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janeiro 31, 2013
Subversão da Arquitetura / Pontuação da Arquitetura: Passagens por Marília Panitz
Subversão da Arquitetura / Pontuação da Arquitetura: Passagens
MARÍLIA PANITZ
A intenção plástica que semelhante escolha subentende é precisamente o que distingue a arquitetura da simples construção." Lucio Costa 1
Talvez a grande questão que se possa levantar em relação à arquitetura dentro do universo da cultura e especialmente da estética, seja o fato de que ela ocupa a região fronteiriça entre a funcionalidade e o oferecimento à fruição não funcional com uma radicalidade improvável a qualquer outro dos campos limítrofes, como o design, a fotografia, a escrita jornalística, entre outros. Esta é, possivelmente, uma das áreas mais ricas para a discussão que se apresenta neste campo ampliado da produção artística. 5
Geraldo Zamproni produz suas obras nesse intervalo. Para além da ideia de colocação da obra dentro do espaço construído ou em relação ao mesmo, o artista fustiga a estrutura arquitetônica com suas enormes (mas, ás vezes, mínimas 6)formas que, ao mesmo tempo, ressaltam e desconstroem o rigor das formas. Propõem paradoxos para o olhar.
Seu trabalho aproxima-se à linha de produção de artistas que, a partir do século 20, passam a pensar a intervenção no espaço urbano e, em especial , nas suas edificações como comentário /pontuação daquilo que o habitante da cidade passa a naturalizar, ver como algo que sempre esteve ali e que é assim porque tem que ser – marca da paisagem urbana. Se avizinha de certas obras de Gordon Matta Clark, nos faz pensar nos Projetos Arte|Cidade. E, sem dúvida, nos remete àquele Benjamin que requisitava o olhar do visitante para ativar certos equipamentos urbanos invisíveis a seus habitantes 7.
Brasília, 2011: Premiado pelo Edital da Funarte, Geraldo instala suas enormes almofadas vermelhas, sua "Estruturas Voláteis" 8 sob a marquise do Espaço Cultural da Funarte, no Eixo Monumental. A paisagem se transforma (e há que se observar o fato de que esta paisagem urbana específica, em sua monumentalidade, "engole" quase tudo que se instala para dialogar com as edificações de Oscar Niemeyer). Há uma propriedade nas dimensões que é rara nas propostas de intervenção nesse espaço. Por outro lado, as formas vermelhas tomam conta do espaço inferior da marquise, do espaço de passagem (no sentido comum e no sentido benjaminiano). Uma delas se instala na entrada da galeria. Temos que contorná-la, tocá-la, colocar-nos em relação à sua dimensão. Somos muito menores do que ela (como somos mínimos na paisagem do Eixo Monumental). Outra é instalada dentro do Museu Nacional (também de Niemeyer). Quase espremida embaixo da rampa que dá acesso ao mezanino, ela se rebela, se espalha, impõe a cor ao branco. Começamos a perceber que ela tem muito a dizer ao espaço do arquitetopoetadasformas. Ela é cúmplice e crítica dos vazios generosos e, muitas vezes, áridos dos prédios-esculturas.
Curitiba, 2012: Museu Oscar Niemeyer. Grandes vãos sustentados pelas colunas em forma trapezoide, presença recorrente nas obras de seu criador, cercado pelo espelho d'água que reflete a forma mais inusitada da edificação: o olho. É nesse espelho d'água que Geraldo instala seus pilares-espelho... Pilares que não sustentam nada, que não tem alicerce, não têm peso, flutuam na água... Suas "Estruturas brincantes". Estranhamento e conforto, deslizamentos do olhar sob o grande olho construído. 9
O que nos faz pensar na relação da intervenções de Zamproni nas áreas que circundam as edificações de um estilo de arquitetura que se filia (não sem muitos problemas) às postulações da Carta de Atenas 10, naquilo que determina a sua implantação. A ideia de fazer a cidade "respirar" com os espaços abertos em torno dos prédios tem gerado inúmeras discussões nesses quase cem anos da escritura do documento. Uma das questões que é recorrente (e que um habitante de Brasília, como eu, conhece tão bem) diz respeito a como se dá essa ocupação pelos seus destinatários: os moradores da cidade e seus visitantes.
Esse parece ser um ângulo interessante para se abordar a obra do artista. O non sense das formas enormes e leves implantadas por ele 11 – sempre em diálogo com a arquitetura e o urbanismo (inseparáveis, para os termos da Carta) – problematizam o espaço idealizado e, a um só tempo, oferecem-se ludicamente como ativadores dos mesmos, como atrativos, como enigmas a serem decifrados ou... brincadeiras que humanizam o concreto.
Pilares que se deslocam sobre a água pela ação do vento. O que sustentarão? Pensando no fato das intervenções de Geraldo Zamproni localizarem-se em museus e espaços culturais, podemos supor que eles destinam-se a sustentar certa estrutura impalpável - metaforizada por Georges Bataille, no verbete Museu, de seu Dicionário Crítico - em pulmões que oxigenam, limpam o sangue (seu fluxo no corpo do humano e por vizinhança de sentido, no corpo da cidade). Afinal, como ele nos diz, "O Museu é um espelho colossal onde o homem contempla a si mesmo...". Podemos assim lançar nosso olhar para as colunas flutuantes com a esperança de decifrarmos, sobre elas, quem sabe, o que oxigena nossa vida cotidiana.
Marília Panitz
Brasília, setembro de 2012
NOTAS
1 COSTA, Lúcio Considerações sobre a arte contemporânea (1940). In: Lúcio Costa, Registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995. p. 601. volta ao texto
2 In " La prise de la Concorde", 1974, apud, DISERENS, Corinne "O filme arquitetônico de Matta Clark, Revista Trópico, http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/1095,3.shl. volta ao texto
3 "Critical Dictionary", verbete Museu, In, BATAILLE, LEIRIS, GRIAULE, EINSTEIN, DESNOS, "Encyclopedia Acephalica", Atlas Arkhive Three/Documents of the avant garde, London : Atlas Press, 1997, p. 64. volta ao texto
4 BENJAMIN, Walter, Passagens, Belo Horizonte: Imprensa Nacional/UFMG, 2006, p 935. volta ao texto
5 A 30ª Bienal de São Paulo tem como um dos seus eixos, esta discussão das fronteiras entre arte e arquitetura. volta ao texto
6 vide seu trabalho do premiado no Salão de abril de Fortaleza, em 2008, onde mãos brotam da parede, quase indiscerníveis ao primeiro olhar, na sua brancura. volta ao texto
7 Ver "Rua de Mão Única", Volume II de suas obras escolhidas. (Ed Brasiliense, já em sua 6ª edição, 2004). Ver seu "Livro das Passagens" (Imprensa Nacional/UFMG, 2006) volta ao texto
8 Geraldo me conta que" Estrutura Volátil" passa a ser uma frase de ordem que surge para dar nome à obra do Prêmio Funarte em Brasília, mas que este trabalho já tinha sido mostrado na Bienal do Milênio em Granada-Espanha. Penso em como deveria ser a imagem destas enormes formas em relação á paisagem urbana de Granada em seus tons de areia e ocre. volta ao texto
9 Essa obra de Zamproni me faz lembrar minha primeira visita ao "museu do olho", há alguns anos. O que mais me impressionou na época foram os enormes cones de madeira de Eduardo Frota, expostos justamente no grande vão do Museu. Eu já os tinha visto na 26ª Bienal de São Paulo. Sua dimensão, dentro do espaço do prédio da Bienal, era impressionante. Parecia que se tinha necessariamente que olhar para dentro dos cones . Essa era a relação direta, íntima. No MON, eles passaram a ter o espaço em torno deles, o distanciamento (ou melhor a perspectiva paradoxal de um dentro e um fora como pendulação da fruição da obra). O trabalho de Zamproni, agora instalado no Museu reafirma essa vocação desse local de passagem sustentado pelas colunas. volta ao texto
10 O grande manifesto urbanístico que muda o pensamento ocidental para a área, escrito no IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (em Atenas, 1933), do qual Lucio Costa é um dos autores e signatário. Brasília (assim como a obra de Niemeyer) é filha dessa carta. volta ao texto
11 Há um outro trabalho que ajuda a esclarecer estas relações : sua série Sustentabilidade associa, pela ação de um zíper blocos de concreto e grama natural (onde se identifica a referência a Nelson Leirner) foi implantado na parte externa do Paço das Artes de São Paulo em 2010 e premiado no SPA das Artes, de Recife, em 2011. volta ao texto
janeiro 30, 2013
Walter Zanini por Ricardo Resende
Retrato do professor Walter Zanini, desenho de Jac Leirner, 22/08/1981 (postado pela artista no Facebook)
Walter Zanini - 1925-2013
RICARDO RESENDE
Do Professor Walter Zanini tive a minha maior lição de profissão. Em 1995 tive a oportunidade de trabalhar com o professor na montagem da mostra do Grupo Santa Helena organizada pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo. Estávamos no espaço quando ele observou o recém instalado texto de abertura da exposição. Título, curador e artistas seguido dos patrocinadores. Todos em letras garrafais, menos o dos artistas. Desinformação de quem fez a comunicação gráfica. O professor chegou ao meu lado em seu habitual tom baixo de voz e disse: “Ricardo, mude a posição do meu nome para abaixo dos nomes dos artistas. Melhor, não precisa colocar o nome do curador. Ele é menos importante. O importante aqui são os artistas” (sic).
Precisaria dizer mais alguma coisa nesta época de listas dos 100 mais poderosos do meio das artes lançada todo ano pela revista Artnews e replicada aqui como um mantra por uns jornalistas que se impressionam com o “poder”?
Pois é, para quem não teve a sorte de trabalhar com o Professor Walter Zanini em um museu ou estar em meio a uma montagem de exposição, afirmo que ele faz parte desses intelectuais que fazem a história do nosso país. Não foi apenas um intelectual, foi um dos nossos primeiros historiadores de arte profissional ou melhor, que institucionalizou a profissão no país. Foi dos críticos de arte mais contundentes e dos mais inventivos gestores culturais que o país teve na segunda metade do século XX. A museologia que praticava era ousada e continua sem parâmetros na atualidade. Foi chamado para criar o Museu de Arte Contemporânea quando a Universidade de São Paulo recebeu a coleção de arte moderna do Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1963. Chegava da Europa onde tinha estudado historia da arte e museologia.
À frente do MACUSP entre 1963 e 1978, transformou o novo museu em uma espécie de casa dos artistas com o programa de exposições Jovem Arte Contemporânea, as Jac’s como ficaram conhecidas.
Lá no Rio de Janeiro tinha o artista Hélio Oiticica com sua Nova Objetividade Brasileira, em 1967. Aqui em São Paulo tínhamos o Zanini fazendo das suas no mesmo ano, e tinha o MAC como este espaço aberto e sem limites para os artistas.
Sempre esteve à frente de sua geração ao se interessar pela experimentação artística, o que o levou a curador (e não mais diretor artístico) de duas Bienais Internacionais de São Paulo, a de 1981 e 1983. A que ficou para a história foi a de 1981 em que predominou a Arte Postal que compõe hoje um rico acervo na Coleção de Arte da Cidade, sob a guarda do Centro Cultural São Paulo.
Escreveu o livro Historia Geral da Arte do Brasil, de 1983, esgotado há décadas.
Aposentou-se como professor na Universidade de São Paulo e deixou um importante legado ao incentivar no seu tempo as experimentações artísticas, sobretudo aquelas ligadas a arte postal, vídeoarte e mais recentemente, quando ainda não se discutia com tanta veemência, as novas mídias digitais, o seu foco de interesse na arte contemporânea.
Aqui vale aquela máxima: o Professor Zanini sempre esteve à frente do seu tempo. Este é o seu maior legado que serve de lição para as novas gerações de artistas, curadores, gestores, historiadores e professores.
Ricardo Resende, 29/01/2013
janeiro 26, 2013
Marinhagem: screening instalation por Ana Pissarra, Jorge Quintela e Rachel Korman
Marinhagem: screening instalation
Onde o rio encontra o mar
O pontão da Barra do Douro (foz do Douro, Porto, Portugal) estabiliza as margens do rio e melhora as condições de navegabilidade e de segurança. Esta construção, na coordenada 41.1500° N, 8.6670° W, foi o ponto de partida para marinhagem.
A primeira visita ao pontão foi numa tarde de inverno, em dezembro de 2010, durante um percurso turístico que as artistas fizeram na foz. A forte estrutura de cimento tem vários orifícios abertos para o mar, e a maré provoca a subida de água até a superfície do pontão, libertando um som muito particular.
‘pure pleasure’ é o título do vídeo gravado por Rachel Korman naquela coordenada em 2011, com colaboração de Jorge Quintela.
Uma terceira visita ao espaço aconteceu no final de 2012, com o país mergulhado numa crise financeira que eclodiu para todos os sectores da sociedade, a saída para fora do país imposta a milhares de pessoas e o desnorte político. O poético som da água e do vento de ‘pure pleasure’ transformou-se no naufrágio de ‘Neptunismo’, vídeo gravado por Ana Pissarra em 2013.
João Barrento no livro Umbrais, 1999 (sobre Portugal como destino seguido de mitologia da saudade de Eduardo Lourenço) circunscreve uma reflexão para marinhagem: ‘Em Portugal como destino assistimos a uma espécie de balanço final, revisitação agudizada em vários momentos da sua leitura, de uma galáxia de pensamento que se veio expandindo, desde labirinto da saudade, sob esta forma de hermenêutica mitopoética de uma presumível identidade e de um destino traçado com as descobertas, que teima em não alterar substancialmente as coordenadas da sua rota. Busca de identidade e de destino certamente não ausente ainda hoje, embora em estado de adormecimento, à espera de um beijo que não será com certeza o do euro, e apesar de hoje vivermos, e como escreve Eduardo Lourenço, num regime sem nome que, desde a Revolução que nestes dias festejamos, ‘não suscitou nem emoção nem reflexão consequentes’. E apesar de, pela primeira vez, não sabermos bem o que somos como destino. E não sabemos, porque ninguém quer, ou arrisca, fazer a ominosa pergunta, e muito menos responder-lhe. A direita- a civilizada, e outra praticamente não temos hoje- porque isso a obrigaria a fazer aquilo para que, mesmo essa, nunca esteve muito vocacionada: Problematizar-se. A esquerda- a não renovada-, por pudor da metafísica e por uma fobia visceral da matéria mítica, já em parte responsável, neste século, pela fácil ascensão de fascismo e nazismo; e a esquerda renovada sobretudo devido à hipoteca de largos sectores das suas hostes à imparável investida neo-liberal, de perfil decididamente pragmatista.
Marinhagem explora associações entre memória, identidade e destino, sempre numa lógica de integração da água com o ar. É ao mar a que sempre se regressa. E no vento encontramos a voz para o que restou no coração. São esses elementos, nas suas manifestações mais despojadas, que nos acolhem na sua simplicidade ou violência.
janeiro 13, 2013
Para além do arquivo por Cauê Alves e Priscila Arantes
Para além do arquivo
Para além do arquivo, Centro Cultural Banco do Nordeste, Fortaleza, CE - 10/12/2012 a 20/01/2013
Para além do arquivo é uma mostra sobre o acervo imaginário do Paço das Artes e foi elaborada a partir da memória da instituição: vivências, catálogos, livros e documentos diversos. A exposição apresenta a produção de 15 artistas que se aproximam de questões ligadas a arquivos e dispositivos de registros que passaram pela Temporada de Projetos. Eles fazem parte de uma espécie de Museu Imaginário, tal como definiu André Malraux.
A noção de Museu Imaginário supera a concepção de um museu de imagens viabilizado depois da invenção das técnicas de reprodução fotográfica que permitiram uma enorme difusão de repertório e que revolucionaram os conceitos de espaço e tempo. A questão central é uma espécie de construção de um espaço imaginário. A coleção de um museu passa a ser também um lugar mental, campo alargado e ilimitado da memória e da fantasia. O Museu Imaginário vive dentro de cada um de nós.
Mais do que o registro de algo efêmero, os documentos podem ser também construções poéticas. Para além do arquivo, ao se aproximar do registro e do documento na arte contemporânea, parte do princípio de que eles jamais podem ser compreendidos como uma verdade positiva. Toda a apresentação desses materiais será uma entre outras possibilidades de reencenação. Os dispositivos de memória são sempre lacunares e incompletos. Como o arquivo só tem importância se for ativado, Para além do Arquivo pretende reavivar a memória e o acervo imaginário do Paço das Artes.
Cauê Alves e Priscila Arantes, curadores de Para além do arquivo
janeiro 10, 2013
Roleta Russa por Fernando AQ Mota
Roleta Russa
FERNANDO AQ MOTA
Paulo Climachauska - Re-subtrações, Oi Futuro, Rio de Janeiro, RJ - 15/01/2013 a 17/03/2013
“Tudo passa e todas as perspectivas são válidas.
Dá na mesma dom Chico que Napoleão, Cristo que o Rei de Paus.”
Ernesto Sabato, A resistência.
Todo jogo é uma aposta. Seja ela frente a outro jogador, contra si mesmo ou tendo o tempo como adversário. Todo jogo tem começo, meio e fim. No percurso, há regras a serem seguidas e ao menos um objetivo a ser atingido. Todo jogo exige uma estratégia e proporciona uma reflexão. Dessa forma, todo jogador é um pensador. Assim como na vida e na arte, no jogo é preciso ter força e equilíbrio, sem perder de vista o imprevisível. Perder ou ganhar é relativo, acontece a cada jogada, o êxtase do jogo está no desafio.
Incapaz de entregar a obra-prima Crime e Castigo para seu editor dentro do prazo inicial, Fyodor Dostoyevsky produziu em apenas um mês o livro O Jogador (ou Um Jogador), no qual relata através de excêntricos personagens da aristocracia européia a paixão pelo jogo e as condições da natureza humana. Narrado em primeira pessoa por um personagem imerso em um Casino e fascinado pela roleta, o livro também é tido como uma espécie de autobiografia do autor, que ao longo da vida manteve notoriamente uma relação de amor e ódio com o vício do jogo. Ao transportar valores morais para um ambiente de valores numéricos, Dostoyevsky questiona o caráter e denuncia o jogo duplo da sociedade. Mais de um século depois, quando leu O Jogador aos 11 anos, o artista plástico paulistano Paulo Climachauska descobriu que seu interesse na obra ia além da literatura: a edição possuía gravuras de Oswaldo Goeldi, as quais inspiraram Climachauska a seguir carreira no campo das artes. Sua relação com o livro progrediu, vide que seus trabalhos de uma forma ou de outra remetem a sistemas numéricos como forma de crítica ao sistema social. A influencia russa também ultrapassa a literatura, dos jogos monocromáticos de Malevitch às formas geométricas de El Lissitzky, sua obra esta permeada de menções a mestres da arte moderna na Rússia.
Do construtivismo russo ao brasileiro, Climachauska aperfeiçoou táticas e técnicas tradicionais em obras contemporâneas, criou uma nova cara para um antigo jogo. Ressubtrações é uma peça fundamental da obra do artista, abrange quatro séries de trabalhos que lidam com sistemas numéricos de forma sutil, velada. As pinturas de subtrações que se tornaram simbólicas no decorrer da carreira do artista, nas quais Climachauska reconstruiu edifícios modernos como quem faz um liga-pontos, tomam outras formas: são cubos, varetas, cartas e horas que são subtraídos um a um, discretamente, não apenas pelas mãos do artista, mas principalmente pelas jogadas na mente do público. Seja blefando, construindo modelos para armar catedrais ou fazendo o tempo parar, seus trabalhos recentes apelam para a imaginação do publico para dar seqüência ao jogo. A criatividade do artista testa a fantasia do publico a cada rodada, resgatando a criança e questionando o adulto no espectador.
O jogo, assim como a arte, ensina, diverte, faz pensar. Ao utilizar ícones conhecidos do universo dos jogos em sua obra, Paulo Climachauska promove entretenimento aliado a educação, cria um ambiente para debates, tanto culturais quanto sociais, uma oportunidade para reler os manuais de instrução da sociedade dos nossos tempos. Os trabalhos incitam o público a brincar de detetive, as contagens numéricas são como pistas que levam os jogadores a aprender sobre seus “adversários” e sobre si mesmos, e por fim expandir seus conhecimentos no jogo da vida. Desse modo, a arte pode ter um efeito dominó, passando valores de um para o outro.
Colunas Numéricas/Zero
Poucos edifícios tiveram tanta relevância histórica quanto as catedrais. Ao longo dos séculos, as conhecidas bases religiosas foram também sinônimo de centros de poder político e econômico. Em alguns casos, como o da imponente Catedral de São Basílio, erguida na Praça Vermelha em Moscou no séc. XVI, marca também o centro geométrico da cidade e de seu crescimento. Catedrais são símbolos de fé e espiritualização acima de tudo, mas também são notoriamente conhecidas como amplos espaços físicos com grande acúmulo de riqueza material. Tendo isso em mente, Climachauska “construiu” o equivalente contemporâneo dessas catedrais, a sub-série Catedral, parte da série Construção por Subtração. A partir de elementos visuais já conhecidos da obra do artista, as linhas de subtrações em nanquim definindo os objetos sobre a larga tela branca, formam-se imensos galpões industriais onde caixotes de mercadorias se encontram empilhados por todos os cantos, de cima a baixo, de um lado ao outro. Em alguns casos, as telas ganham uma extensão no ambiente através de esculturas de cubos brancos posicionados no local, um detalhe minimalista à la Donald Judd. Nesses espaços quadriculados onde os limites das caixas se confundem com o chão, com o teto e entre elas mesmas, o artista faz uma critica ao consumismo da sociedade atual e sua obsessão por possuir, questiona os valores da mesma e suas metas. Porém, é uma das derivações da já derivada série Catedral que representa um momento de transição na obra de Climachauska: os números antes registrados com precisão nas subtrações dentro da própria tela passam a se contradizer quando surgem os desenhos do cubo de Rubik, mais conhecido como cubo mágico. As linhas de subtrações continuam presentes na superfície, porém a contagem não pode ser concluída de forma exata devido à natureza mutável do cubo mágico, o zero ao final de cada equação é portanto relativo. A ausência de cores do modelo original no papel serve para enfatizar a incerteza do produto final. Apesar da dimensão do objeto em estudo ser muito menor do que os estoques de caixas que formam o início da serie, as variantes contidas em apenas um cubo magico propõem ao publico uma rede extremamente complexa de combinações de movimentos e cores ate que se solucione o problema. Ao mudar o foco para a estrutura geométrica básica dos depósitos, Climachauska examina as unidades que formam a unidade, os cubos dentro do cubo, como um estudo do estudo da obra.
Quando criou o cubo em 1974, o professor húngaro Ernő Rubik pretendia ilustrar a seus alunos de arquitetura o conceito da terceira dimensão. Através de seis cores diferentes, uma em cada lado da peça, seria possível compreender a perfeição geométrica do objeto. Apesar dos movimentos giratórios alterarem a estética pictórica das faces do cubo, não mudam sua forma física. O quebra-cabeça se tornou ícone pop nos anos 80 e até hoje é internacionalmente reconhecido, talvez uma das “catedrais” da matemática. Arquitetura sempre foi uma das bases tanto visíveis quanto conceituais da obra de Climachauska, a escolha do cubo como tema, portanto, não surpreende, mas o fato do artista retratar algo tão inconstante muda as regras do jogo. Se antes os edifícios registravam fatos, agora o cubo mágico se sustenta na dúvida. Antigas rivais, Religião e Ciência são viradas às avessas: as “catedrais” se tornam metáforas para lógica e organização, enquanto que os cubos só podem ser solucionados através da crença do publico no relato gráfico do artista. De forma inusitada, Climachauska entrega o jogo social das instituições e transforma a condição de um jogo fundamentalmente individual.
Dentro de um contexto social, político e econômico, que já faz parte do histórico das obras do artista, a inclusão dos cubos dentro da série Catedral denota a necessidade da sociedade brasileira em analisar melhor os detalhes, calcular novas soluções para antigos problemas, rever o que é considerado sagrado e reorganizar-se. Tanto para construir catedrais quanto para montar o cubo de Rubik são indispensáveis planejamento e disposição. É preciso olhar fora da caixa, mudar a cara da estrutura e girar suas facetas, ter menos fé e mais atitude se o país quiser mesmo qualquer tipo de mudança perceptível. Cabe a nós, cidadãos brasileiros, lançar os dados, pular a amarelinha, quebrar a cabeça e mover as peças se quisermos construir novas colunas, apostando em outros quadrados além do zero.
Ímpar/Par
O cubo mágico não foi o único jogo que Climachauska abordou envolvendo cores e formas geométricas. Pouco antes, ele já desenvolvia Modelo Para Armar, uma série inteira de obras sobre o jogo infantil pega-varetas, da qual fazem parte desenhos, vídeos, fotografias e até uma instalação. No jogo tradicional, 28 varetas coloridas (verde, azul, amarelo, vermelho e preto) de aproximadamente 20cm cada são lançadas sobre uma superfície plana, cada jogador deve tentar retirar o máximo de varetas na sua rodada sem mexer nas demais. As cores têm diferentes pontuações, sendo que a preta por ser única vale mais que as demais, vencendo assim o jogador que atingir a maior pontuação no final. Em suma, o jogo exige habilidade manual e contabilidade, dois elementos por si só presentes na obra de Climachauska.
A parte fotográfica da serie foi feita numa mesa de scanner, onde o artista deixou as varetas caírem ao acaso e foi retirando-as uma a uma a cada foto, produzindo assim 28 fotografias com fundo preto, sendo que a ultima delas traz a imagem de uma vareta preta sobre o papel preto, uma clara alusão ao mestre suprematista Malevitch e seu branco sobre branco, o artista russo já sendo uma antiga referencia estética em trabalhos de Climachauska. Em juxtaposição às fotografias estão os desenhos em pastel sobre papel, nos quais as mesmas varetas são reproduzidas em novas posições, dessa vez sobre um fundo branco. A mudança de mídia e da cor ao fundo traz uma nova perspectiva do jogo ao público: enquanto que nas fotografias as varetas ganham uma certa tridimensionalidade e as cores acabam realçadas devido ao contraste com o fundo escuro, nos desenhos fica menos evidente o numero de varetas no papel à primeira vista, e a preta por sua vez se mistura às outras com facilidade. Os desenhos trazem a delicadeza de um projeto, como possibilidades a serem jogadas, as fotografias por outro lado confirmam o que já foi feito, são registros das rodadas anteriores. Somam-se aos dois a instalação feita para a Bienal de Curitiba em 2011, e o vídeo da mesma em atividade. Na instalação um feixe de varetas de alumínio com mais de três metros de altura se encontra dependurado por um aparelho preso ao teto, de onde as varetas estão inicialmente posicionadas na vertical até tocarem o chão. Quando a peça que une as varetas entra em ação, lançando as mesmas no ambiente, em questão de segundos essas varetas coloridas se encontram espalhadas no chão, como uma reprodução numa escala descomunal do jogo original. O fator acaso se mostra mais presente do que nunca, vide que a cada vez que as varetas forem lançadas cairão ao chão em posições diferentes, sugerindo ao público uma velha lição: tente outra vez. Finalmente, o video mostra a cena das mesmas varetas desabando ao chão, porém, de modo inverso à realidade, brincando com o tempo, as varetas sendo levantadas ao ar e retornando à posição original após a queda. Apesar de ter como base a instalação, o video se opõe a ela quando organiza as varetas que antes foram espalhadas, propondo ao mesmo tempo uma comparação com as situações do jogo retratadas nos desenhos, que na Bienal foram postos numa parede atrás da instalação, misturando as dimensões de ambos. Independente da mídia utilizada, a série traz alguns indícios da nova fase na obra de Climachauska, tais como: a subtração não explicita presente na retirada de cada vareta, o uso de cores fortes em tons fechados, e por último, a desordem dos elementos estéticos dentro do trabalho, até então racionalmente evitada.
Um dos pioneiros da arte no século XX, influenciado pelo movimento construtivista russo e professor chave da icônica Bauhaus, o húngaro László Moholy-Nagy era extremamente a favor da união de tecnologia e arte. Sua obra surgiu essencialmente através de linhas e em seguida quadriláteros, e assim como a série de Climachauska, tomou formas distintas, da pintura ao design passando pela fotografia. Modelo Para Armar funciona assim como o próprio jogo, cada peça tem um sentido e um valor particular, são esses pares que fazem dela impar, tal qual a vareta preta. Uma a uma, as afiadas varetas apontam para novas direções, tanto para o artista quanto para o publico. Se os cubos de Rubik demandam organização e raciocínio, as varetas quebram a barreira lógica e requerem precisão e confiança. Atenção: Há de haver um balanço para não perder a rodada. Afinal, todo bom jogador sabe, só se forma um cubo quando se possui retas.
Vermelho/Preto
Algumas décadas antes de Moholy-Nagy e do professor Rubik, Budapeste foi no final do século XIX o berço do mágico Harry Houdini, o qual começou sua carreira de truques através do uso de cartas. Talvez o mais conhecido nome do ramo ate hoje, Houdini chegou a se auto-proclamar o “Rei das Cartas”. Mágica é meramente um jogo de persuasão, a mente do espectador desconfia dos olhos, ambos são testados pelo mágico. O segredo é trancado a sete chaves. Ao final, resta a eterna dúvida do blefe.
Assim como no jogo pega-varetas, as cartas do baralho possuem uma hierarquia interna, as cores das varetas porém são trocadas pelos quatro naipes e pela ordem numérica das cartas. O valor dado a cada vareta e a cada carta funciona como um sistema de castas social, um tópico já explorado por Paulo Climachauska anteriormente e componente vital da sua obra. Na série Blefe, o artista retoma a crítica social de forma camuflada, escondendo o jogo, assim como a sociedade brasileira trata o assunto. As obras são reproduções gráficas de versos de cartas de baralho, através da manipulação por computador de desenhos vetoriais baseados nos originais e do processo final de ampliação e impressão de fotografias das novas cartas. O artista entra em cena como um crupiê, é ele quem dá as cartas, literalmente. Losangos, círculos, quadrados, os padrões geométricos das obras são velhos conhecidos do publico; em azul, vermelho, cinza, são convites para um novo jogo com o espectador. Cartas na parede, jogo iniciado.
Assim como o baralho original, as obras de Climachauska têm dois lados. O publico porém, não pode ver a face, os números e naipes são incógnitas, invisíveis aos olhos, mas presentes. O jogo é fechado, na base da intuição. A estética do trabalho é uma clara referência ao construtivismo brasileiro, há uma rigidez nas linhas e uma busca pela perfeição plástica dentro da repetição, assim como na obra de Luis Sacilotto por exemplo. A interpretação por outro lado, é mais aberta do que nunca, já que o imaginário coletivo referente ao baralho, há séculos, soma formas e significados diversos. Ao dar carta branca para o publico, formam-se vários baralhos imaginários e a tradicional subtração da obra de Climachauska transforma-se, como mágica, em multiplicação por parte da platéia. O coelho da cartola do artista conduz o público como Alice ao país das maravilhas, entre copas e espadas, valetes e rainhas. Semelhante à historia de Lewis Carroll, Levi-Strauss relata em seu livro Tristes Trópicos alguns costumes e roupas de determinadas sociedades indígenas no Brasil que lembram a iconografia do baralho, paralelamente, Haroldo de Campos associa a geometria da arte concreta nacional à pintura corporal indígena. No caso dos trabalhos de Climachauska, a arte encontra um correspondente social através do que ela oculta e não pelo que encontra-se visível, os valores numéricos, assim como os sociais, não são claros. No Brasil do século 21, são cartas freqüentemente escondidas nas mangas, ambas estão bem embaralhados e mal distribuídas.
O jogador que blefa deve fazer o outro crer em algo inexistente, engana-lo, iludi-lo. O momento do blefe cria tensão, desconfiança, leva o jogo a outro patamar, tira os participantes da zona de conforto. A arte aqui funciona da mesma maneira, levanta questões e recusa-se a dar respostas, instiga a memória e a capacidade de adivinhação de quem a vê. O universo das cartas proporciona inúmeras analogias em diferentes cenários, Climachauska pode também tomar o papel de uma cartomante, a qual coloca as cartas frente ao publico mas não revela a ele o que vem adiante. A leitura cabe ao espectador, o jogo passa assim a ser individual, é recomendável ser paciente. Aos moldes de um jogo de paciência, no qual as cartas do baralho são colocadas em ordem descendente numérica dentro de cada naipe, o químico russo Dmitri Mendeleev descobriu a tabela periódica dos elementos químicos ao rearranjar cartas, as quais continham informações de cada elemento em ordem ascendente de acordo com a massa atômica e separados em grupos com propriedades semelhantes. Não seria blefe portanto, dizer que o baralho exerce poder tanto sobre o raciocínio lógico do ser humano, quanto sobre sua criatividade e seu modo de enxergar a realidade. O grande trunfo da serie Blefe é exatamente essa flexibilidade interpretativa remanescente do objeto original, que faz o publico simultaneamente questionar as intenções do artista e reavaliar as cartas que tem na própria mão.
As Rodas da Fortuna
No livro O Dia do Curinga, Jostein Gaarder descreve um calendário alternativo onde o tempo é baseado nas cartas de baralho. Cada estação corresponde a um naipe, cada carta simboliza uma semana do ano e cada mês equivale a um número de carta, sendo assim 13 meses ao ano com 28 dias cada. Dessa forma, somam-se 364 dias, o dia restante seria o Dia do Curinga. O Curinga é a carta que não possui valor numérico no baralho, não pertence a nenhum naipe, e ao mesmo tempo pode assumir o papel de todas as outras. Na historia de Gaarder, o Curinga representa o oposto da figura do louco, a qual normalmente é associado, ele é o único ser são na ilha fantasiosa da narrativa. No tal dia extra do ano, o Curinga através de um jogo resolve revelar algumas verdades às outras cartas, assim, o dia fora do padrão acaba sendo o único dia no qual a rotina é suspensa em prol do juízo comum. É curioso pensar na peculiaridade da situação, a imagem do insensato como forma de lucidez. Talvez o Dia do Curinga seja aquele dia em que ao invés de jogarmos tudo para o alto, somos obrigados a nos deparar com nossos próprios desatinos e aprender com eles, o dia para o qual raramente temos tempo.
Já não era sem tempo a escolha de Paulo Climachauska em utilizar o relógio como objeto de estudo. Além da contagem do tempo, da subtração das horas e do sistema numérico que o relógio representa, sua forma circular com marcações através das retas dos ponteiros sugere uma semelhança com os notórios “ligapontos” de suas pinturas e com o interesse do artista em geometria e matemática como base da civilização contemporânea. A série Tac-Tic é composta por treze painéis em fórmica fosca preta e branca de 120x93 cm cada, representando as sombras projetadas pelo gnômon (ponteiro) do relógio de sol ao longo do dia. Paralelamente, o artista desenvolveu O Dia em que a Terra Parou, uma escultura de granito negro com 90cm de diâmetro reproduzindo o objeto original, entretanto posicionada com o gnômon tocando o chão ao invés do mostrador do relógio, ou seja, impossibilitando e conseqüentemente anulando a contagem convencional do tempo. Para enfatizar essa mudança de avaliação da medida do tempo, Climachauska determinou que os painéis devem ser dispostos na parede de forma a mostrar as sombras do relógio em contagem anti-horário, terminando no totalmente preto da ausência do sol, indo claramente contra o método tradicional de visualização do tempo - daí o título da série. Nos jogos de cartas, o crupiê inicialmente as distribui no sentido horário, a começar pelo jogador à sua esquerda. Nesse caso, Climachauska determina uma redistribuição e muda as regras do jogo, do tempo. A escultura possui uma referencia clara a Duchamp e seu ready-made, o qual mudou as regras da arte. A inversão do objeto original visa a mudança de perspectiva do espectador, portanto nada mais é do que um jogo entre ele e o artista. O Dia em que a Terra Parou tem seu nome enraizado no filme homônimo americano de 1951, o qual retrata um alienígena que ameaça o fim do planeta Terra caso os povos não entrem num acordo de paz. Assim como no livro de Gaarder, é preciso uma figura externa, uma carta fora do baralho, para que os envolvidos na situação presente possam parar o tempo e reavaliar o estado em que se encontram. Dessa forma, a distorção do conceito e da imagem usual de algo pode portanto promover a transformação e a construção de uma outra realidade.
A estética de ambas as partes da série remete mais uma vez a conhecidos nomes da arte construtivista brasileira, os painéis em específico a Geraldo de Barros e seus trabalhos em fórmica preto e branco, enquanto que a escultura compreende formas semelhantes às de Amilcar de Castro. Climachauska por sua vez, constrói o tempo através das imitações das sombras do relógio, mas por outro lado o destrói ao inutilizar seu marcador oficial. Esse conflito somado à questão sombra/luz do relógio de sol traz consigo uma bipolaridade encontrada em jogos de duplas, como gamão, ou é claro, o passatempo dos Czares, Karpovs e Kasparovs: xadrez, um jogo tradicionalmente representado nas artes plásticas, Duchamp provavelmente seu maior expoente artístico tanto dentro quanto fora de sua obra. Xadrez, o jogo dos reis e o desafio dos matemáticos, um tabuleiro quadriculado onde peças brancas e pretas em formatos diferentes duelam entre si, talvez o símbolo maior de estratégia e tac-tic-a. O jogo no qual o tempo é suspenso no ar, pode levar minutos ou anos, inúmeras composições são possíveis entre as peças, um universo paralelo se desenvolve dentro do objeto. Assim como num jogo de xadrez, na série Tac-Tic as fórmicas de Climachauska formam a parte ativa do jogo, na qual as sombras do movimento do relógio de sol são registros reais do tempo, anunciam as jogadas, enquanto que a escultura de granito é a parte racional do jogador, o momento em que reflete-se sobre as possibilidades, no qual o tempo é subjetivo. As duas obras são partes que se completam, como opostos: as formas físicas e intelectuais, o duo branco e preto, o artista e o espectador, a obra e o jogo. As representantes do tempo na obra de Climachauska são como a conquista de espaço num tabuleiro de xadrez, demarcam território e mudança, tanto de pontos de vista quanto de ângulos no papel. O tempo é medido de um lado pelo artista em sua obra e de outro pelo publico ao confronta-la, as obras questionam não apenas o tempo mas também o espectador, incentivando-o a rever seus movimentos anteriores e por fim a deixar-se no tempo.
Assim como o público, todo artista em algum momento se depara involuntariamente com a questão do tempo. Tempo é indispensável para um jogador. O tempo é a grande roda, o tambor do revólver, o verdadeiro dono da fortuna. Todo jogo é como uma roleta russa, pode-se perder ou ganhar. O empate é um mero atraso da vitória ou derrota que está por vir. Na hora em que a bola branca pára na roleta, ou no momento em que a bala preta sai da câmara do revolver, não há como voltar atrás, as apostas já foram feitas, é tudo ou nada. O valor de cada jogo, porém, não é preto no branco, é como o valor de cada vida ou obra de arte: imensurável, constantemente em transição, individual. Duchamp já disse uma vez: “nem todos os artistas são jogadores de xadrez, mas todos os jogadores de xadrez são artistas.” A arte de Paulo Climachauska é, nesse tabuleiro, atemporal: mudam-se os jogadores, trocam-se as peças, mas o jogo permanece com a mesma identidade, continua girando com novas apostas.
“Dou-lhe este relógio não para que você se lembre do tempo, mas para que você possa esquecê-lo por um momento de vez em quando e não gaste todo seu fôlego tentando conquistá-lo.”
William Faulkner, O Som e a Fúria.
Precisa poesia por Fernando Gerheim
Precisa poesia
FERNANDO GERHEIM
A série Catedral, apresentada em Fluxo de Caixa, mostra de título ambíguo na Artur Fidalgo galeria, é composta de quatro telas malevichianamente brancas, de grandes dimensões, com imagens de galpões industriais que armazenam commodities. O elemento geométrico mínimo é o cubo, modulado para criar, com linhas pretas que se encontram em ângulos retos, a imagem que parece feita por computador. Ao chegar perto, observamos que esses depósitos, apesar de adotarem a ilusão perspectiva e terem tamanho quase natural, são, na verdade, pequenos números, escritos à mão.O depósito industrial é a gestalt desse conjunto de algarismos. Os números são não exatamente o fundo, mas a infraestrutura da figura – como da sociedade dominada por commodities que formatam o mundo contemporâneo em mercadoria.
O cubo,quando ganha função social, passa ase chamar caixa. A distância entre um e outro é aquela entre a abstração geométrica e a figuração. Esses dois lados que a história da arte opõe estão juntos em Catedral. Mais do que isso: a caligrafia de números faz da imagem conceito. Mas o conceito não corresponde a ela, ao contrário do que ocorre no caligrama. O depósito industrial, lugar de acúmulo, significa o oposto da subtração. A catedral é o galpão, mas ela é feita de subtração. O número diminui, algarismo a algarismo, para fazê-la aumentar.
Re-subtrações, no Oi Futuro, mostra que ocorre simultaneamente a Fluxo de Caixa, completa a nova face da linguagem de Climachauska, que tem como característica a construção pela subtração. Há um desdobramento no espaço físico e simbólico: em três dimensões, cria ambientes; esculturas; incorpora cores, utiliza o vídeo, mas, sobretudo, introduz o acaso, trazendo o jogo, sistema de probabilidades abertas, para o seu repertório, e ainda mais, inverte o tempo. O mundo dos algarismos passa da operação de subtração para os fatos da vida social, e torna-se presentede modo invisível.
O número, que na obra de Climachauska não remete à pureza racional, mas à economia política, agora passa a ser parte de jogos. Um jogo de linguagem.O rigor formal está presente em seu trabalho, ao mesmo tempo, como termo de uma operação lógica. Quando universalidade se torna sinônimo de mercado global, esses trabalhos releem criticamente a herança construtiva, abrindo novas genealogias na arte brasileira. Mais do que referência formal, o processo construtivo é aqui um termo cultural com que o artista joga.
Na arte, como na vida, as coisas se ligam por metonímia. As caixas saem do galpão e revestem as paredes da galeria, com suas abas dobradas que saltam do plano. No chão, caixas de papelão formam cubos mágicos. Fluxo de Caixa é completada pelo políptico colorido Rubik, que remete à exposição do Oi Futuro, onde entram em cena o acaso e o jogo.
A seleção, princípio de toda construção, implica na subtração de tudo o que não foi selecionado. Na compreensão sistêmica com que os trabalhos de Climachauska usam os instrumentos da arte para falar da infra-estrutura, o subtraído e o avesso retornam como ordem alternativa do mundo.