando a territorialização da identidade convencional com uma compreensão plural e polifônica do sujeito. Ao enfatizarem que o Pparalelo não é um coletivo de artistas mas um corpo mutável que se faz através de ideias e da doação de todos que participam em torno daquele projeto momentâneo, ficamos diante de um dilema importante para as artes visuais na contemporaneidade: os participantes do Pparalelo, fixos ou temporários, acabam por afirmar que o artista não atua como “artista político”, mas como um artista que “faz arte politicamente”. Se pensarmos numa função para a arte, ela reside precisamente na sua habilidade de desestabilizar e criticar as formas convencionais (ou distorcidas) de representação e identidade. Portanto, ficaram evidentes nas ações colaborativas desses artistas que a arte não tem, de fato, qualquer conteúdo positivo, mas é o produto de uma forma intensamente somática de conhecimento: a troca de gesto e de expressão, e as complexas relações que regem a comunicação entre os indivíduos e a maneira pela qual elas são registradas no corpo.

O efeito da prática da proposta colaborativa, tanto espacial quanto processual, assim como o aspecto de organicidade que compõe os trabalhos desses artistas são elementos que refletem sobre um estado que se converte de forma cada vez mais madura sobre o caráter interdisciplinar da arte, isto é, perceber o fenômeno artístico não apenas como um objeto estético mas fundamentalmente como um estímulo que gera um grau de autorreflexão sobre o estado das coisas no mundo. Perceber a delicadeza e a qualidade corpórea das plantas ou dos tecidos e chamar a atenção para a própria troca como práxis criativa e elemento de câmbio social nos permite ao menos ter uma visão menos dura sobre a realidade, torno o nosso olhar mais sensível ao que acontece ao redor. E isso definitivamente não é pouca coisa.

Posted by Patricia Canetti at 7:58 PM

julho 16, 2015

Iole de Freitas - O peso de cada um por Ligia Canongia

Iole de Freitas - O peso de cada um

LIGIA CANONGIA

A exposição O peso de cada um representa uma guinada na obra que Iole de Freitas vinha desenvolvendo até o início de 2014. Às placas de policarbonato anteriores a artista substitui lâminas de aço inoxidável, cuja resistência é maior e a maleabilidade, difícil, exigindo torções mais intensas e cálculos cirúrgicos de engenharia, justo em função da rigidez e do peso do material.

Apesar das especificidades da matéria, as esculturas são, no entanto, suspensas no ar, evoluem no espaço como uma dança aérea imponderável, contrapondo a seu peso original a ideia de leveza e movimento. A linha tênue entre o gestual e o geométrico ou entre a expressividade e a precisão formal, que sempre acompanhou o conjunto da obra, permanece nas peças atuais, mas com a recuperação inesperada dos reflexos e espelhamentos que a artista utilizava nos trabalhos dos anos 1970, quando iniciou a carreira.

De sua formação no mundo da dança, Iole de Freitas guardou o valor dos deslocamentos e da elasticidade que os gestos corporais ativam no espaço, assim como o caráter ao mesmo tempo preciso e volúvel dos cruzamentos entre as formas e o ambiente. Dessa forma, a escolha dos suportes findou por acompanhar conceitualmente a própria concepção das obras, selecionando matérias moldáveis, transparentes ou imateriais, que apresentavam características aéreas e fugazes.

O uso das placas resistentes do aço inox, portanto, surge agora como um desafio para o raciocínio do trabalho, demandando novos arranjos formais, maior dispêndio de forças para a manutenção de seu equilíbrio, tensões mais arrojadas entre a escultura e o lugar, acuidade nas questões rítmicas e cinemáticas da obra, além de um embate mais enfático entre o lírico e o estrutural.

A dualidade entre espelhamento e opacidade, estados que se alternam nas faces da lâmina, descreve simultaneamente um corpo rígido e fluido, que ora integra e absorve a realidade exterior, ora se afirma como substância concreta e limite ao olhar. À imagem móvel que já se tinha das esculturas no espaço acrescenta-se, assim, mais um índice de sua volatilidade perceptiva.

A obra, afinal, inscreve constantemente um campo ambíguo, que, em última instância, flutua entre o gosto clássico e o espírito pré-romântico iluministas, no debate entre o exame racional das formas e a exuberância lírica, com a liberdade conjugada às exigências de um método.

Posted by Patricia Canetti at 9:50 AM

julho 14, 2015

O tempo e os tempos por Daniela Bousso

O tempo e os tempos

DANIELA BOUSSO

O tempo e os tempos, Galeria Carbono, São Paulo, SP - 28/05/2015 a 18/07/2015

O percurso do meio fotográfico vem ligado à história das técnicas e da reprodutibilidade e passa por três grandes revoluções que marcaram a vida do homem moderno: a revolução industrial no Sec. XIX que trará a fotografia seguida do cinema em 1895, a revolução eletro-eletrônica no Sec. XX e a revolução digital a partir dos anos 1970.

Com a revolução eletro-eletrônica, logo nas primeiras décadas do Sec. XX vem o rádio e mais tarde a TV. A videoarte nasce após o aparecimento da televisão; eis uma mídia de matriz fotográfica que emerge de um lugar de passagem entre fotografia, cinema e TV.

Uma transformação radical do sistema de representação em sistema de imagens era operado por Warhol e pela Pop Arte a partir dos procedimentos ligados à fotografia nos anos 60, quando foram alavancadas as estratégias de serialidade das imagens. Mas todos estes meios pertencem, ainda, ao território do fotográfico.

Para Antonio Fatorelli, são “mídias de base fotoquímica que terão as suas singularidades redefinidas e problematizadas com as tecnologias informáticas”.

A era do digital é inaugurada a partir de 1970 e a seguir as décadas de 80 e 90 – com a entrada dos PCs de forma mais radical no mercado informático – recolocam os meios fotográficos, cinematográficos e videográficos em xeque. Segundo Fatorelli,

a passagem do sinal de luz para o sinal eletrônico marca a transição da modernidade para a contemporaneidade, colocando em perspectiva os valores materiais e simbólicos associados à representação fotocinematográfica baseada no modo analógico de inscrição, projeção e difusão da imagem.

Hoje na era do pós-fotográfico as possibilidades de manipulação da fotografia, propiciadas pelas imagens algorítmicas, ou de síntese numérica do digital, nos colocam diante de paisagens ficiconais, mundos inventados e alterados com suas formas, lugares e cores modificados. Nunca mais poderemos afirmar com convicção que o que estamos vendo em uma fotografia seja uma prova do real ou mesmo um documento, que possa atestar qualquer tipo de verdade.

Ao abordarmos a história da recepção e a da percepção mediadas pela fotografia, pelo cinema e pelo vídeo, a ideia foi contextualizar o que está presente aqui e também indagar: de que modo os curadores podem produzir espaços instigantes para a experiência de cada um e não só na estética?

Os 16 artistas que apresentamos friccionam as passagens entre os meios e trabalham com questões referentes ao tempo, à urbanidade e a conflitos, tais como o do meio ambiente e seus embates.

“O tempo e os tempos” é uma exposição que buscou articular parte da produção artistística que gera tensões e trabalha com a perspectiva de contágio e de intersecção entre diferentes linguagens. Estas obras confirmam que a fotografia não parou de se reiventar. Se no Sec. XIX a sua querela era com a pintura e posteriromente ela duelou com o cinema, agora ela negocia com o cinema e com o video.

O legado da fotografia tem sido fundamental para a transformação radical das artes. Ela expandiu a arte a um grau de flexibilidade só concebível em nossos dias. Tudo isto incide sobre o caráter híbrido da arte contemporânea, aonde as fronteiras entre e os meios tem estado cada vez mais difusas, cobrindo a arte de complexidade.

É neste jogo imbricado das mudanças e dos deslocamentos ocorridos entre os anos 1970 e hoje que foi pensada esta exposição. Aqui nos deparamos não só com experimentos artísticos que explodem limites em relação à fotografia e ao vídeo, mas estamos diante de uma arte capaz de expressar vozes coletivas, via um cotidiano colocado em relação com os conflitos da realidade.

Assim esta arte, que lida com os intervalos entre possibilidade e impossibilidade, nos abre um campo de percepção ampliada e pode ser lida como vetor de mediação e transformação dos espaços pessoais, transpostos para o universo dialético da experiência social.

Daniela Bousso
Maio de 2015

Posted by Patricia Canetti at 8:14 AM

julho 6, 2015

Paisagem opaca por Felipe Chaimovich

Paisagem opaca

FELIPE CHAIMOVICH

Como o mundo aparece para nós? Por um lado, as obras de paisagem representam diversos lugares. Por outro, cada artista também se posiciona ao criar uma paisagem, pois figura um local a partir de seu ponto de vista. A paisagem mostra o encontro do artista com o mundo percebido por ele.

Entretanto, as obras de paisagem podem ser consideradas meros reflexos, como se a subjetividade do artista não fizesse parte de sua obra. Nas paisagens em perspectiva, nas fotos e nos filmes, temos a ilusão de ver diretamente a realidade, como se uma janela se abrisse para o mundo: esquecemos o enquadramento artificial e o ponto de vista escolhido.

Para romper com o ilusionismo da paisagem, vários artistas abandonaram as construções em perspectiva e as imagens fotográficas com profundidade visual para explorarem imagens planas. Em vez de janelas, aproximam-se dos mapas, evidenciando a artificialidade das próprias obras. Nesse sentido, os lugares são figurados em primeiro plano, não havendo uma fuga do olhar para o horizonte ao longe: a visão passeia apenas pela superfície opaca.

Reunimos aqui obras da coleção do MAM que exploram a paisagem no primeiro plano, revelando a subjetividade de cada artista na construção de sua visão de mundo. Essas peças se abrem ao mesmo tempo para fora e para dentro, mostrando que olhar o mundo é uma forma de se posicionar nele.

Posted by Patricia Canetti at 10:39 AM

Guignard e o arquipélago moderno no Brasil por Paulo Sergio Duarte

Guignard e o arquipélago moderno no Brasil

PAULO SERGIO DUARTE

Alberto da Veiga Guignard - Guignard - a memória plástica do Brasil moderno, Museu de Arte Moderna de São Paulo - MAM SP, São Paulo, SP - 08/07/2015 a 11/09/2015

Um dos férteis caminhos para se pensar a formação da arte moderna no Brasil é uma metáfora geológica. Imaginemos um arquipélago em formação, com ilhas de diferentes altitudes, umas mais elevadas, outras menos. Estamos bem antes de um território contínuo, de um continente, como veremos se formar a partir dos anos 1950, com a assimilação das linguagens construtivas do segundo pós-guerra, no qual as linguagens das obras promovem um intenso diálogo entre si, independentemente das relações pessoais entre os artistas.

A ideia do arquipélago vem do caráter idiossincrático das linguagens exploradas, já modernas, que,entretanto,não conversam umas com as outras, cada umabuscando seu próprio caminho. Poderíamos pensar o início da formação desse arquipélago com algumas ilhas já decididamente modernas, por exemplo, Almeida Júnior (1851-1899), Castagneto (1851-1900), Eliseu Visconti (1866-1944), essas ilhas irão se multiplicar com Anita Malfatti (1889-1964), Tarsila do Amaral (1886-1973), Lasar Segall (1891-1957), Goeldi (1895-1961), Di Cavalcanti (1897-1976), Vicente do Rego Monteiro (1899-1970), Ismael Nery (1900-1934), Pancetti (1902-1958), Candido Portinari (1903-1962), Cícero Dias (1907-2003), entre tantos outros. Para o impulso multiplicador, teve papel importante, entre outros fatores, uma vontade de ser moderna, que aflige a cultura brasileira ao longo das primeiras décadas do século passado e se consubstancia na Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo. Trata-se, agora, não só de experiências modernas isoladas – como os romances de Machado de Assis e Lima Barreto, ou a poesia dos simbolistas Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens –, mas também de uma atitude de combate sistemático, conduzida por artistas, escritores e intelectuais, contra os valores acadêmicos que ofereciam obstáculo à modernidade. Entre as ilhas modernas desse arquipélago, encontra-se uma de elevada altitude: a obra de Alberto da Veiga Guignard (Nova Friburgo, RJ, 1896 – Belo Horizonte, MG, 1962).

O lirismo de Guignard é único em nossa modernidade. As paisagens e festas que muitas vezes fazem flutuar – numa atmosfera azul acinzentado, às vezes muito escuro – edificações, casas, igrejas, junto a balões, parecem expor uma fenomenologia do aparecimento, tal como os desenhos e monotipias de Mira Schendel, e as pinturas de Rothko. É como se a arte flagrasse o momento em que as coisas surgem, antes mesmo de encontrarem seu lugar definitivo em um terreno. Os retratos de Guignard, juntamente com as paisagens, são outros capítulos privilegiados da obra do artista.

Seriam muitos os retratos em que poderíamos nos deter, mas os autorretratos, perseguidamente realizados ao longo de décadas, apontam para o lábio leporino que, segundo seus biógrafos, interferiu decisivamente em sua existência, particularmente, na vida amorosa. Mas, surpreendentemente, não se intrometeu na vida do educador. Guignard foi um grande formador de artistas, utilizando-se de gestos e da voz deformada pela deficiência; era capaz de ensinar e, de suas escolas, saíram grandes artistas, antes no Rio de Janeiro e, particularmente, na experiência desenvolvida em Belo Horizonte, a partir de 1944, convidado pelo prefeito Juscelino Kubitschek. Das lições de Guignard, é preciso lembrar aquelas do desenho, recordadas por um dos nossos maiores artistas, seu discípulo Amilcar de Castro, sobre o uso do lápis duro, o grafite seco que não permitia correções. Errou, tem que assumir. E, segundo Amilcar, do desenho ensinado por Guignard, deriva toda sua obra escultórica. Não é pouco.

Diz-se que sua obra é decorativa; Matisse também foi um grande revolucionário decorativo. Agradar aos olhos, hoje, pode ser um pecado, mas, quando uma grande obra se emancipa na modernidade, trazendo prazer à contemplação, e apresenta, com ela, momentos de reflexão junto com o prazer de olhar, é tudo de que precisamos. Aqui, ela está apresentada, com momentos de alguns de seus contemporâneos. Espera-se que o prazer de olhar seja acompanhado pelo gozo do pensar.

Paulo Sergio Duarte
Curador

Posted by Patricia Canetti at 10:05 AM