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setembro 16, 2011

Produção Crítica e Deslocamento - mesa relatada por Aline Albuquerque

Encontro Sul-americano – Inventando o lugar no CCBNB, Fortaleza
Produção Crítica e Deslocamento

Relato realizado por Aline Albuquerque em 12 de agosto de 2011
3ª Mesa Encontro Sul-americano – Inventando o lugar

"Pensar em rede pode nos levar a estratégias curatoriais diferentes e independentes de estereótipos." "Nós dialogamos pouco apesar do muito assunto." "Nossa fatídica condição pós colonial indica grande capacidade de elaboração de afetos, daí nossa característica hospitalidade." Mais ou menos assim Pablo Assumpção mediou o início da conversa para então nessa ordem, apresentar os convidados, todos artistas-etc, segundo Ricardo Basbaum.

Rodrigo Quijano - Lima/Peru - "La Culpable"

Rodrigo é poeta e curador, foi um dos fundadores do espaço "La Culpable".

O Espacio La Culpable surge da necessidade de reconstruir o tecido social puído pelo tempo em que o Peru esteve sob a ditadura de Fujimori. Vários fatores como a desregularização e perseguição políticas, a censura, o fechamento de espaços públicos e o grande saldo de mortos e desaparecidos não só marcaram, mas transformaram o modo de viver dos peruanos. O consequente vazio, o incômodo com uma cena pobre e conformista criou condições para que um grupo de amigos, bastante heterogêneo, visionassem um espaço independente capaz de promover a recuperação da sensibilidade crítica e despertar para uma nova consciência política e pública. Ações "de base" como a construção de uma biblioteca para o bairro e o resgate das festas de carnaval, eram estratégias de recuperação do terreno social e de aproximação com o público. Nos primeiro anos "La Culpable" produziu muito, especialmente vídeos, que eram exibidos em lugares inusitados, sempre com a vontade de chegar perto da maior quantidade de pessoas. Mais tarde, preocupados com a necessidade de criar memória e, portanto de produzir crítica relativa às experiências ali vivenciadas, entre muitas outras ações, praticou-se a leitura aberta de portfólios - espaço de comunicação direta entre o artista e o público. Segundo Quijano, uma das experiências mais interessantes do "La Culpable", absolutamente sem protocolos e sem mediação, as leituras eram "uma maneira terapêutica de criar momentos críticos efetivos". Porém, a condição de espaço independente é também precária. Ao fazer parte de um circuito cultural que não se completa, o êxito traz como consequência a violência de ter que lidar com as necessidades sociais e as do mercado, o que aos poucos vai sabotando o próprio trabalho. "La Culpable" funcionou entre 2001 e 2008, no distrito de Barranco em Lima, Peru.

Na revista Corneta-Semanário Cultural de Caracas - www.corneta.org - há uma entrevista ótima com os membros de "La Culpable" , 27 de nov. al 3 de diciembre, 2008, no.21

Clarissa Diniz - Recife/Brasil - Revista Tatuí

Clarissa é crítica de arte e editora da revista Tatuí.

Abaporu visita o Brasil - Como parte da programação da visita do presidente Obama ao Brasil, é organizada uma exposição chamada "Artistas Mulheres e Brasileiras", dentre os trabalhos expostos, está a emblemática tela de Tarsila do Amaral, de 1928 - Abaporu. Diante da obra, a presidente Dilma Roussef expõe brevemente o conceito de Antropofagia à família Obama, (que fica muito bem impressionada). O Abaporu pertence ao MALBA - Museu de Arte Latino Americana de Buenos Aires - e a muito custo de lá pode sair. Inicialmente ofertada a Oswald de Andrade como presente de aniversário, o Abaporu ou "o homem que come gente", tornou-se símbolo do movimento antropofágico, cujo conceito serviu para legitimar trechos do discurso da presidente Dilma Roussef. Para Oswald a ideia de antropofagia não era da harmonia, aceitação e consenso em nome da democracia, como Dilma fez parecer em seu discurso, mas justamente o oposto, a ideia do embate e da "deglutição crítica" da cultura europeia imposta pelos colonizadores. Clarissa também lembrou que o empenho da presidente na campanha para que o Brasil se torne membro da ONU, justificou ainda mais sua vertente interpretativa do antropofagismo como filosofia da aceitação.

"Este país, o Brasil, tem compromisso com a paz, com a democracia, com o consenso. Esse compromisso não é algo conjuntural, mas é integrante dos nossos valores: tolerância, diálogo, flexibilidade. É princípio inscrito na nossa Constituição, na nossa história, na própria natureza do povo brasileiro. Temos orgulho de viver em paz com os nossos dez vizinhos há mais de um século, agora. " (Trecho do discurso oficial de Dilma Roussef para a visita de Obama"

"Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade." (Trecho do Manifesto Antrpofágico)

Na década de 70 a arte ocupava um espaço de resistência, com a valorização e preservação da identidade local, a partir de então, com o fortalecimento do ideal neo liberal e a disseminação das ideias de globalização e homogeneização, numa perspectiva universalista, a arte passa a assimilar o discurso do consenso e da aceitação das diferenças e é possível notar esta perspectiva ao observar os temas das Bienais de São Paulo:

"Como viver juntos" - 27ª Bienal Internacional de São Paulo
"Em vivo contato" - 28ª Bienal Internacional de São Paulo
" Há sempre um copo de mar para um homem navegar" - 29ª Bienal Internacional de São Paulo

O que preocupa, segundo Clarissa, é perceber que a arte contemporânea, assim como foi usada por Edemar Cid Ferreira para lavagem de dinheiro e para melhorar a cara do Brasil no estrangeiro, através da empresa Brasil Connects, serve à Dilma para arrochar os laços com os Estados Unidos e suas instituições, dentre elas o Museum of Fine Arts de Houston , que desenvolve amplo projeto de pesquisa "visando à recuperação das fontes críticas da arte latino-americana", ou seja, detém informações sobre nós que nós mesmos não temos. Vale lembrar que o colecionador Adolfo Leirner vendeu toda sua coleção para o tal museu, por achar que o Brasil não produz conhecimento necessário que justifique que as obras fiquem no país.

O depoimento abaixo ilustra a querela institucional que enreda o Abaporu, e dá pistas de um novo modelo curatorial para o sec.XXI, pautado na lógica coorporativa dos museus.

"Sou uma anta. Eu achava que esse quadro não podia sair do Brasil, mas perdi muito dinheiro e precisava vendê-lo", diz. "Procurei todos os colecionadores e museus, ofereci para a Bolsa de Valores, para a BM&F. Ninguém quis. Aí, quando um imbecil do patrimônio veio com a história do tombamento, todos os possíveis compradores nacionais se afastaram." (Depoimento de Raul Forbes - o homem que vendeu o Abaporu")

Esteban Alavarez - Buenos Aires/Argentina- El Basilisco

Para iniciar a conversa, Esteban fala de um álbum de Charly Garcia, de 1973, denominado "Pequenas Anedotas sobre Instituições". Charly Garcia é um roqueiro argentino muito louco, considerado o Frank Zappa portenho por suas invencionices e excentricidades."O álbum era muito diferente, a canção era sempre a mesma e não era contagiante, porém era algo novo, uma oportunidade de nos posicionarmos criticamente em relação às instituiçãoes." Esteban foi um dos diretores de "El Basilisco" espaço autogestionado dedicado a projetos de residências artísticas, que contava com o apoio de diversas instituições, entre elas as brasileiras Itáu Cultural e Fundação Iberê Camargo. Esteban vai direcionar sua apresentação para a reflexão sobre os desafios de constituir espaços alternativos capazes de trabalhar em parceria com instituições, sem trair os princípios que as norteiam, como a produção sem fins lucrativos e com envolvimento social. A fala de Esteban foi bem mais reduzida que as anteriores, ele encerra com a ideia de que, afinal, são as pessoas que fazem a diferença, independentemente de estarem ligadas a instituições ou a projetos alternativos.

Microfone aberto - questões, ideias, reflexões

Ao ser questionada sobre a fatalidade da falência dos coletivos e dos projetos independentes, Clarissa afirmou haver sim uma solução: a revolução. Porém, como esta não vai acontecer, sobram os revolucionários. A eles cabe o papel de trabalhar a partir do problema dado, aproveitar brechas no sistema da arte, que é uma prática disseminada, pode obscurecer os ideais e causar um efeito contrário ao desejado, que é a afirmação do próprio sistema.

Abaixo, algumas ideias que surgiram da conversa final:

- Podemos afirmar que a potência dos coletivos é minada pela ausência de crítica.

- O mercado da arte promove a internacionalização das obras e por outro lado fica a questão do patrimônio. Há um embate de interesses contraditórios.

- Está tudo muito girando em torno do artista como autor, o que configura um retrocesso.

- A apropriação do lucro é individual. Artistas oferecem serviço como obra. Isso pode acarretar uma cena onde o artista ocupa lugar de poder, caracterizando sua morte.

- A consolidação das políticas públicas impede que digamos o que é dependente, o que é independente, o que é demanda e o que é necessidade. O que não é normal é que, cada vez mais, por haver demanda, a geração de novos críticos raramente se posicione, como se posicionar-se fosse menos democrático. A antropofagia não é aceitação do outro, é tensão.

- Os fins dos coletivos devem ser encarados como estratégia, o esvaziamento, como projeto político, como potência. Porque não há saída, ou melhor, há, a revolução. Os subterfúgios, a ideia de pensar se aproveitar das falhas do sistema da arte, obscurece. O problema está dado e é com ele que devemos trabalhar.

Posted by Gilberto Vieira at 5:55 PM

Dinâmicas para a mobilidade - mesa relatada por Aline Albuquerque

Encontro Sul-americano – Inventando o lugar no CCBNB, Fortaleza
Dinâmicas para a mobilidade

Relato realizado por Aline Albuquerque em 10 de agosto de 2011
1ª Mesa Encontro Sul-americano – Inventando o lugar

Qual a eficácia política e social do pensamento gerado à partir das residências artísticas e dos projetos em rede?

Enrico Rocha faz uma breve introdução ao assunto proposto para a primeira mesa do encontro, para logo em seguida apresentar os convidados, que por sua vez vão apresentando "seus lugares."Todos os convidados são artistas-etc, segundo a definição de Ricardo Basbaum:

“Artistas-etc não se moldam facilmente em categorias e tampouco são facilmente embalados para seguir viagens pelo mundo, devido, na maioria das vezes, a comprometimentos diversos que revelam não apenas uma agenda cheia mas sobretudo fortes ligações com os circuitos locais em que estão inseridos.”

“O ‘artista-etc’ traz ainda para o primeiro plano, conexões entre arte&vida (o ‘an-artista’ de Kaprow) e arte&comunidades, abrindo caminho para a rica e curiosa mistura entre singularidade e acaso, diferenças culturais e sociais, e o pensamento.”

Paulina Varas

Paulina Varas é a primeira a apresentar "seu lugar" mostrando uma série de fotografias da cidade de Valparaíso - Chile, de diversos pontos de vista. Em uma das fotos aéreas ela localiza o CRAC, Centro de Residências para Artistas Contemporâneos, circulado por caneta vermelha (me fez lembrar o trabalho de Dora Longo Bahia em que ela interfere em fotos de paisagens.) Localizado em um prédio bonito, antigo e mal conservado, patrimônio da UNESCO, no centro histórico de Valparaíso, o CRAC é : "um centro independente de arte e pensamento contemporâneo, sem fins lucrativos, cujo principal interesse é vincular as práticas artísticas contemporâneas com a história da cidade e a conjuntura cultural e política atual, através de projetos de arte que incidam em diversos estratos da cultura e que proponham um possível diálogo com as formas de relacionar-se na cidade, estabelecendo novas vias de acesso para o intérprete, mediador ou receptor das manifestações culturais." www.cracvalparaiso.org

Paulina apresenta um projeto transdiciplinar consistente que une arte contemporânea e políticas públicas no intuito de exercer a cidadania com criatividade, pensar a cidade através de plataformas colaborativas que unam as formas tradicionais do conhecimento e os saberes autonômos para propor soluções, fazer com que a cidade esteja em condição de existência "poética e recreativa", transformar lugares já existentes dando-lhes novos usos, resignificando-os a fim de satisfazer a real necessidade e vontade dos habitantes. Pode parecer um tanto utópico, e no entanto, a prática demonstra a eficácia desta nova maneira de fazer política. As ideias abaixo foram pescadas da fala ligeira de Paulina, se as apresento assim dispersas, é porque acho que cada uma delas tem muita força e são altamente desdobráveis:

- auto tradução versus tradução linguística
-tradução coletiva
- hospitalidade linguística - "o prazer de habitar o idioma do outro" ou “hospedar o idioma do outro em si”
- utopia transfronteiriça
- cartografia do coletivo
- plataforma colaborativa transdisciplinar propositiva
- experiências sócio-urbanas
- fronteiras da arte com outras disciplinas
- dissidência de locais totalitários
- condição poética e recreativa da cidade
- trama de tecidos coletivos

Francisa Caporalli

Francisa Caporalli ocupa seu lugar à mesa e apresenta o JA.CA - Jardim Canadá Centro de Arte e Tecnologia - que, já de início anuncia ter várias coincidências conceituais com o CRAC, principalmente na questão da transdiciplinaridade. Jardim Canadá é um bairro delimitado pela BR 116, zona de intensa atividade de mineração, que liga Belo Horizonte ao Rio de Janeiro. Originalmente proposta de condomínio modernista, com o passar dos anos, o bairro enfrentou problemas com o abastecimento de água e tornou-se um lugar "estranho", sem identidade, portanto curioso e portanto interessante. A estranheza e a aridez tanto geográfica como social do bairro são motes para a proposição de ações que sempre procuram contemplar a relação com o entorno, inclusive utilizando resíduos industriais por ali encontrados.

O programa de residências "procura unir um grupo de artistas comprometidos com o aprimoramento de sua obra através de práticas criativas e pesquisas rigorosas. O JA.CA é um lugar destinado para o crescimento e intercâmbio de saberes, os artistas serão considerados pela originalidade da proposta apresentada, não se exige que os artistas sejam experientes na área das Novas Mídias." www.jacaarte.gov

"Estamos todos os dias inventando a roda", ou seja, artistas sempre se deslocaram por razões diversas. Como pensar o grande aumento de projetos de residência? Ao que parece os governos enxergam o poder do mercado da arte, o valor de um projeto cultural que pode fluidificar relações internacionais e, no entanto, esbarram em questões diplomáticas que dificultam esta mobilidade. São postas em cheque então, várias questões de política internacional. Qual é a eficácia político-social das residências internacionais?Será que a arte está abrindo caminho para novas maneiras de pensar fronteiras ou os artistas estão servindo, também, para consolidar um projeto neoliberal que tem enxergado o potencial diplomático da arte contemporânea?

Wallace Masuko

Wallace Masuko, o último participante é convidado a compor a mesa. Wallace foi coordenador das residências em rede (iberoamerica) "red de espacios de residencias artísticas autogestionadas" desde o início até março deste ano. Dividiu sua apresentação em duas partes:

Primeira - uma narrativa de como se formou a rede, sua experiência pessoal na etapa de consolidação e depois, as dificuldades de criar uma rede homogênea e os espaços que a constituiram inicialmente:

Lugar a Dudas (Calle-Colômbia)
Kiosko (Santa Cruz de la Sierra-Bolívia)
Capacete (Rio de Janeiro-Brasil)
El Basilisco (Buenos Aires-Argentina)

Segunda - problematização de aspectos relativos ao conceito de residência artística hoje. Pode-se dizer que a "História da Arte no Brasil", começou com a missão francesa, e que guardadas as devidas diferenças, o fato pode ser entendido como um projeto de residência artística, assim como Hanz Staden e os pintores viajantes, isso apenas para alinhavar a conversa com a dos participantes que falaram anteriormente. Sim, artistas sempre viajaram, sempre se deslocaram, uns por escolha, outros por mérito (prêmios de viagens), e ainda por necessidade (exílio). Porém, o que acontece hoje, segundo Masuko, é que as residências tornaram-se, também, sinônimo de status e os próprios artistas passam a burocratizar suas viagens, colocando-as no currículo com peso de diplomas. De uma maneira ou de outras, a experiência de estar fora do local de origem sempre foi vista como oportunidade de aprender com o diferente, muitas das obras mais emblemáticas de artistas brasileiros como Hélio Oiticica e Lygia Clark, foram produzidas quando estes se encontravam fora do Brasil. A velha questão de se distanciar para poder ver melhor, realmente funciona. E aí, cita o caso de um escritor japonês do sec XII, Kamono Chomei, que ao ver a cidade de Kyoto devastada por terremotos, auto exila-se numa cabana de 7m² e ali passa a vida a escrever um impressionante relato que mescla denúncia social e subjetividade poética, segue um trecho:

HOJOKI
visões de um mundo em convulsão
Em nossa gloriosa capital
os telhados das casas
de nobres e comuns
desfilam todos alinhados, e parecem
estarem em duelo por proeminência.
Parecem ter durado
por geracões, mas olhe mais de perto —
aqueles que estão de pé há muito tempo
são realmente raros.
Um ano são derrubados
e no outro levantados novamente.

Alguém cita o caso do artista gravador Lívio Abramo que, nos anos 60, vai para o Paraguai como diretor da Missão Cultural Brasil- Paraguai, e ali vive até sua morte em 1992. As gravuras desta fase são marcadas pela influência das paisagens, artesanato e arquitetura das pequenas cidades interioranas do Paraguai. Nesta época, países periféricos começam a trabalhar entre si.

Algumas questões são colocadas para finalizar a apresentação:

- Como este lugar da residência pode ser um local de embate e não de facilitação?
- Como esses lugares podem gerar crítica em relação aos trabalhos?

Microfone aberto - algumas questões e outras idéias

- Ao falarmos de deslocamento e estratégias para mobilidade, estamos falando do deslocamento de pessoas e, portanto do acúmulo de experiências individuais. De que maneira estas experiências tão pessoais podem se propagar para além dos próprios indivíduos?

- Será que o acúmulo de experiências individuais e, portanto subjetivas não é uma estratégia para tentar fugir da ideia de produto?

- Que relação se estabelece entre política pública e produção artística nos projetos de residência artística?

- É preciso atentar para a institucionalização das residências e dos coletivos!Mesmo instituições respeitadas não vão bem, nunca foram bem. Os projetos institucionais não são consistentes, são como cascas que se formam e precisam ser preenchidas para não ficarem ocas, e deste modo artistas trabalham para responder a uma demanda.

Posted by Gilberto Vieira at 5:46 PM

setembro 15, 2011

Deserto y modelo por Lara Marmor

Deserto y modelo

Lara Marmor

Sobre las pinturas de Bruno Dunley (Petropolis, 1984) y Lucas Arruda (San Pablo, 1983)

Bruno Dunley, Montanha russa V, 2010, oleo sobre tela, 60 x 50 cm.jpg
Bruno Dunley, Montanha russa V, 2010, óleo sobre tela, 60 x 50 cm


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Lucas Arruda, Sem título, 2011, óleo sobre tela, 18x24cm

DESERTO

Me llegaron imágenes en apariencia inconexas. Traté de entender qué las unía. Las miré una y otra vez.

En ese momento pensé: La pintura como una forma de entender el mundo, como guía para revelar un enigma, algo salvaje o ingobernable… Recordé al crítico de arte Leo Steimberg frente a las obras de Jasper Johns a fines de los 50´, sus preguntas relacionadas a la interpretación de las pinturas. Atoreflexivo, puso en duda si su lectura surgía de las imágenes, si coincidía con las intenciones del autor o con otras opiniones. Al final, magistralmente argumentó que hay preguntas que no terminan nunca y para las cuales no hay respuesta en ninguna parte.

Las obras desestabilizan algo de nuestro mundo. Algunas se presentan como un misterio. Y este es el comienzo de la historia…

Creí que lo mejor sería ordenar todo, distinguir dos categorías para reconstruir uno de los tantos relatos posibles: las pistas y las escenas donde tendrían lugar los hechos. Las primeras, intercambiables unas con otras, fueron ordenadas sobre una pared como obras de arte en un cubo blanco. Las miré y comencé a tomar nota:

* Un helicóptero rescata a un caballo. Helicóptero III, el nombre de la pieza, indicaba que existieron secuencias anteriores. Todo me llevaba a la suposición que ocurrieron dos rescates… idea que me intimó para aventurarme a penetrar en esa naturaleza tramposa.

** Ubiqué como si fuese a ser la pista más esclarecedora de todas, la representación de una especie vegetal.

MODELO

En principio habría que tratar de descubrir su origen y por supuesto, investigar la razón de su presencia entre el resto de las imágenes.

*** Sobre un fondo blanco, el segmento de un horizonte (por definición un lugar inalcanzable) trazado por una maleza algo desfigurada. Por debajo se proyectaba su sombra. Sombra que semejaba raíces en una tierra árida. Allí supuse que se estaría escondiendo algo de valor inestimable.

**** Por último, la representación con ceniza de una flor aprehendida en diferentes lecciones de biología. Me pregunté si este conjunto estaría haciendo referencia a los diferentes modos de percepción de un objeto y al ciclo vital de las cosas…

_MG_0703  Lucas Arruda_Sem título_2011_Óleo sobre tela_24x30cm.jpg
Lucas Arruda, Sem título, 2011, óleo sobre tela, 24x30cm


Bruno Dunley, Helicoptero II, 2010, oleo sobre tela, 30 x  24 cm.jpg

Bruno Dunley, Helicoptero II, 2010, óleo sobre tela, 30 x 24 cm

Con esta información comencé el itinerario.

Desde una perspectiva incómoda aparecía una iglesia. El edificio podía verse de atrás, quedaba descartada cualquier descripción de la fachada, información clave para alumbrar datos del lugar. Una nave central larga y el altar profundo. El sol se ponía de frente al edificio de rasgos uniformes. La luz y la distancia obturaban los detalles…

Delante de árboles y arbustos, el cielo se tornó color ladrillo, como imantado de las paredes de la iglesia. El agua era demasiado celeste para ser un río y el pasto verde seco, casi agua. Tan quebradizo, que su ruido al pisarlo obligaba a moverme.

Cada vez más cerca, en el silencio envolvente del paisaje me sorprendió la luz del interior del edificio. Luego descubriría un faro. Pero ¿dónde estaba la arena y por qué el agua estaba estacionada?

Pude ver la iglesia desde otro lugar que me desorientó, parecía el lateral opuesto por sobre el casco de un pueblo. Debía concentrarme. Sobre la cima algo iba a encontrar. Pero invadida por una sugestión repentina, entendí que el viento que arremolinaba al pasto y el encendido al unísono de las luces querían despistarme.

Escenas y pistas desde un comienzo consiguieron lograr mi desvelo. Me condujeron a través de una vía misteriosa a un camino con retorno incierto. Como la pintura misma me hicieron creer que estarían encerrando algo indescifrable e insospechadamente valioso.

Posted by Gilberto Vieira at 3:15 PM

Arte, especificidade e globalização - mesa relatada por Raisa Christina

Encontro Sul-americano – Inventando o lugar no CCBNB, Fortaleza
Arte, especificidade e globalização

Relato realizado por Raisa Christina em 12 de agosto de 2011
4ª Mesa Encontro Sul-americano – Inventando o lugar

A última mesa do encontro trazia como pauta questões acerca da produção do artista que se encontra em trânsito frequente no contexto globalizado e da relação do mesmo com os lugares por onde passa. O artista e educador cearense David da Paz, encarregado da mediação, apresentou brevemente o tema da mesa e as três convidadas: Giseli Vasconcellos (Brasil), María Isabel Rueda (Colômbia) e Elisita Balbontin (Chile).

Giseli Vasconcellos

A artista e pesquisadora brasileira estuda a vida nômade e coletiva em Belém do Pará, por meio da Rede [aparelho]-: e do Coletivo Puraquê. Atualmente mora em Massachussets, EUA, e dirige o projeto Networked Hacklab na região norte do Brasil, interligando arte, tecnologia e ativismo. Das integrantes da mesa, ela foi a primeira a ter a palavra e, de início, desculpou-se por não ter estado presente durante todo o encontro, o que se deu pelo seu grande envolvimento no Networked Hacklab, um projeto de laboratório experimental realizado em comunidades amazônicas do Pará.

O Hacklab1 trata-se de um programa patrocinado pela Vivo Lab que acontece em algumas cidades do país, sempre associado a leis de incentivo estaduais, e busca criar laboratórios de invenção artística, dentro do eixo arte e tecnologia. Esses laboratórios costumavam se dar, de forma geral, em curtos workshops ministrados por artistas programadores, mas Giseli resolveu estudar melhor as diretrizes do projeto para refazer o seu formato.

Para ela, a questão inicial era como adaptar esse programa (cujo próprio nome em inglês é de difícil pronúncia) para a realidade local da Amazônia paraense. Foi necessário, antes de tudo, repensar o termo “hack”, desvencilhando-o de um conceito negativo e entendendo-o como “reconfiguração ou re-programação não autorizada/ correção rápida, inteligente de um problema, um remendo/ modificação de um dispositivo para dar ao usuário o acesso a recursos indisponíveis”.

Giseli vai, assim, buscando um sentido mais amplo para o projeto. Ela, então, resolve propor a formação de grupos de artistas locais e estrangeiros para uma verdadeira imersão na vida amazônica. Lá, eles passariam a conviver por algum tempo, recolhendo impressões, dados e perspectivas do lugar, a fim de desenvolverem, por meio da produção de conteúdo digital em plataformas livres, cartografias políticas e poéticas da região.

O sentido de imergir nas comunidades e estar com as pessoas é também a curiosidade de descobrir qual o imaginário sobre a Amazônia vista de longe e vista de perto, de fora e de dentro. A vontade de fugir de modelos que só reafirmassem o lugar onde a arte já se instala nos esquemas do capitalismo financeiro e o interesse pelo uso mais criativo e crítico das tecnologias digitais, em áreas oprimidas por potências financeiras e informacionais, são duas questões que, segundo Giseli, apresentam-se enquanto balizas para a implementação do projeto.

Para essas questões, Giseli encontra sempre a mesma resposta: “reverter códigos = quebra de protocolos”. Em outras palavras, a idéia de “reverter códigos” associa-se ao conceito de open source ou software livre – “códigos abertos que você utiliza e lê de forma conceitual para criar seus próprios protocolos” – e a idéia de “quebra de protocolos” já se insere facilmente numa lógica hacker. A partir daí, para ela, o projeto poderia fazer todo o sentido.

Após pesquisar e identificar comunidades com as quais essas iniciativas mais poderiam dialogar, o próximo passo, nas palavras de Giseli, é “futurizar afluentes”. Ela considera a região amazônica por um viés de afluências, com suas linhas hídricas a se espalharem e entrecruzarem-se por culturas e situações diversas, muitas das quais não se encontram tão evidentes à beira dos rios, e sim dentro das cidades, talvez um tanto mais isoladas, um tanto mais invisíveis. A expressão “futurizar”, no seu particular vocabulário, significa ir além, pensar um futuro juntos.

Soma-se a isso a necessidade da criação de redes locais (LAN), pois, em boa parte da Amazônia, não há conectividade. Tradicionalmente, a comunicação na região se dava por meio de sistemas radiofônicos, o que foi sendo extinto nos últimos anos, com a repressão ao funcionamento das rádios comunitárias. O norte, salienta Giseli, hoje paga dez vezes mais que o centro-sul e o sudeste para estar conectado.

Por fim, o projeto visa ainda à elaboração de uma cartografia crítica da Amazônia, cartografia no sentido de desvelar situações políticas dentro de mapas não oficiais, como a situação do Pará enquanto uma das principais rotas do tráfico de pessoas, juntamente com o Caribe.

Uma crítica constante no discurso da artista se referia aos vícios criados pelas leis de incentivo, fazendo com que certas empresas se utilizem de isenções fiscais para apoiarem projetos apenas no intuito de se publicizarem. No debate, ela explicou que, por conta disso, os projetos apoiados parecem ser valorizados muito mais pelo seu poder de marketing e espetáculo, do que pelo seu caráter criativo e experimental. Por isso, o formato do laboratório experimental proposto por Giseli muitas vezes assume uma estética do feio, numa tentativa de escapar a modelos mais “glamourizados” que predominam no capitalismo cultural.

Durante a convivência dos grupos na região, eles puderam perceber o quanto o imaginário de cada um em torno daquele lugar havia sido contaminado pela mídia, inclusive o imaginário dos nativos. Como forma de organizar os diferentes pontos de vista para a criação de mapas coletivos – que seriam apresentados posteriormente -, os grupos elencaram algumas palavras-chave, tais como: redes colaborativas, cultura hacker, licenças livres, reciclagem, América Latina, bordas e fronteiras da Amazônia etc.

Em âmbito geral, a experiência do Hacklab tem possibilitado uma intensa rede de troca de materiais em texto e audiovisual, assim como de diferentes métodos cartográficos e, consequentemente, de formas criativas de discutir questões políticas e afetivas da região. De acordo com Giseli, a iniciativa tem dado muito certo.

Os entrechoques culturais provocados nas experiências do Hacklab, envolvendo artistas estrangeiros e locais, tornaram visível o modo pelo qual a Amazônia é vista em outros países e também como algumas comunidades da região curiosamente vêem a si mesmas. A imagem que essas têm de si às vezes se encontra bastante marcada pelo que é veiculado na mídia e, de certa forma, não destoa tanto da idéia que o estrangeiro possui do local. Ações de intercâmbio como as viabilizadas pelo Hacklab incentivariam uma autoconsciência social e cultural mais crítica por parte dessas comunidades? Como a construção de mapeamentos por grupos de estrangeiros e nativos ajudaria nesse sentido?

María Isabel Rueda

A segunda componente da mesa vive e trabalha em Bogotá, Colômbia. Tem formação em publicidade e artes visuais. É artista, professora, editora da revista independente Tropical Goth e co-curadora do espaço La Residencia e do projeto La Parte Maldita – Posesión de Espacios.

Maria Isabel deixa claro que a vida social será um assunto recorrente em sua fala, uma vez que sua produção artística nunca se desligou de desejos simples, como fazer amigos e divertir-se. A artista nos apresenta seus primeiros experimentos – segundo ela, um pouco ingênuos – que consistiam em retratar, com uma Polaroid que ela ganhara de presente, pessoas na universidade com quem ela simpatizava ou que gostaria de conhecer. Sua professora de fotografia lhe estimulava a usar outras câmeras e a seguir com aquele hábito, que já se tornava quase obsessivo. Assim, Isabel passou a observar os transeuntes pelas ruas de Bogotá e a fotografar aqueles que se produziam muito e demonstravam um cuidado todo especial com a aparência.

Para o trabalho de conclusão de curso na universidade, Isabel desenvolveu uma pesquisa intitulada “Vampiros en la Sabana”2 , que se tratava de um ensaio fotográfico, em preto e branco, de jovens mulheres pálidas, com trajes longos e escuros, numa paisagem predominantemente natural, onde vez por outra surgiam detalhes de arquiteturas urbanas. O título da pesquisa faz referência ao filme cubano “Vampiros en la Havana” (1985), no qual vampiros sul-americanos são apresentados como imunes à luz do sol, o que modifica uma série de comportamentos normalmente associados a essa figura fantástica. O lugar escolhido por Isabel para fazer as fotografias tinha a ver com o imaginário do grupo de meninas góticas, que diziam se identificar com paisagens nórdicas, de países como a Dinamarca ou a Noruega.

A temática dos vampiros não mais lhe abandonaria. Mais tarde, sua obra retomaria o estudo relacionado a esses seres lendários, buscando explorar algumas características atribuídas a eles enquanto grandes metáforas, como o fato de não se refletirem nos espelhos, de serem imortais e de alimentarem-se através da sucção.

Numa viagem à Cidade do México, a convite de um amigo para trabalhar na criação de cartazes, ela conheceu a cena underground local e começou a ser vista como uma figura exótica: “a colombiana gótica que gosta de vampiros”. Logo foi apresentada a vários personagens góticos da cidade e a outros artistas interessados nessa estética, o que a fez ganhar uma certa popularidade nesse meio. Até mesmo conta, bem-humorada, que programas de rádio, pessoas ligadas a seitas satânicas e curiosos em geral passaram a entrar em contato com ela, levando-a a perceber que talvez precisasse ir mais a fundo naquele universo para compreendê-lo melhor.

É importante mencionar, dentre outros projetos de Isabel, a edição da revista Tropical Goth (referência ao gótico tropical), cuja linguagem remete ao fanzine e cujo conteúdo é o mesmo de sua pesquisa nos últimos tempos: a reinvenção da estética gótica e do imaginário em torno do vampiro pelas tribos de grandes centros urbanos na América Latina, assim como o diálogo dessas tribos com o rock, o heavy metal e o cinema de horror.

A artista também se dedicou à criação do espaço El Bodegón – Arte Contemporáneo y Vida Social, em Bogotá. Esse subtítulo é bastante significativo na trajetória de Isabel e no pensamento em relação à sua obra, que, em seu próprio discurso, é constantemente vinculada ao desejo de se aproximar das pessoas e de elaborar estratégias para reuni-las e dinamizar a cena cultural na capital colombiana, por meio de exposições, apresentações de bandas de rock, cineclubes etc.

No debate, o público evidenciou questões de identidade e imaginário na pesquisa de Isabel. Tanto ao unir elementos de culturas tropicais e nórdicas – como coqueiros, araras, lobos e veados – para compor, em sua produção gráfica, cenários cheios de detalhe de arquiteturas pontiagudas e mulheres sensuais, quanto ao fotografar jovens de um grupo peculiar em Bogotá e alterar a própria imagem da cidade, numa tentativa de trazê-la mais perto da idéia que esses jovens têm do lugar, a artista sugere uma reflexão acerca do modo pelo qual culturas locais assimilam produções simbólicas de outras culturas e recriam suas identidades visuais, num processo extremamente rico de sincretismo.

Elisita Balbontin

A artista visual e musicista, componente da banda Makaroni, vive em Santiago, Chile. Sua obra caminha por entre abstração geométrica, sons e movimento. Já expôs em vários países e viaja frequentemente em turnês com a banda. Concebeu a oficina de serigrafia Impresiones Clara, em Santiago.
Diante da platéia, uma mão segurava o microfone e a outra, um caderninho. Blusa e meias cor de rosa. Tênis, short jeans e cinto azul. Elisita não dá a mínima para uma postura mais convencional, até então “obedecida” pelos participantes da mesa-redonda, e dispara feito uma menina, percorrendo o palco em ziguezagues e falando inúmeros fragmentos em tom de poesia. Sua aparição/performance mudou completamente a dinâmica da mesa e logo entendíamos o quanto o movimento, o ritmo acelerado e o fluxo entrecortado de pensamento eram intrínsecos à sua obra e à sua compreensão de mundo.

Como se narrasse em versos livres, ela falou do desejo de estar em todos os lugares e de, ao mesmo tempo, constatar que talvez não haja lugar algum. Falou em mudança incessante, explosão, linha do tempo e presente. Música andino-tropical-eletro, amigos e psicodelia. Luz e cor, bicicletas e máquinas, eletricidade, portabilidade e maletas. Festas. O mundo depois do Google Earth. Quais os endereços possíveis? Como se encontrar?

Ao longo da performance de Elisita, víamos diversas imagens de intervenções da artista mundo afora, registros de oficinas de serigrafia e shows da banda. Vez por outra, ela descobria melodias e produzia ruídos em meio a seus versos picotados. De repente, o microfone era brinquedo.

Questionada sobre o que a levou a ter essa vida meio nômade e sobre pertencimento, Elisita contou que seus pais trabalhavam numa empresa aérea do Chile, o que, desde cedo, fez com que ela encarasse com naturalidade um cotidiano de trânsitos. Sendo assim, seu sentimento de pertencimento é mais em relação ao mundo e não tanto a lugar específico. Para ela, optar por seguir viajando é também optar por estar sempre conhecendo pessoas, fazendo amigos relâmpagos e desapegando-se de muitas coisas. A artista mantém o blog: http://elisitapunto.blogspot.com/.

* * *
Levando em consideração a fala das participantes da mesa, pode-se indagar a respeito de como a arte contemporânea vem reformulando as concepções de identidade e pertencimento – sem ligá-las de imediato a um lugar e uma cultura específicos -, em meio ao fluxo de informações do atual contexto globalizado. De acordo com Moacir dos Anjos3 , “é justamente por provocar respostas e posicionamentos locais às suas tendências homogeneizantes – induzindo, assim, ao reconhecimento ampliado da natureza contingente e provisória das construções identitárias – que a globalização assume, paradoxalmente, um caráter desmistificador e crítico”.

As interconexões culturais fortemente presentes nos discursos de Giseli, Isabel e Elisita parecem estimular a produção de imaginário e narrativas. No caso do Hacklab, o embate de olhares entre artistas nativos e estrangeiros traz outras perspectivas para se considerar a situação da região norte do país. Esse embate também dá a ver nuances do cotidiano local que já não eram percebidas por aqueles que tinham uma relação de familiaridade com a Amazônia, inspirando o desenho de mapas incomuns, de caráter poético e social. Já na obra de Isabel, a ressignificação de símbolos oriundos de outras culturas, por meio da relação desses com elementos do contexto local, sem dúvida favorece uma pluralidade de narrativas, que se tornam mais complexas ao apresentar novos dados a lendas e mitos alheios. Por último, Elisita mostra que o contato com o outro pode agir como um forte impulso criativo. As constantes viagens que tem feito a diversos países lhe acarretam um aglomerado de referências que, à medida que são filtradas, dão novo fôlego a seu repertório e servem de material que é incorporado à sua obra.

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Página criada pela Vivo Lab para apresentação do programa: http://www.hacklab.art.br/

Imagens disponíveis na página da artista, no flickr

No livro de sua autoria “Local/Global: Arte em trânsito” (Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005).

Posted by Gilberto Vieira at 3:04 PM

setembro 14, 2011

Arquivo e Memória do Presente - mesa relatada por Raisa Christina

Encontro Sul-americano – Inventando o lugar no CCBNB, Fortaleza
Arquivo e Memória do Presente

Relato realizado por Raisa Christina em 11 de agosto de 2011

Arquivo e Memória do Presente
2ª Mesa Encontro Sul-americano – Inventando o lugar

Em vez de lidar com a memória enquanto mero arquivo nostálgico, como fazê-la atuar no presente de forma vigorosa?1 Essa era talvez a principal questão que motivou a segunda mesa do encontro. O artista, professor e curador Solon Ribeiro fez uma breve introdução, discutindo a relação da arte contemporânea com o arquivo.

Ainda que trabalhando com imagens de arquivo e constantemente dialogando com a memória do cinema, Solon nem de longe considera suas ações pelo viés do arquivista e do colecionador, ou mesmo do conservador e do restaurador. Para ele, os artistas contemporâneos conseguem lidar com a memória de maneira a dar-lhe vida, diferentemente, por exemplo, de alguns antropólogos e sociólogos que muitas vezes a veem como algo estanque, embalsamado, morto. Numa postura de provocador, ele afirma que, se o natural da vida é o nascimento, o desenvolvimento e a morte, então a conservação e o restauro soam antinaturais.

Para compor a mesa, ele apresenta os três convidados: María Fernanda Cartagena (Equador), Newton Goto (Brasil) e Lia Colombino (Paraguai).

María Fernanda Cartagena

A historiadora de arte, curadora e editora da revista LatinArt.com investiga representações da diferença nas artes visuais na América Latina, relações entre arte e política e propostas pedagógicas experimentais no âmbito arte, política e sociedade. É curadora, desde 2009, da residência artística Franja Arte-Comunidad2 , realizada no litoral equatoriano.

A partir de sua experiência com a residência artística Franja, María Fernanda discute a definição de território e as práticas colaborativas por parte de artistas contemporâneos no meio social. Atualmente, percebe-se a existência de uma série de iniciativas artísticas de caráter imersivo em pequenos grupos e comunidades. Tais propostas encontram-se muitas vezes ligadas a movimentos ativistas e dificilmente se inserem no sistema oficial de arte. De acordo com Maria Fernanda, essas propostas têm sua pertinência e seu valor na experiência dialógica e crítica que promovem com as comunidades.

Com a realização da residência em 2009, num povoado em Puerto del Morro, o programa Franja atentou para questionamentos relativos à recuperação da memória da comunidade. Essas questões foram sendo incorporadas com o objetivo de estimular as ações promovidas nas comunidades para uma reflexão crítica do modo de pensar e conceber táticas de documentação e arquivo.

Franja Arte-Comunidad é um programa de residência para artistas em contextos comunitários da costa equatoriana, através do qual os artistas concebem projetos que envolvem os moradores locais. Tais projetos devem levar em conta o compromisso do intercâmbio e a reflexão sobre questões de poder, identidade e diferença.

Maria Fernanda conta que, logo nas primeiras visitas que fez a Puerto del Morro, tornaram-se visíveis tensões e falta de comunicação entre grupos da comunidade. Esse clima de tensão, dentre exclusões e complexas relações de poder, remontavam ao período colonial, persistiam e atualizavam-se de diversas formas. Ao ouvir depoimentos de pessoas mais velhas do lugar, ela começou a se dar conta da origem dos conflitos existentes, que se tratava de uma memória omitida pela História oficial.

Após coletar vários relatos, ela soube da vinda de um poderoso industrial a Puerto del Morro, no início da década de oitenta, que se converteu num trauma para o povo da região. O empresário se apropriou de grandes extensões de terra, historicamente ocupadas por famílias inteiras, para a construção de piscinas próprias à carcinicultura. Ele favoreceu, assim, um sistema de privatizações e individualismo, em detrimento do bem coletivo e comunitário. Nessa época, ironicamente o Equador torna-se um dos maiores exportadores de camarão do mundo, contando com forte impulso da política neoliberal.

Baseados nessa história e tendo em vista o interesse pela escuta e pelo diálogo intercultural, os artistas residentes desenvolveram diferentes projetos com a comunidade, tais como:

• Uma plataforma de gestão e produção de rádio e música experimental, conhecida como Ondas Porteñas, através da qual se difundiu o trabalho da cooperativa, a discussão de problemas da comunidade, os talentos artísticos locais, os saberes e os ofícios dos moradores, fortalecendo a diversidade social e a multiplicidade de micropolíticas;
• Propostas de cartografia de zonas de conflito a fim de olhar o passado, reconhecer o presente e imaginar o futuro, por meio do trabalho em equipe, da promoção de redes sociais, da observação do território natural e da valorização de ferramentas artísticas para a produção de conhecimento alternativo aos dominantes;
• Desenvolvimento, pelo viés da dança contemporânea, de coreografias que dialogam com uma tradicional dança da comunidade de raízes andinas, em busca de ativar as memórias do corpo, incentivando meninas e adolescentes a criarem movimentos a partir de ritmos do seu entorno social e natural;
• Criação de um grupo feminino de bordado, em que cada participante é incentivada a escrever um pouco sobre sua vida e depois bordar numa tela, na tentativa de gerar um tecido social e um espaço para mulheres voltado à conversa, à criatividade, à intuição e à coleta de histórias mínimas.

Segundo Maria Fernanda, foi possível constatar, em meio a todas essas experiências, a estigmatização de uma cultura popular e ancestral por parte de pontos de vista hegemônicos ocidentais e neoliberais. Os saberes nativos, entendidos como entraves para as promessas de desenvolvimento econômico, foram, na verdade, marginalizados pelo discurso modernizador e progressista.

Ela lança as perguntas: em que medida o trabalho em contextos sociais está sendo promovido enquanto lugar alternativo para a arte? Essas experiências contribuem basicamente para nutrir a trajetória dos artistas na dinâmica social da arte contemporânea? Como medimos o benefício desse trabalho nas comunidades? Para a curadora, é preciso considerar a complexidade dessas questões e pensar nas relações de poder, necessidades, mediações e interesses compartilhados entre os grupos, levando em conta que idealizar a arte é tão perigoso quanto idealizar a comunidade.

A residência acionou a memória social daquele povo e trouxe também muitas dúvidas sobre a documentação de experiências artísticas e a constituição de arquivo, seus usos e apropriações. Amparada no pensamento do teórico de arte russo Boris Groys, Maria Fernanda acredita que a documentação da arte interessa na medida em que nos faz recordar, ainda que sempre parcialmente, os fatos artísticos que já se passaram, sabendo que não se trata da presentificação do sucesso do passado ou mesmo de uma obra vindoura, mas sim da única referência possível de uma obra que não poderia ser representada de outro modo. Para Boris, em condições da era biopolítica atual, a documentação poderia assumir o papel de traduzir de maneira sensível a relação arte e vida.

No caso da documentação dos projetos realizados durante as residências, havia uma fotógrafa e um videomaker responsáveis por registrar as atividades. Contudo, segundo Maria Fernanda, o tema do registro não foi, de fato, aprofundado pelos artistas e a presença das câmeras, em geral, considerou-se neutra. A predominância do diálogo intercultural chamou atenção para se pensar em outras formas de registro além da imagem, talvez em texto ou som. Para a curadora, o artista que vê importância na documentação de suas oficinas normalmente se esforça por fazê-lo de forma crítica, tendo consciência do lugar estético e político que o registro ocupa na contemporaneidade.

Se a arte comunitária engendra processos coletivos e colaborativos, a sua documentação tem que levar em conta essas relações, considerando a realização e o uso desse material também por parte da comunidade. Tendo em vista os registros inéditos de conflitos de terra, depoimentos de formas de vida, sabedorias ancestrais, mitos, lendas, desejos e utopias, deve-se pensar na importância desse arquivo como forma de resistência para promover trocas culturais que não aconteçam apenas no sentido países hegemônicos-periferias, mas que também invertam essa lógica e contaminem a cultura de grupos dominantes, além de ativarem entre as próprias regiões periféricas essas permutas.

Newton Goto

O artista, pesquisador, curador, produtor e ativista cultural tem realizado, através da epa! – expansão pública de artistas (entidade que coordena há mais de dez anos), diversos projetos nas áreas de curadoria, pesquisa e produção, como encontrosCarasgráficos (2002), Galerias Subterrâneas (desde 2008) e Circuitos Compartilhados3 (desde 2000). Sobre esse último projeto, Newton concentra sua fala.

Com base em sua própria pesquisa ligada à autogestão de grupos de artista e ao circuito que envolve a arte dentro e fora das instituições, no cenário contemporâneo brasileiro da década de setenta aos anos 2000, Newton vem coletando e organizando um grande acervo de vídeos e filmes. Em 2005, ele passa a exibir esse material pelo país, dando início aos Circuitos em Vídeo.

O acervo está relacionado a ações de coletivos de artistas e grupos de ativismo cultural, assim como a performances, intervenções urbanas e práticas colaborativas em arte – todas essas ações que têm em comum a característica de serem sempre propostas e mediadas pelos próprios artistas, o que torna possível o surgimento de novos circuitos alternativos aos de um sistema mais oficial de arte.

O foco no coletivo de artistas e no circuito foi surgindo e ganhando força nas pesquisas de Newton, dentre outros fatores, tanto pela leitura do livro de Cristina Freire sobre o MAC da USP4 – no que diz respeito principalmente à arte postal e ao vídeo no Brasil -, quanto pelo encontro com o artista multimídia Paulo Bruscky, em 2001.

Bruscky lhe apresentou sua filmografia (que tem início no final dos anos setenta), seu vasto arquivo referente ao surgimento do vídeo nos Estados Unidos e à produção do grupo Fluxus. A partir do contato com os registros em filme e vídeo das ações de Bruscky, Newton foi se dando conta da existência de uma cena do Brasil, para além das regiões sul e sudeste, até então pouco conhecidas para ele. Nessa época, o pesquisador também tomou conhecimento de outras iniciativas, como às do Alpendre – Casa de Arte, Pesquisa e Produção, ONG bastante atuante em Fortaleza.

Em 2008, após conseguir financiamento do IPHAN, através do Edital de Arte e Patrimônio voltado à arte contemporânea, Newton pôde expandir na prática a idéia de circuito e difusão. Ele atualizou e copiou seu acervo para compartilhá-lo com pesquisadores, centros de arte, instituições culturais, bibliotecas, universidades e museus. Foram produzidas 150 coleções portáteis em formato de pequenas bolsas, como espécies de arquivo ambulante. Hoje a coleção é muito utilizada como material didático nas universidades.

Esse acervo complexo e heterogêneo, além de apresentar obras raras e de singular importância, permite instaurar muitos campos de diálogo entre diferentes períodos na arte brasileira, como as relações entre grupos de artista nas décadas de setenta e oitenta e a retomada desses coletivos em meados dos anos noventa até hoje.

No debate, uma temática que se destacou no discurso de Newton foi relativa às licenças livres e à pirataria. Foi citada, por exemplo, a ação do coletivo Filé de Peixe, que comercializa, desde 2009, trabalhos em videoarte sem as devidas permissões. Para Solon, o mediador da mesa, a iniciativa do coletivo é bacana, pois leva muitas obras a circularem e ganharem uma certa popularidade, sem fazer o artista passar por aqueles trâmites chatos da instituição. Além disso, a prática do “piratão”, com sua estética de garagem, daria um frescor interessante às obras. Afinal, como o artista que trabalha com vídeo vai realmente divulgar sua produção? Não se deve contar somente com os festivais, que, apesar de já existirem em quantidade razoável no Brasil, ainda têm um público demasiado restrito.

Por outro lado, segundo Newton, os artistas devem se preocupar em criar licenças para suas obras, no intuito de fazê-las circular mais e livremente, tendo em vista a enorme difusão de conteúdos estrangeiros provenientes, em sua maioria, dos Estados Unidos e da Europa. Para ele, a pirataria surge porque há restrições e, portanto, o artista precisa pensar com generosidade em seu trabalho. Um vídeo que tem licença livre, por exemplo, não poderia ser comercializado. Newton lembra a importância de se aprofundar a discussão sobre direitos autorais e de se incorporar a criação de licenças livres à prática cultural no país.

Lia Colombino

É natural de Assunção, Paraguai. Com formação em museologia, ela dirige o Museo de Arte Indígena do Centro de Artes Visuales/Museo del Barro. Pesquisa episódios chave de arte crítica no Paraguai, no período de 1950 até hoje, através da Red Conceptualismos del Sur, da qual é membro. É escritora e cofundadora do coletivo Ediciones de la Ura5 , pelo qual ministra a oficina de escrita ABRAPALABRA. Coordena o Seminário Espacio/Crítica e o projeto Desalmidonar los párpados – Rescate del archivo de Cira Moscarda.

Lia conta que, certa vez, em meio à elaboração de um trabalho, uma senhora, meio que por acaso, apresentou-lhe um arquivo particular. Esse arquivo, sobre o qual ela não tinha muitas expectativas, chegou-lhe de maneira tão forte que simplesmente a atravessou e o fez não só fisicamente.

Refletindo sobre esse momento, a pesquisadora cita William Faulkner: “El pasado no ha muerto, de hecho todavía no hay pasado”6 . Lia abre parênteses e diz que, com base nessa frase, desenvolveu algumas questões da mesa, cuja descrição traz palavras que, segundo ela, são muito conflituosas: memória e arquivo.

Uma concepção de memória é constantemente associada a processos políticos de “recuperação de certas memórias”, o que implicaria encará-la não enquanto realidade, mas como uma certa sutura da realidade.

Essa idéia de memória não lhe interessa, pois ela prefere pensá-la como algo possível de se conhecer, de se identificar, sobre o qual há evidências em que se pode confiar. E quanto à noção de arquivo, a pesquisadora se refere primeiramente a uma parte mais chata que consiste em guardar papéis, conservá-los, limpá-los etc. Ela gosta de entender o arquivo aproximando-o de um testemunho ou um memorial dotado de casa, de residência, como se fosse um amigo a quem se pode fazer uma visita. Por isso, Lia resolveu trazer um pouco a experiência do projeto que realiza atualmente com o arquivo pessoal mencionado no início de sua fala, que, segundo ela, poderia facilmente provocar um sentimento de nostalgia ou mesmo de fetiche.

Quando Lia se deu conta do material que tinha em mãos, pediu permissão à senhora que o guardava até o momento para fazer um trabalho com o mesmo. Lia queria dar-lhe domicílio, torná-lo público e, de algum modo, devolver-lhe um estatuto que ele nunca teve.

O material se tratava de diversos textos, desenhos, cartas e fotografias. Pertencia originalmente a uma professora de arte que atuou no Paraguai como ministrante de oficinas desde os anos cinquenta aos anos oitenta. A mulher que possuía o arquivo e que o havia apresentado a Lia fora aluna dessa professora, que se chamava Cira Moscardo. A aluna, que participava frequentemente das oficinas de Cira, chegou a comentar com Lia que encontrou todo aquele material reunido em pastas dentro de um guarda-roupa da casa da professora, após sua morte. A mãe de Cira, que pouco parecia se importar com os pertences da filha, deu-lhe as pastas. Ao ler o material, a aluna percebeu que eram, na verdade, dois arquivos: um pertencente a Cira e outro, a Alfredo Sepe, também seu ex-aluno durante a década de sessenta.

Em meio àquelas folhas, havia um livrinho intitulado “Versos de un Hippie”, escrito por Alfredo e publicado por Cira. Os poemas impressionam Lia, que lê o prólogo do livro: “Cuando tenia un año de edad/ Construí una escalera de hielo triturado/ Para subir al ataúd de mi abuelo/ Desde ese momento, el tiempo va/ Almidonándome los párpados”7 . Havia também inúmeras correspondências entre os dois, referentes à época em que Alfredo foi ao Uruguai. Lia acha importante narrar brevemente um pedacinho da história de ambos, para que o público possa compreender melhor as subjetividades presentes no arquivo.

Cira nascera com uma doença que, dentre outras coisas, impediu-lhe de crescer normalmente. Ela tinha a aparência um tanto esquisita e uma perna mais curta que a outra. O espaço onde realizava suas oficinas era considerado atípico, pois privilegiava a liberdade e a diversidade. Já Alfredo era um jovem gay, cuja família pertencia à alta burguesia. Visto como estranho pela família, ele foi enviado a Montevidéu para iniciar um tratamento psiquiátrico. É desse período que datam a maior parte das cartas trocadas entre Cira e Alfredo, que termina por suicidar-se em 1968. Lia salienta que os homossexuais, no período da ditadura no Paraguai, eram extremamente perseguidos.

O projeto Desalmidonar los párpados – Rescate del archivo de Cira Moscarda, nascido do encontro de Lia com esse precioso arquivo, tem um título que faz referência à expressão “almidonándome los párpados”, utilizada por Alfredo no prólogo de seu livro. Para a pesquisadora, a idéia do projeto seria justamente o contrário: desalmidonar los párpados, no sentido de tornar mais leve e amolecer as pálpebras, os olhos. Desalmidonar também como estratégia de leitura de arquivo, como dispositivo ativador de questões que desestabilizem a História tal como a conhecemos e que sugiram novas formas de olhar o presente.

O desejo de Lia era acariciar o arquivo, cuidar bem dele, entregar-lhe uma casinha, colocá-lo sob domínio público e, além de restituir a memória daqueles que estão diretamente envolvidos, descobrir todas as pequenas histórias que permeiam as mais visíveis. Ela ainda afirma que os arquivos de Cira e de Alfredo não dizem respeito apenas à ditadura militar, mas também à diversidade sexual, ao amor, à repressão, à amizade, ao castigo, às concepções de loucura.

Umas das consequências do projeto foi a recente produção do documentário homônimo “Desalmidonar los párpados”8 , para o qual várias pessoas citadas nas cartas de Cira e Alfredo foram entrevistadas. O filme explora tanto o trabalho cuidadoso de restauro do arquivo quanto os poemas de Alfredo e as canções que os amigos ouviam na época, para a composição da trilha sonora. Lia conclui dizendo que, nesse projeto, o arquivo não foi o lugar da ruína do passado, da coisa perdida. Ele, na verdade, tornou-se uma grande festa, cheia de alegria, mesmo que essa alegria tenha se dado a partir da reconstrução de fragmentos.

A história de Cira e Alfredo é, sem dúvida, comovente. Entretanto, após ter sido exibida uma pequena parte do filme, percebe-se o quanto é delicado estruturar uma proposta de documentário para um arquivo. Tratando-se de duas personalidades, de certo modo, transgressoras de sua época, como tornar esse aspecto presente no documentário em termos de linguagem audiovisual? Imagina-se que deve haver um esforço em privilegiar, na construção de uma obra com base nesse arquivo, toda a carga poética e libertadora a ele associada. Então, por que trabalhar os depoimentos utilizando um formato tão marcadamente jornalístico? Já se sabe bem que não é o simples fato de ter acesso a um arquivo interessante, coletar algumas de suas referências e organizá-las de maneira convencional que fará com que a produção de uma obra a partir dele se torne igualmente interessante. Espera-se que não seja o caso de Desalmidonar los párpados.

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Uma referência fundamental na elaboração dessa questão, assim como para a discussão dos temas da mesa é o texto “Furor de Arquivo”, de Suely Rolnik, disponível aqui.


www.soloconnaturaecuador.org/index.html


www.circuitoscompartilhados.org


FREIRE. Cristina. Poéticas Do Processo: Arte Conceitual no Museu. São Paulo: Editora Iluminuras/ Universidade de São Paulo,1999


Coletivo que começou com a proposta de uma editora, mas logo se abriu a outros campos de experimentação e tornou-se um grupo transdiciplinar, reunindo poetas, músicos e artistas plásticos.


O passado não morreu, de fato ainda não passou.


Quando tinha um ano de idade/ Construí uma escada de gelo triturado/ Para subir ao ataúde do meu avô/ Desde esse momento, o tempo foi/ engomando-me as pálpebras.


Um trecho do filme está disponível no endereço: http://vimeo.com/25889249

Posted by Gilberto Vieira at 6:34 PM

setembro 5, 2011

Canal Entrevista André Parente e Katia Maciel

Canal Entrevista André Parente e Katia Maciel

O Canal Entrevista convida André Parente e Katia Maciel para falarem sobre a obra de Letícia Parente e sobre seu trabalho como curadores das mostras dessa artista.

As exposições ocorrem no Rio de Janeiro, Salvador e Fortaleza entre julho e outubro de 2011:

Oi Futuro Flamengo: 12 de julho a 28 de agosto de 2011
MAM-BA: 26 de julho a 4 de setembro de 2011
MAC-Fortaleza: 9 de setembro a 9 de outubro de 2011
www.leticiaparente.net

Produção executiva: Patricia Canetti
Produção e entrevista: Gilberto Vieira
Imagens e edição: Alice Dalgalarrondo
Agradecimentos: Katia Maciel, André Parente, Oi Futuro Flamengo

Posted by Alice Dalgalarrondo at 5:20 PM