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abril 28, 2013

Um corpo inteirum por Kennedy Saldanha

Um corpo inteirum

KENNEDY SALDANHA

Caminhando, Centro Cultural Banco do Nordeste, Fortaleza, CE - 17/04/2013 a 17/05/2013

O corpo pleno sem órgãos é um corpo povoado de multiplicidades” Antonin Artaud

“Escrevo para apagar meu nome”, assim escreveu Georges Bataille. Em seu livro A História do Olho ele busca se libertar da ótica do proibido,valendo-se danatureza pervertida de seus personagens numa sociedade moralmente decadente. O desejo de ser outro, que sempre lhe acompanhou, encontra nesta históriao conforto para o contraditório que tanto lhe atormentava.Tudo isso contido nas linhas e entrelinhas de seus permissivos amantes - personagens sem nenhum pudor.Um corpo sem medo. Um corpo objeto. A natureza sensorial sem limites.

Uma sensorialidade que se contrapõe ao ‘não corpo’ de AntoninArtaud, o corpo sem órgãos, o corpo destituído de convenções, de qualquer relação imposta pelo patriarcado. Um corpo que não necessita de um corpo para sê-lo. Artaud parte da sua experiência de dor, de um corpo problema, um corpo esquizofrênico que não cabia mais no seu propósito artístico de ir além da matéria. Esta matéria peso, senilidade, tortura. A perversão (expurgo) de Bataille e a crueldade (negação/ afirmação) de Artaud, ao falarem sobre este dispositivo por onde o ser se manifesta,ainda hoje encontra ressonância na constituição do contemporâneo e suas formas de propor arte.

Artaud e Bataille dialogam na particularidade de suas vidas com a multiplicidade daquilo que não mais vos pertencem:o corpo. O não corpo de Artaud, delicadamente exposto a sua própria dor e a sensorialidade instintiva,destituída de valores e sem nenhum caráter, de Bataille. O que lhes salva da rigidez agônica dos padrões comportamentais é justamente a possibilidade da negação de sí, enquanto homem, para reencontrar-se na arte completamente metamorfoseado de outros sentidos.

Para falar deste corpo na contemporaneidade,Pierre Weil construiu umbreve tratado sobre a linguagem silenciosa presente na comunicação não verbal. Em seu livro, O Corpo Fala, ele costura os mais diversos caminhos da subjetividade e seus atos comunicativos que podem ser produzidos pelo individuo na vida em comunidade.Para ele, ocorpo não necessita da palavra para afirmar-se, o corpo é dotado de expressão e significados,pois seu conjunto gestual transcende a lógica de métodos específicos por onde nascem as palavras.

E na arte?
Como este corpo pode ser lido, compreendido, atravessado?
O corpo enquanto obra é ausente de palavras?
Estaria ele ausente de sentidos?

Nas artes visuais, um corpo que se conceitua para ser exposto, deixa de ser apenas corpo. Ele vai além de uma dinâmica reducionista, ele é processo. E sendo processo, torna-se um conjunto multifacetado de apropriações que vão da matéria do qual ele é constituído, as matérias pelas quais ele é reinventado. Assim sendo, ele constrói a sua volta todo um abecedário imagético, para que possa ser lido na sua extensão, compreendido na sua dimensão e atravessado na sua conceituação. Corpo Aplicado. Corpo Implicado. Performaticamenteimbricado. Comunicante, verbo reverberante,proponente de caminhos aos olhos do espectador.Caminhos que também podem ser a negação completa de entendimento do caminho do artista, já que a capacidade fruítiva não se adéqua a moldes de apreciação.

O corpo enquanto elemento subjetivo é experiência e experimento artístico, pois seu caráter intervencionista, intimo, personificador de outras linguagens e tessituras vai além da formalidade cotidiana. Engendrado na lógica expositiva do espaço público, o corpo/obra ou a obra/corpo, ganha a dimensão do que se propõe e é nesta troca que verdadeiramente o corpo é processado, liquidificado a ponto de não ser mais corpo, de ser objeto, arte.

Internalizado em seu processo de desconstrução artística, o corpo constitui um legado ativo para a desinstrumentalização do que entendemos pela lógica dos sentidos.

Kennedy Saldanha


Referências Bibliográficas

BATAILLE, George. A história do olho e minha mãe. São Paulo: Livros do Brasil.1988
ARTAUD, Antonie. Eu, Antoine Artaud. São Paulo: Assirio Alvim, 2007
WEILL, Pierre. O corpo fala. São Paulo: Editora Vozes. 1986
JEUDY, Henri-Pierre. O corpo como obra de arte. São Paulo: Estação Liberdade, 2002
OLIVEIRA JUNIOR, Antonio Wellington. O corpo implicado. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2011.

Posted by Patricia Canetti at 7:37 PM

Sobre o corpo e o corporal e a curadoria em questão por Cecília Bedê

Sobre o corpo e o corporal e a curadoria em questão

CECÍLIA BEDÊ

Caminhando, Centro Cultural Banco do Nordeste, Fortaleza, CE - 17/04/2013 a 17/05/2013

Na enciclopédia virtual Wikipédia, encontramos a definição e contextualização histórica para a “BodyArt” (do inglês, arte do corpo): “é uma manifestação das artes visuais onde o corpo do artista é tomado como suporte ou meio de expressão. O espectador pode atuar não apenas de forma passiva, mas também como voyeur ou agente interativo. As obras de bodyart, como criações conceituais, são um convite à reflexão. Foi na década de 1960 que essa forma de arte se popularizou e se espalhou pelo mundo. Há casos em que a bodyart assume o papel de ritual ou apresentação pública, apresentando, portanto, ligações com o Happening e a Performance. Outras vezes, sua comunicação com o público se dá através de documentação, por meio de vídeos ou fotografia. Suas origens encontram referências no início do séc.XX, na premissa de Marcel Duchamp em que "tudo pode ser usado como uma obra de arte", inclusive o corpo. Além de Duchamp, podem ser considerados precursores da bodyart o francês Yves Klein, que usava corpos femininos como "pincéis vivos", o americano VitoAcconci e o italiano Piero Manzoni”. Antes de justificar a citação da Wikipédia, traçarei o percurso que nos fez chegar até o corpo.

Durante os primeiros encontros do Grupo de Estudos Processos de Curadoria, estudamos mais diretamente sobre o processo de trabalho do curador e a construção de curadorias. Esse processo foi nos envolvendo a ponto de naturalmente nos fazer vivenciá-lo na pele, já que o objetivo final da formação do grupo era a elaboração de uma exposição. Visitamos o acervo do CCBNB - concomitantemente às discussões sobre os textos - com a finalidade de conhecer as obras e escolher algumas para trabalharmos. Diante do pouco espaço da reserva técnica e devido às mudanças pelas quais o centro cultural estava passando, acabamos por ver poucas obras, talvez as mais recentes a comporem o acervo. Mas, apesar do pequeno leque, algo se colocou a nossa frente e nos tomou de assalto: o corpo presente. Os artistas são: Amanda Melo, Carlos Melo, Cristiano Lenhardt, Juliana Notari, Nino Cais, Marina de Botas, Rodrigo Braga, Solon Ribeiro, Thiago Martins de Melo, Waléria Américo e Yuri Firmeza.

De alguma forma, todas as obras vistas contêm, insinuam, indicam ou convidam um corpo. Em muitas o corpo do próprio artista se faz presente, em outras, apenas uma idéia de biografia e intimidade do artista, noutras um convite ao corpo para uma experiência. Essa reunião inicialmente aleatória acaba por se tornar uma rede onde nos sentimos provocados a desvendar, logo, assumimos o tema surgido ao acaso como a crise a ser vivenciada enquanto grupo de curadores. A partir daí começamos uma busca intensa pelo corpo na arte.

Em um primeiro momento, o que vem logo em nossa memória é exatamente o que diz respeito à citação acima, da Wikipédia. A “arte do corpo”, assim como que classificada, do tipo “ismo”, é datada. A partir dos anos 50 já se falava, registrava e vivenciava experiências com o corpo. Em se tratando de obras consideradas contemporâneas, e mais especificamente nas obras que escolhemos como ponto de partida, o que pode ser absorvido como novo, diante da ainda utilização do corpo?Foi ai que chegamos ao texto: “Afinal, o que há por trás da coisa corporal?” de Suely Rolnik, onde a autora traz uma provocação, chamando a atenção para os trabalhos contemporâneos que evocam não o “corpo”, mas sim a “coisa corporal”. A imagem do corpo, a literalidade dele, ele como um suporte quase técnico. Então, deixa no ar a pergunta: onde está o corpo de fato nessas obras? Essa é a pergunta que nos move e que queremos provocar com a exposição.

Em alguns momentos, destacamos frentes que nos levavam ao discurso da exposição.Foram elas: o corpo implicado, a presença do artista ou a sua intimidade, o personagem e a proposição. Questões que, de certa forma, perpassam todas as obras aqui trabalhadas. Com tudo isso, fizemos um passeio por textos que alimentaram nossas percepções sobre o assunto.

“O que pode o corpo?” pergunta Solon Ribeiro em seu texto com mesmo título. Qual a intenção? Horrorizar o espectador, ultrapassar limites, correr riscos, autoflagelar-se? Trata-se de ume energia reprimida ou uma purificação? Suely Rolnik também convoca tais questões quando classifica o corpo na arte contemporânea como tendo dois pólos, o masoquista e o exibicionista. O que seria mais profundo do que o corpo? Os dois incitam. No livro “O corpo como objeto de arte” deHenry-Pierre Jeudy, vemos o uso do corpo como objeto de sedução para o outro, para uma sociabilidade, imortalizado pelo status da arte, o intocável, o mito.

Depois desses posicionamentos mais críticos diante de uma produção artística, nos deparamos com teorias sobre o pensamentodo corpo. Em Davi Lebreton colocamos o pensar o corpo em uma posição ambígua, “pensar o corpo é pensar o mundo”, é operar no mundo e, porque não, inventar o mundo. Trabalhar o corpo significa passar da esfera do dizível para a do realizável. A pergunta não é o que isso quer dizer, mas sim, o que isso faz?

Após analisarmos a ação (esfera do realizável) do corpo, chegamos ao texto de David Lapoujade: O Corpo que não agüenta mais: “O que pode o corpo se refere não à atividade do corpo, mas a sua potência. Mas podemos interrogar a potência do corpo sem invocar o ato que exprimirá esta potência?” Voltamos então às obras escolhidas.Poderíamos nos questionar sobre as potências dos corpos presentes, sem terem elas evocado nosso olhar para os mesmos? “É depois do ato, ou do agente, que a potência é revelada como tal”.

Onde encontrar a potência então? Da modernidade para cá, vemos na arte o corpo passar por dramáticas transformações, onde parece que, para encontrar-se potencialmente, é necessário diminuir-se, deformar-se etc. Chegar até a “lama molecular” (para Deleuze é o último estado do corpo, último nível) para se constituir resistência e assim, potência. O corpo não agüenta mais aquilo que vem de fora, a disciplina Foucaultiana e o adestramento Nietzschiano,o que vem de dentro, o assujeitamento, a interiorização do instinto humano. “É na sua resistência a estas formas vindas de fora e que se impõe ao dentro para organiza-loe lhe impor uma alma, que o corpo exprime uma potência própria. “

Voltamos a um ponto importante discutido nos encontros;ponto implicado na palavra resistência. Em “A Sobrevivência dos Vagalumes”, Didi-Huberman nos provoca a sermos Vagalumes, ou seja, resistências diante do poder dominante da sociedade do espetáculo. Esta provocação, levamos ao ato da curadoria, que deve agir por uma autonomia da subjetividade da obra, ser vagalume no circuito dominante da arte contemporânea, hoje poderosamente mercadológica.

A exposição se chama “Caminhando”, título que faz referência à obra da artista Lygia Clark, que marca um momento importante da arte contemporânea brasileira, quando o corpo passa a não ter mais um papel coadjuvante. Com ela queremos, então, trazer ao espectadornão a resposta, mas sim a pergunta: o que há de mais profundo do que o próprio corpo do artista nas obras em questão?

O caminho percorrido aqui por este texto tem o objetivo não apenas de trazer argumentos para a exposição, mas principalmente de deixar registrado o processo de trabalho do Grupo de Estudos Processos de Curadoria, que tem na mostra “Caminhando”, um lugar de decantação das idéias trabalhadas e alcançadas durante os encontros. O percurso do grupo inclui:leituras e pesquisas coletivas, debates, encontros com artistas, visitas ao acervo e às exposições do centro cultural, produção de textos críticos, seleção de obras e elaboração do projeto da exposição. A intenção foi passar por todo o processo de trabalho de um curador e se deparar com questões, problemas e soluções que este profissional pode vir a encontrar em seu caminho. Vivenciamos a experiência de fazer curadoria e mais do que isso, tivemos a oportunidade de colocar a atividade em questão.

“O que exatamente vocês fazem quando fazem ou esperam fazer curadoria?” é o título da vídeo-instalação dos artistas Yuri Firmeza e Pablo Lobato – que tivemos a oportunidade de ver no CCBNB –e é também a pergunta que se faz hoje. Durante os estudos do Grupo chegamos a quase-respostas, ao encontrarmos depoimentos, entrevistas e falas de curadores, porém, só nos deparamos com algo próximo ao entendimento da curadoria quando nos enxergamos fazendo uma. Percebemos que a busca pelo conhecimento da atividade do curador nos levou a penetrar nela mesma e com isso chegamos à inevitável conseqüência de tanta procura, à exposição.

Cecília Bedê, 2013

Posted by Patricia Canetti at 7:35 PM

abril 17, 2013

25 25S 49 15W / 52 30N 5 56W por Agnaldo Farias

25 25S 49 15W / 52 30N 5 56W

AGNALDO FARIAS

Katinka Pilscheur e Tony Camargo - 25 25S 49 15W / 52 30N 5 56W, Sim Galeria, Curitiba, PR - 19/04/2013 a 25/05/2013

Afirmando seu interesse em estabelecer contatos, propiciar confrontos, catalisar fricções, SIM, menos um nome que uma declaração de princípios, convida dois artistas de procedências e formação bem distintas - uma alemã e um brasileiro -, para compor uma mesma exposição. Não obstante as sensíveis diferenças entre suas pesquisas, Katinka Pilscheur e Tony Camargo têm em comum o mesmo desajuste em relação à definição do que seja arte. Em ambas obras a dificuldade em localiza-las; o gosto pela inquietude, experimentação e instabilidade como denominador comum.

O encontro começa do lado de fora, com a pintura/código de barra realizada por Katinka Pilscheur na cor aproximada daquela que um famoso produtor de esmaltes sintéticos, Colorama, chama de Garota verão. Como todo mundo sabe, códigos de barra representam algo, estão no lugar de um produto qualquer ou ao menos de seu preço. A artista, contudo, coisifica essa metáfora estampando-a na fachada, convidando o transeunte a entrar e decifrar o sentido oculto dessa cifra impressa num vermelho alaranjado aceso, gritantemente vivo. Vã ilusão. No interior da galeria, na porção reservada a sua obra, a artista cria um espaço ultra-complexo: um conjunto de densidade variável de barras verticais finas e roliças, prateadas, apoiadas no chão e no teto. Agrupamentos que chegam a entrincheirar o visitante, transformando sua visita à galeria numa deslocamento vagaroso, cuidando em não esbarrar nas barras que lhes barra os passos, percorrendo de cima a baixo suas peles reflexivas, vendo-se e vendo as outras barras multiplicarem-se. A artista poderá ou não ensanduichar material colorido entre o teto e a extremidade de algumas dessas barras, objetos semelhantes as duas pinturas, uma verde e outra cinza, que ela fixará na parede da sala maior, onde restam somente três ou quatro ou cinco barras, arranjadas assimetricamente, desafiando com sua presença, assim como as pinturas, a estabilidade do ambiente proporcionado pela arquitetura.

A sala reservada a Tony Camargo é menor mas suficiente para que ele a preencha com as cores e ações embutidas nos novos trabalhos pertencentes às séries Planopinturas, Fotomódulos e Videomódulos. Mais que vivas, as cores empregadas, aplicadas através de instrumentos próprios a pintura industrial, amplificam-se em razão dos contrastes obtidos; cada tela cria um curioso eclipse, como um sol que, apesar de sua luz potente, evita-se irradiar pelo ambiente.

O intercâmbio entre fotografia e pintura proposto pelos Fotomódulos enuncia uma tensão que jamais se resolve, posto que uma linguagem jorra sobre a outra ao mesmo tempo em que se retrai. Pintura e mundo, cores eminentemente artificiais, disponíveis nas paletas oferecidas pelas empresas produtoras de tintas, encontram-se na miríade de objetos que vivem a nossa volta, incluindo cartazes, letreiros, placas, rótulos, roupas e tecidos, até mesmo na intensidade das flores que neste país tropical irrompem com força invulgar. A chegada dos Videomódulos leva o problema a um outro estatuto, posto que a periclitante pose do artista, sempre embuçado de modo a garantir que seu rosto não roube a cena, vai sendo posta em risco pelos embates com o plano de cor com que divide a tela do monitor. Como que atraída pelas cores dos objetos e dos atavios da cena que corre ao lado, o plano colorido disputa espaço com ela, plano retrátil que vai se chocando intermitentemente até desequilibrá-la.

Pintura, escultura e instalação; pintura, fotografia, cinema e performance, os dados que compõem as poéticas de Katinka Pilscheur e Tony Camargo reforçam a ideia, cara a esse encontro, da importância de se trabalhar sob o signo da ruptura.

Agnaldo Farias

Posted by Patricia Canetti at 6:56 PM

abril 14, 2013

Ca-mi-nhan-do por Mel Andrade

Ca-mi-nhan-do
v.i. Marchar, percorrer caminho. Progredir: ideia que caminha. Seguir; andar.

MEL ANDRADE

Caminhando, Centro Cultural Banco do Nordeste, Fortaleza, CE - 17/04/2013 a 17/05/2013

“Caminhando”, resultado dos encontros do Grupo de Estudos Processos em Curadoria do CCBNB. Esse título enlaça toda minha vivência em relação à curadoria, à escrita crítica.

Um dia, conversando com uma amiga artista, decidi que queria fazer curadoria, não lembro engatilhado por qual assunto. Pouco tempo depois dessa conversa, foram abertas as inscrições para o Grupo de Processos em Curadoria e fui aceita. Eu já tinha noções sobre o processo curatorial de uma exposição, até mesmo por, na época, trabalhar como educadora no Museu de Arte Contemporânea (MAC) (1). Mas o que sempre me incitou em relação à curadoria foi a possibilidade de estarmos em profundo diálogo com os conflitos, os percursos, as indagações, as propostas, as experimentações dos artistas.

Durante o processo de curadoria de uma exposição, fazemos a pesquisa e a escolha das obras, escrevemos o texto de parede e o texto crítico/curatorial, pensamos na expografia do espaço museal. Mas, além dessas etapas habituais, temos o cuidado em pensar nas obras (e artistas) e em como elas se relacionam umas com as outras no espaço expositivo; como construir um pensamento e até em uma narrativa através das obras escolhidas. De usar o discurso do artista para criarmos nosso próprio discurso.

Ricardo Basbaum (2005) fala em seu texto “Amo os Artistas-Etc” sobre o curador que passa a exercer a curadoria aliada a outra função:

ADVERTÊNCIA:

Atenção para esta distinção de vocabulário:

(1) Quando um curador é curador em tempo integral, nós o chamaremos de curador-
curador; quando o curador questiona a natureza e a função de seu papel como curador, escreveremos ‘curador-etc’ (de modo que poderemos imaginar diversas categorias, tais como curador-escritor, curador-diretor, curador-artista, curador-produtor, curador-agenciador, curador-engenheiro, curador-doutor, etc);

(2) Quando um artista é artista em tempo integral, nós o chamaremos de ‘artista-artista’;
quando o artista questiona a natureza e a função de seu papel como artista, escreveremos
‘artista-etc’ (de modo que poderemos imaginar diversas categorias: artista-curador, artista-escritor, artista-ativista, artista-produtor, artista-agenciador, artista-teórico, artista-terapeuta, artista-professor, artista-químico, etc);

Percebemos o quanto o trabalho do curador (o bom curador) não se resume a escolher obras, seus lugares em uma parede e assinar a exposição; o curador pode (e deve) se permitir ir além disso, colocar seus conhecimentos e sentimentos em favor da exposição. Ser curador é sentir, é resistir e mostrar a essência e subjetividade do artista, é conseguir trazer à tona os sentimentos dele e provocar outros no público.

Uma obra pode estimular os vários sentidos e ser percebida por diversas formas: cor, som, gosto, tato. Porque é a relação de experiências que tivemos com a obra. Ela tem seu próprio tempo e espaço, seu próprio universo.

Dentro de todo esse hemisfério de possibilidades em trabalhar com a arte contemporânea, nos deparamos, durante as pesquisas e visitas ao acervo do CCBNB, com obras que utilizavam do corpo para gerar aquelas inquietações ou mesmo nos colocar diante de nós mesmos e nos perguntar “para quem é esse corpo?”.

“Nossa existência corporal é encarnada, ela não existe fora do corpo. Tarda a compreensão de ‘sermos um corpo’, ao invés de ‘termos um corpo’. Vivemos um misto de presença e ausência do corpo (...)” (ZYLBERBEG, 2013). O corpo existe, para o artista, como um suporte de transformação, como quando o artista usa o corpo para experiências e estudos. É possível haver uma potência assim que o corpo, como suporte criativo ou como criação, chega a um limite ou em um gesto. Sendo, esse limite e esse gesto, conduzidos pela narrativa que a obra impõe ou pela intencionalidade do artista.

Essa potência do corpo está presente na performance da Amanda Melo e seus tentáculos de água-viva, no jogo entre corpos e dispositivos de Yuri Firmeza, na luminescência e universos ficcionalizados de Cristiano Lenhardt e Sólon Ribeiro, na personificação animalesca de Rodrigo Braga, nos limites estruturais em que Waléria Américo e Nino Cais se determinam, nas estrias de Filipe Acácio, em termos nossa história contada na pele, na narrativa intimista de Juliana Notari, nas experiências corporais de Carlos Melo, na delicadeza do entre-corpos de Marina de Botas.

No final disso tudo, nossa exposição se transformou, cresceu, foi além do que imaginávamos: ela quis ser também corpo em processo. Por que o que não foi processo em nossos encontros? A exposição e nossos encontros: é tudo processo.

Pro.ces.so. sm (lat processu). Ato de proceder ou de andar. Sucessão sistemática de mudanças numa direção definida. Ação de ser feito progressivamente.

Todos os textos lidos e discutidos, os encontros nas terças quentes de Fortaleza, guardados pelas mãos de Gaio, os textos escritos, as conversas, as fascinações, as reflexões, as decisões, os artistas queridos, os recém-conhecidos, Caetano (2) chegando, as preparações para a exposição, a decisão sobre o nome da exposição, as conversas intermináveis na internet, a montagem, a abertura. Tudo isso é a exposição. Tudo isso caminha conosco e ficará conosco.

NOTAS

1 O Museu de Arte Contemporânea (MAC) é um museu mantido pelo Instituto de Arte e Cultura do Ceará (IACC), uma instituição do Estado do Ceará, e é localizado dentro do Centro Cultural Dragão do Mar, espaço cultural de Fortaleza.

2 Cecília Bedê estava grávida na época dos encontros. Caetano é seu filho.

BIBLIOGRAFIA

BASBAUM, Ricardo. Amo os artistas-etc. In: Políticas Institucionais, Práticas Curatoriais, Rodrigo Moura (Org.), Belo Horizonte, Museu de Arte da Pampulha, 2005.

O corpo Implicado: leitura sobre o corpo e performance na contemporaneidade. Antonio Wellington de Oliveira Junior (org.)- Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2011.

Performance Ensaiada: ensaios sobre performance contemporânea. Antonio Wellington de Oliveira Junior (org.)- Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2011.

OBRIST, Hans Ulrich. Uma breve história da curadoria. São Paulo: BEI Comunicação, 2010.

ZYLBERBERG, Tatiana. As Marcas nos Corpos que Somos e os Nossos Nós. Disponível em: http://lepserufc.wordpress.com/. Acessado em 07.04.2013.

Posted by Patricia Canetti at 11:32 PM

Estar com a arte é tudo que pedimos por Juliana Castro

Estar com a arte é tudo que pedimos

JULIANA CASTRO

Caminhando, Centro Cultural Banco do Nordeste, Fortaleza, CE - 17/04/2013 a 17/05/2013

O corpo tem se tornado mais e mais protagonista do cenário artístico contemporâneo, inserido nos mais diversos discursos, encontrado em múltiplos espaços e dialogando com o público em diferentes níveis. O que tornou a exposição “Caminhando” diversa foi o percurso que ela registrou.

Sua importância esteve na materialização de todo um processo de estudo curatorial que se iniciou, em um primeiro momento, com os estudos de textos ligados diretamente à curadoria, seguido de textos que fazem referência ao contemporâneo, ao corpo, à performance; visita ao acervo do Centro Cultural Banco do Nordeste, pesquisa a respeito dos artistas que nos interessaram e suas respectivas obras, discussão e reflexão crítica a respeito dos textos lidos e das obras, visitas à exposições, produção de textos sobre obras e exposições visitadas, definição do tema da exposição, obras e artistas que entrariam, expografia, textos para publicação e título. A intenção deste texto é vos mostrar um pouco deste processo que não possui etapas regidas a serem seguidas, não se tratando de um passo a passo definitivo enquanto forma de se trabalhar a curadoria, até porque cada uma destas “fases” são revisitadas inúmeras vezes.

A curadoria é um campo relativamente recente, nascido com o século XX e seus inúmeros conceitos amplos. Por ser recente, e seus contornos estarem ainda a se definir, não podemos falar de uma história da curadoria; talvez de uma breve história, como faz referência o título do livro do famoso curador Hans UlrichObrist - “Uma breve história da Curadoria” - delineada a partir das exposições que se deram durante todo o século passado e no final do século XIX.

Os questionamentos sobre o que exatamente faz um curador, qual o seu papel, sua função dentro da lógica da arte contemporânea, e também fora dela, são inúmeros. Relembrando um dos textos lidos durante o nosso percurso dentro do Grupo de Estudos Pesquisa em Curadoria, Didi-Huberman (2011, p.70) , ao se referir a Pasolini e Agamben, diz que “ambos fazem do seu trabalho um obstinado confronto do presente com outros tempos, o que é um modo de reconhecer a necessidade de montagens temporais para toda uma reflexão consequente sobre o contemporâneo”. Tais “montagens”, diria, são, dentro do papel do curador, fundamentais para o nosso entendimento ou pelo menos para uma reflexão crítica sobre o contemporâneo.

Fica, a partir do texto de Didi-Huberman, também a reflexão sobre um curador vaga-lume, que procura o escuro para produzir pequenas luminescências em oposição às luzes do contemporâneo que anulam a nossa experiência, sendo preciso se mover, sair do lugar para ver estes vaga-lumes. É preciso, também, uma curadoria que nos faça perceber do que realmente se trata o mundo ao nosso redor, que questione este mesmo mundo e quem somos nele.

Sob um outro ponto de vista, Walter Hopps, um dos importantes nomes da curadoria no século XX, vem comparar “o trabalho de montagem de uma exposição ao de reger uma orquestra sinfônica” (OBRIST, 2010, p.20).

Não se nasce curador. Uma formação multidisciplinar é exigida: crítica, administração, comunicação, pesquisa, conservação, diplomacia, mediação, história da arte, museologia, design, educação, psicologia; vários são os perfis que se encaixam dentro da profissão.

“Percebe-se como é complexa a maneira de ver a arte, quão relevante é a curadoria, e como toda a perspectiva em relação à arte é subjetiva”, trata-se de um permanente “olhar a arte e como ela se relaciona com o mundo” (OBRIST, 2010, p.10), com quem somos.É criar pontes, diálogos, histórias que façam a experiência do público enriquecedora, tudo a partir de um ponto de vista subjetivo, pessoal ao mesmo tempo em que exterior, que deve se preocupar com o público, que nem sempre está habituado a determinados discursos.

Uma antiga professora disse, certa vez, que uma boa exposição é aquela que, ao sair dela, você aprende algo novo, uma informação nova, um questionamento novo.O papel do educativo é vital neste sentido de fazer pontes para que o espectador possa se sentir à vontade com os conceitos apresentados na arte de hoje. Se sairmos de uma exposição da mesma forma que entramos, a exposição não fez o seu papel de instigar, ensinar, informar no sentido de dar forma a algo novo. Não posso ter certeza do que você, espectador, sentiu ao sair de “Caminhando”. Espero, no entanto, que tenhamos conseguido dar a você um motivo para pensar a curadoria e as exposições dela resultantes como um processo que vai além de distribuir as obras para que você possa vê-las, ou seja, um processo em que nada é aleatório. O que você viu foi o resultado de um processo cheio de questionamentos e visão crítica do mundo ao nosso redor. Como diria Gilbert & George – dupla de artistas que influenciam significativamente o grupo Young British Artistse trabalhavam com performance, bodyart e arte conceitual - hoje, “estar com a arte é tudo que pedimos” (OBRIST, 2010, p.13).

O resultado que foi apresentado sob a forma de uma exposição e desta publicação começou a criar forma, em um primeiro momento, a partir dos encontros, textos e discussões realizados dentro do Grupo de Estudos de Processos de Curadoria realizados a partir da iniciativa do Centro Cultural Banco do Nordeste. O tema “corpo implicado” surgiu dentro de um diálogo realizado entre as obras dos seguintes artistas: Amanda Melo, Yuri Firmeza, Rodrigo Braga, Juliana Notari, Nino Cais, Solon Ribeiro, Marina de Botas, Waléria Américo, Carlos Mélo e Cristiano Lenhardt.

Os diálogos entre as obras surgiram quase que naturalmente, a partir das visitas ao acervo do Centro e através das pesquisas a respeito de cada um dos artistas e de suas obras como parte de uma reflexão sobre o nosso corpo contemporâneo. Nasce assim, o “corpo implicado” múltiplo: corpo implicado ligado às obras em que o artista se faz presente fisicamente; íntimo exposto, onde se percebe a presença do artista em sua subjetividade; personagens, obras que trazem a criação de novas personas a partir do corpo do artista; proposta da experiência do corpo em obras que possuem um caráter de ação e intervenção no próprio corpo.

Não é de hoje que o corpo se vê implicado no cenário das artes. Desde a bodyart da década de 50 e 60, o corpo é convertido em material de trabalho. No Brasil, Helio Oiticica e Lígia Clark trouxeram o corpo do outro, da pessoa humana, do espectador, para os seus trabalhos, como forma de trazer a vivência e a experiência nas artes para a vida do cotidiano.

Hélio Oiticica e seus Parangolés retiram o espectador público da função de receptor para colocá-lo com agente da obra de arte. A obra se abre ao mundo,como nunca antes foi concebida. Segundo o artista, “(...) a derrubada de todo o condicionamento para a procura da liberdade individual, através de proposições cada vez mais abertas, visando fazer com que cada um encontre em si mesmo, pela disponibilidade, pelo improviso, sua liberdade interior, a pista para o estado criador – seria o que Mário Pedrosa definiu profeticamente como exercício de liberdade” (1).

Ligia Clark rompe a tela, tornando a obra aberta à interpretação e às modificações do seu agente espectador. Segundo a curadora, crítica e pesquisadora Suely Rolnik, alteridade e corporeidade estão no coração de cada um dos dispositivos criados pela artista, não estando o corpo reduzido ao que ele tem de concreto, empírico ou orgânico. O corpo, tema central da obra de Lígia, vai além da coisa corporal tão in voga nos trabalhos do cenário da arte contemporânea, que colocam o corpo, quase sempre, entre o masoquismo e o espetáculo, reduzindo o corpo ao seu narcisismo (2).

Para ambos, fica evidente o desejo de descobrir este corpo que vai além do corpóreo, o corpo do outro, de si mesmo, algo que vá além dele mesmo.Mas o que poderia ir além do próprio corpo ou ser mais profundo do que ele mesmo? Seria o corpo decomponível? Seria a realidade do corpo apenas uma ilusão?

Colocamos o corpo como soberano, decretando que ele não é um objeto. Entretanto, o princípio do Harbeas Corpus “consagra a ideia comum de que, se nosso corpo nos pertence, isso ocorre da medida que somos sujeitos do objeto que ele representa; o que faz persistir uma dúvida acerca da sua realidade [de não objeto]. Será que experimentamos essa realidade quando nosso corpo é tratado como objeto ou quando cremos ser sujeito das sensações que o animam?”(JEUDY, 2002, p. 14). Se a realidade de tal corpo é ou não fruto da nossa imaginação, não se pode negar o poder dado a esta ilusão de corpo. O poder ligado, sobretudo, à conquista do outro. Somos, por natureza, seres sociáveis, não havendo sociabilidade sem sedução, sem este reconhecimento a priori de que o meu corpo é percebido pelo outro (2002, p. 19).

Ao mesmo tempo em que o corpo é a invenção de si, ele é uma forma de estar no mundo, repercutir no mundo. Enquanto , ele é também discussão, desorganização, reinvenção; é o meio para o constante diálogo entre o individual e o coletivo, o dentro e o fora, a fisicalidade e a discursividade; é a materialidade acessível através da sua forma corpórea e do que ela comunica. O corpo é meio para um discurso maior, não se tratando apenas do meu próprio corpo e sim daquele corpo que é colocado de lado, marginalizado. Seria o que vai além da coisa corporal, o discurso, a percepção de si mesmo? Do outro?

A concepção de si mesmo está ligada à alteridade: si mesmo como um outro, diz o pensador Paul Ricoeur; o outro no mesmo, diz o filósofo Emmanuel Lévinas. Mas que lugar dar a este outro? Lévinas nos fala na prioridade do outro para a formação de si. Propondo a deposição do sujeito em favor de outro. Já Ricoeur vem defender a importância dos dois agentes em uma relação de mão dupla, na formação do si mesmo. Ricoeur (1990), em seu livro “Soi-mêmecommeunautre”, traz-nos no próprio título o entendimento deste soi como um outro, um si-mesmo que está ligado a alteridade de um modo tão íntimo que não se poderia pensar o si sem o outro, apenas o si-mesmo enquanto outro.

O que pode o corpo não se refere à atividade do corpo em si, mas à sua potência. Para Aristóteles há uma clara diferença entre potência e ato. A potência seria pensada como um ato possível, a matéria seria uma simples potência. Enquanto o ato em si se trataria da potência atualizada, possuidora de uma forma determinada. A forma seria, então, um ato puro. Seria o que vai além da coisa corporal, esse permanente devir, esse transformar potências em atos? No entanto, o ato não tem eficácia sem o agente; é ele que transforma potência em ato, é ele que faz a potência ser revelada como tal. Falar em agente é falar da identidade de um indivíduo, o autor da ação, é perguntar-se “quem?”. E responder esta pergunta é narrar a história de uma vida, por conseguinte, é a historia narrada dessa vida que diz o quem da ação. A identidade narrativa é a história de uma vida narrada, da vida narrada de um corpo, meu, seu, do artista, do outro que também sou eu. (3)

Temos hoje um corpo que é constantemente diminuído, deformado, dilacerado, adormecido, no limite da impotência. O que poderia ir além da coisa corporal seria, então, esta potência outra do corpo, inerente a ele mesmo, potência que é resistência e preza pelo ato libertador? O corpo que hoje se encontra no limiar da sua impotência, o corpo que não aguenta mais ter de se defender daquilo que faz o meu corpo sofrer internamente e externamente (4), é ao mesmo tempo o corpo que sente e que se abre para aquilo que vem do regime do sensível. O corpo não aguentar mais não seria fraqueza e sim reafirmação da potência do corpo em resistir.

Nas obras aqui escolhidas, temos em cada uma delas esta potência de resistência, quase sempre apresentada sob a forma de narrativas ficcionais. Algumas, como a de Rodrigo Braga ou Solon Ribeiro, parecem nos desestabilizar com as suas possíveis histórias, levam o corpo a este limiar de extinção. Mas este limiar é apenas algo que nos faz acordar para a realidade do nosso próprio corpo. Amanda Melo, Waléria Américo, Marina de Botas e Nino Cais nos trazem universos que possuem uma sutileza em tratar do corpo, de um corpo belo, que também vem nos mostrar sua forma de resistência, presente não só no corpo do artista, mas nos nossos próprios corpos de espectadores. Um corpo que procura seu lugar no mundo. A narrativa também se vê presente nas obras de Yuri Firmeza, Carlos Mélo e Juliana Notari, enquanto corpo resultante do que lhe é exterior e fora do controle. Com Cristiano Lenhardt, a ficção se mostra a partir da utilização de um corpo que cria outros universos viventes.

Talvez o temporário desconforto trazido por obras que frequentemente expõem as fraquezas do nosso corpo se deva ao fato destas obras nos trazerem este corpo que, enquanto tal, deixa de nos ser algo natural (2011, p. 61), algo que desde sempre demos por conhecido, e transporta-o para uma posição de questionamento sobre o estar no mundo, carregando dúvidas sobre as suas potencialidades, seus modo de interagir e sua própria existência e,por consequência, a nossa própria existência humana, coletiva e individual.

Dentro dos questionamentos trazidos sobre o corpo implicado, surgiu-nos uma vertente ligada à ficção, que se encontra dentro de cada uma das obras e dos personagens nelas representados. Sendo as relações humanas demasiado complexas, é natural pensarmos no que Lévinas vê como relação entre este eu e este outro, constantemente em diálogo. A relação do eu não se trata de uma relação consigo mesmo, ou entre o eu e o outro apenas, mas entre diversos seres humanos, numa existência plural. (5)

Fica aqui o desejo de ter trazido, com esta exposição, questionamentos. E levado à reflexão acerca de todas as potencialidades do corpo e sua ligação direta com aquilo que somos,nossas possibilidades enquanto seres humanos. O homem contemporâneo precisa sair da totalidade do ser em si mesmo, do fechamento.Precisa se abrir à exterioridade, ao outro, rumo ao infinito e à transcendência deste outro. (6)

O curador e crítico Paulo Sérgio Duarte diz que “a arte deve nos mobilizar, mostrar que somos incompletos, que nos falta algo. Isso sim é arte. (…) A graça da obra de arte é mostrar nossas incompletudes”.(7)

NOTAS

1 Catálogo Exposição “Hélio Oiticica Museu é o Mundo”, 2010
2 ROLNIK, Suely. Afinal, o que há por de trás da coisa corporal?, 2005.
3 LINS, Daniel. Nietzsche e Deleuze - que pode o corpo, 2002.
4 Ibidem
5 Emmanuel Lévinas - O outro e a alteridade, 1998.
6 Ibidem
7 Continuum n. 19 – Entrevista Resenha Paulo Sérgio Duarte, 2009.

BIBLIOGRAFIA

DIDI-HUBERMAN, Georges. A sobrevivência dos vagalumes. Belo Horizonte: UFMG Editora, 2011.

HENRIQUES, Fernanda. A alteridade com mediação irrecusável - Uma leitura de Paul Ricoeur. Universidade de Évora, 2007. Disponível em: Acesso em 04 jan. 2013.

JEUDY, Henri-Pierre. O corpo como obra de arte. São Paulo: Estação Liberdade, 2002.

LÉVINAS, Emmanuel. Totalidade e Infinito. Lisboa: Editora 70, 2008.

LINS, Daniel. Nietzsche e Deleuze - que pode o corpo. Rio de Janeiro: RelumeDumará, 2002. Disponível em: . Acesso em: 05 dez. 2012.

OBRIST, Hans Ulrich. Uma breve história da curadoria. São Paulo: BEI Comunicação, 2010.

OLIVEIRA JUNIOR, Antonio Wellington. O corpo implicado. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2011.

RAMOS, Alexandre Dias. Sobre o ofício do curador. Porto Alegre: Editora Zouk, 2010.

RICOEUR, Paul. Soi-mêmecomme un autre. Paris: Seuil, 1990.

ROLNIK, Suely. Afinal, o que há por de trás da coisa corporal?. 2005. Disponível em: . Acesso em: 27 nov. 2012.

TEJO, Cristiana. Panorama do pensamento emergente. Porto Alegre: Editora Zouk, 2011.

___________Emmanuel Lévinas. O outro e a alteridade. PUC-RIO, 1998. Disponível em: Acesso em: 03 jan. 2013.

Continuum n.19 – Entrevista Resenha Paulo Sérgio Duarte. Itaú Cultural, 2009. Disponível em: Acesso em: 14 nov. 2012.

Catálogo Exposição “Hélio Oiticica - Museu é o Mundo”. Itaú Cultural, 2010.

Posted by Patricia Canetti at 9:01 PM

Performance de aprendizagem em grupo por Clara Machado

Performance de aprendizagem em grupo

CLARA MACHADO

Caminhando, Centro Cultural Banco do Nordeste, Fortaleza, CE - 17/04/2013 a 17/05/2013

Um e-mail recebido. Oinício de tudo. Convocatória de seleção para um grupo de estudos. Tema abordado: curadoria. Não é pequeno meu interesse acerca deste assunto. Concorrer a uma vaga? Sim, claro, por que não? Sorriso no rosto, um convite para participar como ouvinte. Horários e locais acertados, iniciamos com muito entusiasmo. Minha participação foi ativa. Uma palavra que resume o processo: descobertas.

Já nos primeiros textos lidos me deparei com informações novas. Foi uma surpresa me dar conta que a curadoria bebe da fonte da filosofia. Uma obviedade que eu jamais tinha pensado. Sete moças e um rapaz leram diversos textos, assistiram vídeos, debateram calorosamente o conteúdo apresentado. Foram muitas horas de palavras trocadas e uma vontade visível de conhecimento. Todos ficamos cientes de que curadoria, assim como a própria arte contemporânea, é algo que ainda está se construindo. Ou seja, não fechamos nenhum conceito para ela, não a enquadramosem nenhum molde.

Passada a fase de estudos, começamos a discutir a segunda etapa do projeto: a exposição que iríamos propor. Após visitas ao acervo do Centro Cultural BNB, conseguimos selecionar algumas obras de artistas contemporâneos brasileiros. Em todas, algo em comum: o corpo implicado. E eis que surge o néctar da nossa nova pesquisa: adentrar o corpo, em vários sentidos, virou nossa meta.

Qual corpo descobrir naquelas obras? O que elas dizem? Ou melhor, o que elas gritam? Algumas me causaram um embrulho na barriga, reação corporal sintomática a algo que mexe, incomoda, atinge. Náuseas, formigamento. Outras, ao contrário, através da beleza estética,me proporcionaram sensações prazerosas, uma contemplação agradável.

Após o momento de simplesmente sentir o que vi, surgiram as questões e a necessidade de respostas. O grupo todo estava tocado por aqueles corpos. Queríamos adentrá-los e achar as soluções para as nossas dúvidas. A teoria fez-se presente. Alguns significantes marcaram os debates e as cabeças dos participantes: coisa corporal, potência, o corpo não aguenta mais, performance, estar no mundo, precariedade, gesto, sentir.

O corpo enquanto arte, que antigamente não era interesse de estudo para mim, virou objeto de desejo. Me atento a qualquer livro ou trabalho que aborde o tema.
Confesso que esta pesquisa não modificou apenas o meu interesse acadêmico, mas a minha performance cotidiana. O dia-a-dia, a fila de espera do ônibus, o falar ao telefone, a dança descontraída, tudo sofreu influência do que foi trocado no grupo.

Mas, voltando às questões levantadas, me pergunto: Afinal, que corpos são aqueles? Meu corpo, o corpo de cada um de seus autores, corpos de personagens? Um homem-cachorro. Uma mulher flutuante no oceano. Um ser com a cabeça coberta de lã. Um homem que entra num matadouro e parece perturbar-se com algo que não está explicito. Uma moça estática numa trave. Um rapaz que sempre está olhando para a câmera. Bandejas, um diário escrito em bandejas. Ah...E elas me trazem tantas perguntas... Objeto feito para servir comida servindo palavras. Desabafos. Seriaum regurgitar do viver da artista? Da artista? Ficção/ real?Prosseguindo a caminhada... Quem é a pessoa que se maquia naquele vídeo? E aqueles calos que mais parecem casas? Quem os/as construiu? Mar adentro, uma luz incessante e um corpo que se move.Quem será? Um homem? Uma mulher? Um ser de outros mundos? Um ser marítimo? Corpos de quem ou de que vimos nessas obras? Meu? Seu? Marinas? Rodrigos? Julianas? Ficções? Realidades? Coisas? Corpos? Afinal que arte é essa?

Tudo vai para parede e, no momento final, ainda temos novidades, novas questões, cores que viram perguntas. Paredes brancas, cinzas, vermelhas, beges? Que palavras usar no papel, na parede, nisso ou naquilo? O ciclo nunca cessa. Uma performance. Algo a mais para compor a exposição. Se a questão inicial era: afinal, o que faz um curador e o que devo fazer para me tornar uma? Eis uma possível resposta, bem aqui, onde atravesso meu corpo em caminhada.

Ainda estamos em processo, não achamos respostas para algumas das questões surgidas. Mas, pensamos que o melhor talvez seja abrir mais perguntas, que a partir da exposição cada expectador saia com um turbilhão de coisas na cabeça. Coisas corporais? Quem sabe? O que desejo é que possam passar pela metamorfose que passei ou ao menos algo parecido com isso. E quanto à curadoria? Eis que se faça todo dia.

Bibliografia:

ALVES, Cauê. A curadoria como historicidade viva. In Sobre o Oficio do Curador. Alexandre Dias Ramos (org.). Porto Alegre, RS: Zouk, 2010.

ROLNIK,Suely. Afinal, o que há por trás da coisa corporal? Reproduzido in: Manuel J.J. Villel e Nuria E. Mayo (Edit), Lygia Clark, FondacióAntoniTàpies (Barcelona), Réunion dês MuséesNatoinaux/MAC, galeriescontemporainesdesMusés de Marseille (MAreslha), Fundação de Serralves (porto) e PalaisdesBeaux-Arts (bruxelas), 1997; p.233.

Panorama do pensamento emergente – Cristiana Tejo (coord.): colaboração de Ana Maia & Felipe Quérette. Porto Alegre, RS: Zouk, 2011.

Marcelina, Revista do Mestrado em Artes Visuais da Faculdade Santa Marcelina. Ano 1, v.1 (1. sem. 2008). – São Paulo: Fasm, 2008. Semestral.

ASSUMPÇÃO, Pablo. Uma nova ideologia do real. Disponível em: Acessado em 02 de Abril de 2013.

LAPOUJADE, David. O corpo que não aguenta mais. Disponpivel em: Acessado em 02 de Abril de 2013.

O corpo Implicado: leitura sobre o corpo e performance na contemporaneidade. Antonio Wellington de Oliveira Junior (org.)- Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2011.

Performance Ensaiada.: ensaios sobre performance contemporânea. Antonio Wellington de Oliveira Junior (org.)- Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2011.

Posted by Patricia Canetti at 8:54 PM

abril 12, 2013

Figuração construtiva de luz e sombra - Hildebrando de Castro por Fernando Gerheim

Figuração construtiva de luz e sombra - Hildebrando de Castro

FERNANDO GERHEIM

Hildebrando de Castro, Artur Fidalgo Galeria, Rio de Janeiro - 19/04/2013 a 11/05/2013

Hildebrando de Castro expõe trabalhos recentes que jogam luz – e sombra – na fronteira entre pintura e objeto, figuração e abstração. O artista pinta janelas com um elemento icônico do modernismo brasileiro, o brise-soleil: lâminas, móveis ou não, que quebram o sol, mas deixam entrar o ar, impedindo o calor excessivo no interior do edifício. Esta adaptação da arquitetura moderna aos trópicos, usada por Le Corbusier pela primeira vez no Palácio Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro, é utilizada pelo artista não como funcionalidade, mas como imagem. O brise-soleil cria na fachada um jogo geométrico e cromático de formas que se multiplicam e modulam sutilmente.

Envolvido por esse sedutor jogo ótico, o observador vai percebendo que está diante de uma série de sinais trocados. As pinturas simulam ser abstratas, mas são figurativas: Hildebrando reproduz minuciosamente fachadas reais, enquadradas de modo a parecer abstrações geométricas. Operação similar: corremos os olhos pelas frestas do brise-soleil pintado, ao mesmo tempo impedidos e impelidos a ver dentro dele, de repente notamos que são lâminas tridimensionais. O artista leva suas janelas mais longe que as uvas de Zeuxis. É como se a imagem tivesse passado por uma impressora 3D. Mas se olharmos as lâminas concretas na caixa de MDF e tentarmos devassá-las, encontraremos apenas a fachada, a superfície entreaberta por onde a luz entra na sombra. As técnicas do tromp l’oeil são usadas para obter o seu avesso: a escura da invisibilidade.

Esses trabalhos talvez tornem mais claro certo paradoxo essencial. Há algo de contraditório em utilizar a representação clássica para recriar corações viscerais, com sangue e veias, ou barbies de muleta com perna mecânica, entre outros personagens bizarros ou mesmo abjetos. O artista está reproduzindo de modo canônico um mundo desnaturado, fantasista, profano. O método que imita a visão natural é usado por ele para tornar visível o que não se vê a olho nú. Esse choque é visível quando o artista ilumina a cena em seu ateliê como num teatro, com luz dramática, para fotografá-la e depois desenhar e pintar na tela a imagem fotográfica.

A nova série, em parte, rompe com isso. As fachadas não são encenadas em seu ateliê, existem no espaço exterior, na arquitetura de Brasília, São Paulo ou Londres. Sua única narrativa é o movimento da luz e da sombra. Mas a pintura agora é uma janela que dá para outras janelas. Ao jogar drama sobre o elemento formal e racional, e usar a representação realista para fazer geometria abstrata, Hildebrando leva o paradoxo presente em seu trabalho ao extremo. E aí é possível ver continuidade que não exclui transformação.

Antes coadjuvante, a luz passa a ser protagonista. Parte dela passa, outra fica, criando sombras. O encontro inusitado de figuração e abstração, pintura e objeto, nos faz indagar, talvez nostálgicos, talvez intrigados, talvez tecendo tramas entre camadas de cultura, sobre a memória construtiva no contemporâneo mundo de imagens.

Fernando Gerheim

Posted by Patricia Canetti at 11:03 AM

abril 10, 2013

Três coisas que eu acho que sei sobre o Opavivará! por Moacir dos Anjos

Três coisas que eu acho que sei sobre o Opavivará!

MOACIR DOS ANJOS

Opavivará! - Ao amor do público, A Gentil Carioca, Rio de Janeiro - 16/04/2013 a 22/06/2013

Há uma genealogia. Dela faz parte, sem dúvida, João do Rio e a vontade de capturar o ritmo, os modos e os tipos das ruas. Um olhar para fora da casa, enfim conquistado. Faz tempo isso, início do século que já é passado. Ainda na literatura, talvez João Antônio, paulista que viveu anos em Copacabana, escrevendo através dos olhos de vagabundos, putas,loucos e todos os que resistem ao regramento da vida ordinária. Também está nela, é evidente, Flávio de Carvalho, que imaginou a “cidade do homem nu”, livre dos preconceitos burgueses e paroquiais. Aquele híbrido de artista-arquiteto-engenheiro-escritor que perdeu o pejo e o nojo de lançar-se à prova dos nove da vida. O mesmo que, na São Paulo acanhada de muitas décadas atrás, quis atravessar sozinho a procissão de Corpus Christi, no sentido contrário ao que vinham os fiéis compactos e contritos, ainda mais de gorro enterrado na cabeça, sendo por isso quase linchado. O homem que quis fundar o cortejo dos desgarrados e reinventar a relação com Deus e os anônimos que formam multidões sem faces. E que tempos depois desfilou de saia no centro da cidade, desvelando o disparate de o brasileiro vestir-se como vivesse na Europa. Há vários outros que pertencem a esse inventário breve, e os que aqui vão citados são os incontornáveis. LygiaPape, por exemplo. Aquela que via “espaços imantados” formarem-se nos movimentos coreografados de gentes nas ruas, criados pelo vendedor ambulante ou pelo mágico; por aqueles que buscavam juntos o parque aos domingos; pelos outros reunidos para fazer ginástica no estacionamento vazio de carros; pelos capoeiristas que jogam seus corpos suados na praça e lutam. Espaços imantados são os pontos vitais da cidade, entre os quais seus habitantes se deslocam o tempo inteiro, puxando um fio que se trança e se enovela, estabelecendo formas novas evariadas de relacionar-se com um lugar. Lygia Pape que quis a todo custo apreender em fotografias esses territórios inventados, tarefa tão crucial quanto inglória: a captura do essencial é sempre falhada, embora seja impossível não buscá-la. Na lista resumida de aparentados se impõe ainda José Celso Martinez Corrêa e sua Uzyna Uzona, bacantes dispostos a beber o mundo e a dançá-lo, fazendo do encontro dos corpos e do gozo partilhado armas certeiras contra o encolhimento moral. Trazendo a rua suja e transparente para dentro da instituição-teatro, quebrando quantas paredes fossem necessárias para que ela de novo se impusesse como espaço da celebração possível de uma vida nômade. E há, é certo, Hélio Oiticica, que um dia propôs um “esquenta pro carnaval” no boteco Buraco Quente, no Morroda Mangueira, como o ambiente propício à emergência de um estado de invençãoradical. E que com seu “deliriumambulatorium” apontou o deambular ocioso como a expressão melhor de um projeto de ambientação e imersão no cotidiano. Um jogar-se na vadiagem que se abre para o que está nas ruas em busca de elementos – prosaicos ou extraordinários, suaves ou ásperos – que emancipem o corpo. O que um dia foi museu, aqui se transforma efetivamente no mundo, e o ‘verdadeiro fazer’ da arte se torna a vivênciade cada um. É nessa herança potente que OPAVIVARÁ! se banha, estendendo-a e ampliando-a para outros lugares e tempos.


Há também um contexto geográfico de origem. A cidade do Rio de Janeiro. A de ontem como a de hoje. A de hoje comendo a de ontem por meio de demolições e remoções, sem incorporá-la de fato ao tecido orgânico do corpo urbano. Expelindo-a por vezes como resto, apagando rastros, desmanchando memórias, desfazendo, com ligeireza, arranjos sociais longamente construídos. Um contexto que também acolhe resistências, de variadas intensidades e origens. Da população moradora de áreas afetadas por demoliçõese ‘requalificações’, deslocada dali para acolá em prol de um processo apressado de urbanização, acuada pelo tudo ou nada indenizatório que suprime o direito à escolha livre. Resistência de profissionais da rua e da academia, da puta e do arquiteto, do camelô e do urbanista, todos inventando novas disciplinas para falar de volta a um Estado atravessado de interesses que não são públicos. Sozinhas ou em grupos, pessoas que de algum modo opõem-se à anulação daquilo que faz das suas vidas um evento singular no mundo. Resistência da arte, em suas inúmeras aparições possíveis. Das práticas simples de criação que, por não se deixarem instrumentalizar pela lógica produtivista, incomodam quem se quer atribuir o poder de mando em tudo. Contexto que é também a territorialidade aberta das muitas ruas e praças da cidade, transformadas em campos de infinda luta. Cartografia dos lugares onde o encontro é ainda possível, onde as pessoas trabalham e dançam indistintamente. Mesmo lugares que são inundados pela chuva, soterrados pela lama ou consumidos por chamas. Esse contexto geográfico não é, todavia, restritivo. O mapa simbólico e afetivo da cidade do Rio de Janeiro se expande e desmancha, abarcando diversos outros espaços. Se nessa cidade está o foco do que aqui se tenta falar, logo ele se espalha, alcançando experiências semelhantes vividas pelos habitantes de outros lugares: de Salvador a São Paulo,de Belém ao Recife, de Fortaleza a Brasília, de Belo Horizonte a Porto Alegre. Cidades que constam do mapa de experiências urbanas desmanteladas por projetos de intervenção privada e pública em espaços de morada e convívio e que, apesar de tudo, resistem. É nessa cartografia ferida e viva que OPAVIVARÁ! atua.

Há uma estratégia para isso. Não se trata do que se convencionou chamar de ativismo. Não se trata tampouco de ‘explicar’ o que acontece. Não se quer tornar didático o que é por demais sabido. Nutre-se horror ao tédio das convenções políticas. Principalmente, não se quer ser condescendente e paternalista com os mais afetados pelas transformações em curso. O que se quer é criar situações que ativem e aumentem a potência de vida. Situações fincadas no cotidiano dos afetos comuns, como fazer e compartilhar comida. Como beber e dançar juntos, ou festejar um dia qualquer reunidos na praça, na praia ou na rua. Fazer o carnaval fora de época, posto que no tempo que é próprio dele a sua força transformadora se atenua. Fantasiar-se para encenar a mudança prometida, descondicionar o corpo e sugerir outras vivências possíveis. Há quem perguntese isso é arte. A resposta vem de Jean-Luc Godard, um artista: Arte é aquiloque é do âmbito do desvio e da exceção; não se confunde com cultura, que é o que afirma normas e regras a serem seguidas. Arte incomoda, desassossega, por vezes se faz incompreensível (e por isso é importante). Alarga, pouco a pouco e sempre, o espaço em que se pode partilhar projetos e perseguir trajetórias comuns. É nesse sentido que a arte de fato faz política. A sua política, não a outra. Uma refeição inesperada na praça, uma festa improvisada em qualquer parte. Um corte na realidade quando nada era aguardado. O roçar de uma realidade em outra, a abertura de entradas para territórios novos. Quem sabe? Um cortejo de fantasiados nas ruas de comércio da Saara. Fantasias feitas das coisas encontradas ali mesmo, nas tantas lojas que ainda não queimaram. Coisas que estão no cotidiano das pessoas que trabalham e vivem ali, e que, ao mesmo tempo, amparam a reinvenção do que se esquece com a rotina diária. Deslizamentos de significados, mudanças sugeridas nos modos de perceber o mundo. Roupas que são dispositivos de afecção. Roupas para olhar e para vestir. Roupas para desfilar na vida. Deambulação que serve para nada, ou para acriação do que não se sabe ainda o nome. É isso o que OPAVIVARÁ! faz. Agora. Depois tem mais.

Posted by Patricia Canetti at 7:50 PM

abril 5, 2013

Sobre o Grupo de Estudos: Processos de Curadoria

“Quando a gente pensa que uma curadoria pode ampliar as possibilidades de olhar uma obra, eu acho que estamos fazendo história”. (Paulo Herkenhoff. Palestra, em abril de 2008, na Faculdade Santa Marcelina.)

Caminhando, Centro Cultural Banco do Nordeste, Fortaleza, CE - 17/04/2013 a 17/05/2013

A ação curatorial é hoje a instância do circuito da arte contemporânea em maior destaque e constante ascensão. Hoje em dia é difícil vermos uma exposição que não tenha sido planejada, organizada ou ao menos orquestrada por um curador. Em contradição a esta afirmação, hoje existe pouco ou quase nada escrito sobre a história da curadoria, vemos apenas livros que trazem entrevistas e artigos, abordando aspectos históricos da produção de exposições e das ações da curadoria e da crítica. Em todo o mundo, existe pouca metodologia ou uma educação formal que sustente a proliferação dos estudos sobre curadoria. O que se pode observar é que esse legado é construído a partir da história das exposições de arte e da ação das pessoas responsáveis por elas. São essas pessoas diretores de museus ou centros culturais, artistas, historiadores, filósofos, jornalistas, etc. Diante dessa ausência é que se tornam importantes os estudos e as pesquisas, debruçados sobre os processos curatoriais, para que possamos não só obter conhecimento como também contribuir para a construção da história da curadoria.

A criação do Grupo de Estudos Processos de Curadoria parte de uma inquietação individual, mas que se percebe presente no âmbito da coletividade do circuito de arte e a realização do grupo na cidade de Fortaleza vem acrescentar a um circuito em constante formação. A cidade carece de espaço para a fomentação das artes visuais e os cursos existentes ainda não dirigem o foco para as outras ações envolvidas no sistema da arte, como a curadoria, a crítica, a produção, o colecionismo etc., sendo na maioria das vezes preocupados apenas com o fazer artístico. O principal objetivo é reunir pessoas em processo de formação, recém-formados ou que de alguma forma já estão envolvidas no circuito: artistas, produtores, pesquisadores, estudantes e outros que compartilham do interesse em compreender e se aprofundar nos processos que envolvem a curadoria. Através de fontes variadas de pesquisa, o importante é estimular o olhar crítico e construtor de sentidos, necessários ao curador.

O primeiro grupo foi composto por quatro bolsistas, dois ouvintes e a orientadora e teve duração de aproximadamente cinco meses contando com o período de produção da exposição final. Os encontros aconteciam uma vez por semana no Centro Cultural Banco do Nordeste e foram divididos em teoria e prática, tendo como objeto de estudo, as obras do acervo em formação do centro cultural. O percurso do grupo incluiu: leituras e pesquisas coletivas, debates, encontros com artistas, visitas ao acervo e às exposições do centro cultural, produção de textos críticos, seleção de obras e elaboração do projeto da exposição. A intenção era passar por todo o processo de trabalho de um curador e se deparar com questões, problemas e soluções que este profissional encontra em seu caminho. Os encontros teóricos foram embasados por textos de áreas como arte, filosofia e comunicação com o objetivo de ampliar as discussões para além da história da arte e trazer a tona o senso de criticidade dos participantes.

Como resultado, tivemos a exposição “Caminhando”, inaugurada no dia 16 de abril de 2013, além dos textos produzidos pelo grupo, lincados aqui no Canal Contemporâneo.

Local: Centro Cultural Banco do Nordeste

Orientadora: Cecília Bedê

Participantes:
Bia Perlingeiro
Clara Machado
Juliana Castro
Kennedy Saldanha
Lara Vasconcelos
Mel Andrade

Posted by Patricia Canetti at 10:35 AM