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junho 23, 2009
Retrato do novo MAMAM por Ana Maria Maia
ANA MARIA MAIA
especial para o Canal Contemporâneo
Desde o início de 2009, após o desligamento da então diretora Cristiana Tejo, o Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, em Recife, funcionava a portas fechadas, apenas com sua equipe administrativa, que tocava obras nas estruturas eletrotécnicas do museu. No fim de maio foi anunciado nome da artista Beth da Matta para gerenciar a instituição nos próximos quatro anos da administração petista de João da Costa. Transferida do Museu Murillo La Greca, que, assim como o MAMAM, funciona vinculado à Prefeitura do Recife, a nova diretora assume o equipamento de maior prestígio no cenário de arte contemporânea local a convite do Secretário de Cultura, Renato Lins.
Para mapear as expectativas e intenções iniciais da gestão, aproveitei uma viagem à cidade para conversar, entre encontros e emails, com Beth. Sou recifense e até pouco tempo fiz parte da Sociedade de Amigos do MAMAM. Nossa conversa, pelo momento e pelas circunstâncias, resultou no exercício de imersão e afastamento, sondagem e prospecção, que compartilho abaixo. Motivada pelo papel integrador do museu nestes últimos 10 anos, amplio a abrangência e o debate do/sobre o atual retrato da instituição através deste Canal Contemporâneo.
Quando o museu reabre?
Estamos passando por algumas mudanças do projeto inicial de acessibilidade. Precisamos, por motivo de segurança, esperar um pouco mais e investir numa avaliação estrutural para realizar reparos importantes. O MAMAM não passa por uma investigação dessas há, pelo menos, 10 anos. O prédio foi construído no final de século XIX, é patrimônio tombado pela FUNDARPE. Natural que, após uma intervenção, outros problemas estruturais se evidenciem. Mas nada que se estenda por muito tempo. Confesso que aproveito este momento para me inteirar do que nele se constitui para aventurar-me no trabalho de gestão. Faz duas semanas que assumi a direção do MAMAM e desde então, escuto sempre essa mesma pergunta. Hoje, passado alguns dias, posso vislumbrar um setembro arejado e novo.
Como você recebeu o convite para esta direção?
Fui chamada pelo próprio Secretário de Cultura do Recife, Renato Lins, no início de sua gestão. Fiquei surpresa. Nunca tive a intenção de ter uma carreira pública em gestão de museus. Sou artista plástica e desde o convite para assumir o [Museu Murillo] La Greca venho descobrindo outras vertentes profissionais que me surpreendem pelo prazer de realizá-las.
Qual a sua visão de seu perfil institucional do MAMAM? Que missão ele cumpre na cidade? O que muda com a sua entrada?
É o museu mais importante da cidade. O principal acervo. Ele vem passando por transformações, mas não deixa de ser referência. Desde a sua criação em 1997, ele criou expectativas de público e de artistas sobre o papel que poderia desempenhar. A partir de 2001, observo na administração de Moacir dos Anjos uma atuação significativa para o museu, com uma definição de uma política institucional de importantes exposições, publicações, atividades educativas além de catalogações e, principalmente, ampliação de seu acervo. A esta missão quero acrescentar, na minha gestão: uma política de aquisição; uma dinamização do perfil do MAMAM do Pátio, estimulando a produção jovem, fortalecendo a sua trajetória; além de uma interlocução com a produção de artistas consolidados. Acredito principalmente numa ampliação e num fortalecimento de um novo modelo de Sociedade de Amigos com interlocução ativa junto à atual direção. Acredito num trabalho coletivo, de escutas alheias, constituindo uma política democrática e ampliada, voltada para as nossas necessidades. Como percebe, ainda estou em processo, ainda em construção de um entendimento mais preciso e concreto. Não poderei aqui, em breves palavras, estimar o potencial de um porvir.
Concorda com as críticas de alguns artistas da cidade sobre a pouca participação deles na pauta?
Eu sinto isso como artista, mas entendo a função que cada gestão cumpriu em seu tempo. Marcos Lontra vem para o Recife e assume a direção do MAMAM, trazendo uma maior visibildade [1998-1999]. Acho que ele fez bem a mescla entre artistas locais e de fora numa coletiva inicial. Depois, o MAMAM, apesar de ter realizado importantes exposições, começou a assumir uma posição conciliadora entre diferentes vertentes. Não havia grande definição. Quando veio Moacir [entre 2000 e 2006] esses critérios ficaram mais rígidos e evidentes. Entendo que ele não pudesse contemplar tanto quanto deveria a produção pernambucana. Eu não acho que isso tenha sido ruim. É uma queixa nossa, mas nada impede que a gente retome. O projeto Décadas da pintura, em parceria com as curadoras Maria do Carmo Nino e Clarissa Diniz, que visam a traçar um panorama da produção pictórica pernambucana no período de 1960 a 2000, vai resgatar isso, de certo modo.
E quanto à jovem produção?
Ela aparecerá mais no MAMAM no Pátio. Na gestão de Cristiana, o MAMAM no Pátio abrigou artistas de fora nas residências e os locais numa ação bem menor. Acho que sua programação não precisa ser feita só de residências, mas também de exposições. O MAMAM do Pátio vai dar essa oportunidade dos muitos artistas que vemos produzir na cidade exporem seus trabalhos.
Como você vê o acúmulo de funções de curadoria e administração no MAMAM? Como pretende conceber o modelo de curadoria de exposições e acervo do museu?
Sou artista, quero manter esta a minha primeira atividade. Não pretendo acumular a função de curadora porque não a reconheço em mim. Venho de um modelo de gestão experimental do La Greca. Trabalhei com edital público de curadorias de exposição coletiva, forma encontrada para dinamizar um pequeno espaço incluindo-o num circuito nacional, abrindo espaços para as práticas curatoriais e exercício da crítica jovem com o Projeto Amplificadores.
Ainda lá, iniciamos em janeiro de 2007 o projeto Décadas de Pintura já mencionado. Contribuindo para a historiografia de tal produção artística, assim valorizando – ao refletir e debater sobre – o esforço de quatro gerações de artistas cujo trabalho é ainda pouco conhecido do público e da crítica.
Falar dessas ações talvez deixe mais claro a minha postura como gestora. Pretendo dar continuidade ao Décadas de Pintura e desenvolver ao longo de dois anos quatro exposições, um documentário e um abrangente catálogo. Acredito estarmos (críticos, historiadores e instituições de arte) assumindo parte da responsabilidade pela validação e valorização da produção artística de Pernambuco – tarefa árdua que precisa ser realizada urgente e continuamente.
Estou envolvida com a gestão do MAMAM e não necessariamente a frente de curadorias. Para essa tarefa, curadores serão convidados para projetos específicos, seja no acervo, produção jovem ou de artistas já consagrados que venham a contribuir para difusão da arte contemporânea. Além de projetos de aquisição de acervo resultando ou antecedendo a sua aquisição. Quero deixar claro que é uma visão pessoal. É assim que me vejo numa instituição desde então.
Já existem atividades programadas para 2009 no museu? Que linhas de trabalho quer seguir? Quais são suas prioridades?
Formar e consolidar uma Sociedade de Amigos e, com ela, refletir sobre um modelo de gestão. Reabrir o museu com um importante recorte do acervo, por um curador convidado, acompanhado de um seminário abordando Mercado e Colecionismo, como parte da programação do SPA 2009, inaugurando uma nova relação do museu com este evento que considero importante para a formação artística. Definir programação a partir das propostas dos curadores convidados, grupo de estudos do acervo, parcerias institucionais com o acolhimento de exposições nacionais e internacionais.
Você citaria referências no campo da administração/conceitualização de museus?
Quando cheguei ao La Greca em 2005, tive a oportunidade de conhecer Denise Grispun, Diretora do [Museu] Lasar Segal, num encontro promovido pelo Fórum de Museus aqui em Recife. A sua experiência na época me surpreendeu e, a partir de uma visita técnica a São Paulo, pude focar e visualizar o que poderia ser realizado no museu em que acabara de chegar. Acho que as especificidades da experiência do equipamento em que estou inserida, antes o La Greca e agora o MAMAM, são minha principal referência. Minha força de trabalho está na minha dedicação e numa postura crítica a partir do museu e do potencial que ele oferece. O olhar de dentro oferece duas possibilidades: alguma cegueira ou apuro dos críticos a sua vocação.
O que você experimentou/aprendeu no Murillo La Greca que pode trazer pra cá? Que diferenças vê entre as duas instituições?
Hoje, ocupo um espaço com outra realidade e dimensão. Não vou continuar na experimentação, nem por isso mudar meu modo de pensar. O que antes era prática informal e espontânea, hoje ganha estrutura para ampliar reflexões acerca das ações a serem realizadas no Museu. Trabalhar em conjunto com pessoas interessadas nessa construção possibilita maior segurança, tranqüilidade e credibilidade. A Sociedade dos Amigos estará muito próxima nessa construção. Continuo com o pensamento de artista. A partir dele e com ele, estabeleço uma relação transparente e reflexiva com os artistas e a sociedade. Trago também experiências da minha passagem de agosto de 2008 a maio de 2009 pela na Coordenação dos Equipamentos Culturais do Estado [vinculada à Fundarpe, órgão do Governo Estaual de Pernambuco], cargo que me permitiu uma visão macro das potencialidades culturais.
Qual a situação financeira do museu para a sua gestão em relação à anterior, de Cristiana Tejo?
Estamos focando nossos esforços na sua reestruturação. Como já citei anteriormente, alguns danos sinalizaram um aumento também no seu orçamento. Uma vez cumprida esta etapa, iniciaremos uma trabalho de planejamento e projeção financeira garantindo nossas necessidades. A boa notícia é que o MAMAM é prioridade do Secretario, que se dispôs a lutar por suplementos orçamentários e captações externas junto comigo e com a equipe. Temos isso a nosso favor, mas, como estamos num início de governo, nada está definido.
Como você visualiza a integração de museus vinculados à Prefeitura?
É com alegria que encontro aproximação e interlocução entre Secretaria de Cultura e Fundação. Os equipamentos culturais fazem parte dessa nova estratégia de integração. O Pátio de São Pedro, além do MAMAM, abriga mais cinco espaços culturais entre Memoriais Chico Science e Luiz Gonzaga, Museu de Arte Popular, Centro de Formação em Artes Visuais e Centro de Design. Parcerias e projetos coletivos já estão sendo articulados, a exemplo do MAMAM do Pátio e seu vizinho, o Centro de Formação. Já iniciamos parcerias com o Centro de Design com o desenvolvimento de produtos MAMAM para serem comercializados na loja que será montada nas dependências do museu, além de outros projetos passíveis de serem realizados.
E quanto à integração do museu ao Conselho de Cultura da Prefeitura? Como será administrada a implementação de diretrizes aprovadas na Câmara Setorial, como a intervenção do Conselho sobre a curadoria do museu?
Não posso trabalhar a partir de escolhas e diretrizes aprovadas pelo Conselho de Cultura, entendo este setor como um sinalizador de interesses da sociedade. Um Conselho consultivo. Será assim por mim recebido e acolhido.
Como vem administrando, desde o La Greca, o acumulo da carreira artística com a gestora? Como você avalia esse crescente exercício executivo da classe tanto de Recife-PE quando de outras cidades/estados do país?
A minha carreira de artista vem se desenvolvendo paralelo à de gestora com muita tranqüilidade. Claro que o ritmo depende das demandas do trabalho. Em 2008 participei do Salão da Bahia, realizei a minha primeira individual na Galeria Dumaresq e em março passado, fui convidada pela Curadora Ada Azor para participar do Proyeto Cyrcus - Evento Internacional de Vídeo e Performance, paralelo a Bienal de Cuba. Este ano estive envolvida também com a coordenação da Fundarpe e por isso a minha produção estancada, à espera de uma maior dedicação. Espero voltar em breve, mas sei que preciso de tempo e dedicação agora que cheguei ao MAMAM. Poderia estar num momento de maior atuação, mas estou feliz em poder contribuir para a consolidação da política cultural. Faço uma avaliação positiva de artistas gestores/administradores. Nós cumprimos um papel importante nesse exercício executivo porque levamos para ele todas as nossas necessidades profissionais. O artista traz em si muitas facetas.
junho 8, 2009
O áudio visual por Ana Maria Maia
Sobre O lugar dissonante, curadoria de Clarissa Diniz e Lucas Bambozzi para o 47º Salão de Artes Plásticas de Pernambuco
ANA MARIA MAIA
especial para o Canal Contemporâneo
Imagem
Uma sala hermeticamente fechada e, por isso, escura. Sua escuridão total inviabiliza qualquer possibilidade de localização. Seria ela grande? Quantas pessoas estariam nela além de mim? Estaria sozinha? A procura por certezas sobre a experiência naquele lugar demanda mínimos movimentos, um recosto, a atenção das pupilas dilatadas, mesmo que este gesto resulte inútil.
“Alô?”
Ouve-se uma emissão que parece estar à esquerda, no alto. É o canal aberto de uma ligação telefônica feita de orelhão perto dali, no pátio da Torre. O lugar da até então incapacidade perceptiva torna-se oportunidade de escuta expandida, em tempo real, de outros lugares, situações e intimidades. A escuta sobrepõe-se, aliás, em diversas vozes acionadas de oito -e não apenas um- telefones públicos habilitados para este circuito. Oito instâncias (ou 16, se considerarmos os agentes de fala e escuta envolvidos) que, naquela câmara de sentidos, coordenam uma única voz interior.
Subtítulo
Fui a Recife a convite do 47º Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, para acompanhar e relatar aqui no Canal Contemporâneo a abertura da exposição O lugar dissonante, com curadoria de Lucas Bambozzi e Clarissa Diniz e trabalhos de Fernando Velázquez (Uruguai/SP), Lourival Batista e Hrönir (PE), Giselle Beiguelman e Maurício Fleury (SP), Paulo Nenflídio (SP) e Ricardo Carioba (RJ). Levei comigo e li no caminho a recém lançada versão brasileira do Pós-produção: como a arte reprograma o mundo contemporâneo, de Nicolas Bourriaud e, inevitavelmente, revivi vários dos conceitos do que o autor chama de “formas de saber geradas pelo surgimento da rede” a partir do que podia ver montado e em uso naquela Torre Malakoff.
O grifo na expressão “em uso” justifica-se pelo traçado de percursos próprios e não mais de obras individualmente fundadoras para o que se tem por contemporâneo nas artes visuais. Ali, onde cinco artistas exibiam dispositivos para interação, ou melhor, participação (por uma maior horizontalidade nesta hierarquia de ações, talvez) do fluxo de visitantes a quem se dirigiam, a autoria (ou a “micropirataria”, como prefere chamar Bourriaud) passa pela procura de coerências geográficas e históricas para nosso espaço-tempo de acúmulos, nosso caos cultural.
Prefiro entender: se criamos, então, uma reunião de vídeo-instalação, net-art, mobile-tech e instalação sonora, é porque estas mídias abrem chaves de entendimento das operações por que passamos na vida contemporânea. As permutas de intimidade por serviços online; as simultaneidades e saturações da convivência globalizada; as decodificações de linguagens cifradas e o analfabetismo de quem não as lê; a experiência em tempo real e as escolhas e especificidades para/sobre documentá-la. Prefiro mapear aplicações a categorizar O lugar dissonante pela técnica, como uma exposição de arte e tecnologia. Isso porque a problemática que ali se encontra, acredito e reforço, deixa de dizer respeito apenas à invenção de interfaces; já pertencem à ordem do utilitário e de seus possíveis descondicionamentos pelas vias da liberdade e da reflexão. Assim sendo, a opção pelas tecnologias presentes em nosso cotidiano, portanto, torna-se um pressuposto de qualquer comentário empreendido pelos artistas participantes.
Dissonâncias
A imagem textual que abre este relato trata da obra Ouvidoria, de Lourival Batista e Hrönir, inédita e única comissionada pelo Salão. Recorro à mesma para abrir meu itinerário por O lugar dissonante dado à didática que encontro nela para entender a figura de dissonância sobre a qual fala a curadoria. A dissonância de Ouvidoria passa primeiro por sua Babel de pronúncias e sotaques desarmônicos e depois pela dissociação das esferas de ação e contemplação que inviabiliza a paisagem total do espaço. Ou se liga gratuitamente dos aparelhos instalados no térreo, ou se escuta a transmissão ao vivo no ambiente escuro.
Em ambos os casos, o virtual se inscreve como um dado de leitura e as coordenadas sonoras completam as lacunas de imagens e representações. O audível sugere o visível; a interpretação devolve à prática um caráter aberto e propositivo. No escuro, os olhos descansam e são evocadas novas medidas de sociabilidade e de contextualização cronológica para as narrativas individuais.
A volta ao som como elemento de narração é também encontrada em Suíte 4 Mobile Tags, de Giselle Beigelman e Maurício Fleury. Em gráficos simples, na verdade códigos de barras chamados QR-Codes, a obra, já exibida no File 2009, embute números de telefones dispostos lado a lado. O espectador, munido de seu próprio aparelho de celular, é capaz de acessar esses dados e acionar o toque de cada um deles. Silenciosa, a obra designa pela justaposição de significante e significado. Em atividade, intenciona criar uma orquestra de timbres, um “ready-made musical”, nas palavras de Fleury.
Por obra da expografia, entra como elemento desta orquestra uma parte exterior a ela, a instalação Teia, de Paulo Nenflídio, vizinha e mais barulhenta. O espalhado emaranhado de fios condutores de um circuito sonoro pendurado por fios de náilon faz ressonarem captadores eletrônicos à medida que se aproxima a mão de quem o observa e com ele interage. Uma apropriação da engenharia de uma pequena célula de toque em favor de usos mais plásticos e espaciais. Aqui, assim como em Suíte 4 e, arrisco-me a dizer, na contramão do enredo de Ouvidoria, o audível retorna ao visível (em Suíte 4, o visível são os QR-Codes e os aparelhos; em Teia, é o diagrama da célula de toque e a instalação como um todo) e revela nossos próprios vínculos com esquemas de localização e atuação mimetizados por imagens. Este parece mesmo ser o território para a praxis.
Mas continuamos buscando novos lugares, novos termos de uso, zonas de negociação do áudio-visual como esquema de complementaridades. Ricardo Carioba aborda as possibilidades de encontro e simultaneidade entre as partes deste esquema na videoinstalação inédita Abra. Na obra, o audível nem sugere nem retorna ao visível, mas o submete às regras da grade temporal que surge a partir da transposição de ruídos e imperfeições de uma gravação analógica para a plataforma de edição digital. Em cima desta grade, faces de cubos planificados projetados em escala humana desconstroem possibilidades de espelhamentos cenográficos e comprovam a tese do artista: “o lugar é o momento em que as coisas fazem sentido”.
A temporalização do espaço sugerida por Carioba acaba por introduz uma questão cara ao trabalho de Fernando Velázquez, Your Life, Our Movie: o fluxo contínuo da experiência em rede. Através de três terminais conectados ao álbum de imagens Flickr e dispostos em talões lado a lado, o público dispara roteiros de resgate e exibição de conteúdo online. O que os determina é a combinação entre palavras-chave digitadas pelo público e tags relacionados às imagens no ato de sua publicação. O resultado dessa combinação aleatória e passageira é uma criação coletiva entre autores do dispositivo (o artista), dos conteúdos (os usuários do Flickr) e das edições (os visitantes da exposição).
Pós-produção
Bourriaud falava da inviabilidade do ponto final da obra, agora prolongada no universo de leituras e citações que a circunscreve. Falava da dissolução de fronteiras entre consumo e produção e do dado como campo original para o trabalho artístico. Falava da programação, da discotecagem e da bricolagem como estratégias para o artista pós-produtor.
Um artista que “utiliza a sociedade como um repertório de formas”, talvez como Velázquez propusera no estabelecimento de uma rede. Que “habita estilos e formas historicizadas”, como Carioba em sua referência ao cubo como núcleo de significação da arte dentro da instituição. Que “reprograma obras existentes”, como Lourival em menção não proposital ao Surveillance (1969-1970), dissociação da experiência do espectador em vídeo, de Bruce Nauman.
Gosto do otimismo e da coragem de Bourriaud em correr riscos e redefinir campos sempre que a falta de perspectiva parece próxima. Acredito nesta porção de suas hipóteses para o artista e para a arte desde início do século. Por isso termino minha visita ainda com ele em mente, pensando nas funções e nos usos do que vi em O lugar dissonante. Procurando junto com aqueles que dela fazem parte minhas próprias escutas, observações e participações no mundo. Na impossibilidade de qualquer prescrição, a ausência de uma fotografia que traga para o espaço deste texto a sensação de estar em Ouvidoria talvez seja uma resposta. Isso porque para estar lá, retomo, são necessárias as dúvidas, o recosto, a atenção das pupilas dilatadas, mesmo que este gesto resulte inútil.