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abril 14, 2006
Fogo Cidade, por Paula Alzugaray
Fogo Cidade
PAULA ALZUGARAY
Fantasia de rainha da bateria pega fogo no desfile em SP A estudante Carina Zanqueta, de 14 anos, ficou ferida quando seu celular começou a pegar fogo no bolso da calça. O fato aconteceu na cidade de Araras Sempre gostei da cidade. Por que um bando de estudantes franceses pode pôr fogo em tudo devido a um Dirigente do Jihad nega cessar-fogo Grupo islâmico intensifica ataques com foguetes contra Israel a partir da Faixa de Gaza Beira-Mar planejava explodir três hotéis no Rio Espectro dos incêndios nos subúrbios continua pairando sobre a França e sobre as sociedade pós-imigratórias européias De fato, são nessas manifestações que os moradores dos territórios e da cidade dramatizam sua polaridade, em um enfrentamento que não raro provoca mortes Estudantes colocam fogo em boneco de Bejani, queimam pneus e invadem a Câmara enquanto a cidade ficava parada por mais de uma hora Caixas com produtos dinamarqueses e noruegueses são incendiadas por grupos de religiosos sunitas Bomba na rua 25 de Março é classificada por ato terrorista pelo prefeito de São Paulo O artefato foi produzido com um extintor de incêndio e pregos, foi detonado por volta das 16h e destruiu a lixeira Marcelo Cidade apresenta uma série de trabalhos que apontam para o Em "Fogo Fato" o artista registra marcas de fogo deixadas por
A pesquisa em site de busca da Internet a partir da combinação das palavras fogo, fato e cidade desenha o panorama dos conflitos dos últimos meses em todo o mundo. O que conecta virtualmente todos esses eventos é o espectro do incêndio e da destruição. Mas a origem da pesquisa é a série "Fogo-fato", de Marcelo Cidade, que esteve em exposição este mês na galeria Vermelho. O trabalho registra em fotografias marcas de fogo deixadas por manifestantes e mendigos nos muros das cidades e marcas de spray criadas pelo próprio artista. Foi feita entre as cidades de Paris e São Paulo, em novembro de 2005, época em que eclodiram as revoltas nas comunidades imigrantes habitantes dos subúrbios parisienses.
Cidade evoca, portanto, o fogo da violência urbana que aproxima a todos. Das facções do tráfico nas favelas cariocas à terceira geração de imigrantes árabes e africanos segregados nas periferias européias: sempre revoltas alimentadas pela intolerância, pelo racismo e a desigualdade. O desentendimento, situação recorrente em seu trabalho, também está no video "Quando não há diálogo" (2005).
Como indica o cientista social Miguel Chaia no texto da exposicão, o artista lida com "as relações e as coisas no âmbito da desterritorialização, aguçando ainda mais o sentido universal da arte, neste tempo que aprofunda a globalização". Efetivamente, as marcas de tinta, carvão ou pólvora, detectadas por Cidade, igualam Paris a São Paulo e a Bagdá. Seus fogos são, portanto, factíveis, referem-se a acontecimentos existentes e reais, registrados todos os dias nos jornais e na Internet.
Mas os fogos de Cidade são também indiciais. Fogos passados, que referem-se ao acontecimento que se deu num dado lugar, num dado momento, e que já se extingiu, deixando só uma marca para contar a história. A ausência do acontecimento (e do sujeito responsável pela ação) na imagem fotográfica, aponta para a situação de opacidade social em que esses agentes estão imersos. Os "Fogos-fatos" são também fogos-fátuos, de inflamação espontânea e brilho efêmero. Como as políticas de integração social que ocasionalmente ocupam os discursos políticos.
Onde há fumaça, há fogo
No dia seguinte à explosão de uma bomba caseira na rua 25 de Março, véspera de Natal, o movimento comercial frustrou as expectativas. O momento da explosão não foi registrado. O que ficou para contar a história foi a imagem de uma rua esvaziada pelo susto e a suspeita de que a explosão tenha sido efetuada pela máfia do contrabando em retaliação às operações de combate à prática que a PF promoveu em diferentes centros populares de compras na cidade.
Pouco - talvez duas ou três semanas - antes desse evento, uma outra explosão no mesmo local não chamou a atenção da mídia. Ao contrário da bomba classificada de terrorista pelo então prefeito José Serra, esta teve autoria definida e foi devidamente documentada. A ação faz parte da série de fotografias "Rescue Smoke", que a artista paulistana Camila Sposati desenvolve há três anos. De fato, trata-se mais precisamente de um "efeito" de explosão ou incêndio, produzido pelo acionamento de uma nuvem de fumaça colorida em local público. Em "Rescue Smoke - Purple", de 2003, a fumaça de cor violeta criava um anteparo ficcional à realidade banal de uma rua qualquer da cidade. Em "Rescue Smoke - Green", de dezembro de 2005, a fumaça verde invadiu um dos maiores centros de comércio informal da cidade de São Paulo, em plena época de compras de natal.
A fotografia de Camila Sposati registra um ato que poderia ser classificado pelo prefeito de São Paulo como "terrorismo artístico-ficcional em batalha contra o real"? Eventualmente. O fato é que na invasão verde ao centro comercial, Sposati subverte as convicções de quem seja a vítima e o agressor.
A mesma questão é levantada pela artista na obra "Armas de Fogo", em exposição na galeria Leme a partir de 20 de abril. Trata-se aqui do registro fotográfico de uma batalha a ferro e fogo entre dois bonecos de platicina. Os poderes conciliatório e segregador do fogo são iluminados tanto pelas marcas de Cidade quanto pelos artifícios de Sposati.
abril 11, 2006
Miss Pimaco, por Rubens Pileggi Sá
Fotos: Ana Carolina Lucca
Miss Pimaco
RUBENS PILEGGI SÁ
"Por mais que eu ande
Nada em mim imagina
O que é que tal menina
Tão pequena está fazendo
Em uma cidade tão grande"
Paulo Leminski
Estive em São Paulo, semana retrasada e, como sempre, fui atrás das exposições de arte, em cartaz. Vi a Lygia Clark na Pinacoteca do Estado, uma coletiva na Galeria mariAntonia, mas nada realmente mexeu mais comigo do que essa colagem, que me pegou de surpresa, quando eu entrei na rua Aurora, vindo da av. São João.
Quem conhece a região sabe que ali é lugar de prostituição, das casas de striptease, dos cinemas de filmes pornôs, das bancas de revistas e vídeos de sacanagem e que não há nem um orelhão telefônico na região que não esteja totalmente impregnado com adesivos de prestação de serviços sexuais, oferecendo desde garotas virgens até sexo bizarro, ao gosto do freguês.
Esses adesivos são comprados por folhas, subdivididas e cortadas, para que a pessoa possa imprimir o que quiser e colar em diferentes superfícies. Uma das empresas que vendem essas folhas chama-se Pimaco. Qualquer um pode comprar na papelaria, a folha de papel adesivo Pimaco. E imprimir uma mensagem na impressora de um cyber qualquer. E sair colando anúncios por aí. É o que fazem os que oferecem programas de sexo na região da São João.
E foi lá que eu encontrei Miss Pimaco - a mais bela de todas elas! Ainda estava úmida a cola de farinha que usaram para pregar o cartaz. Sua viscosidade assemelhando a esperma. Não me liguei na hora, estava distraído. Um passo depois de passar o cartaz, quando ela mexeu comigo, como se piscasse, me chamando para um programa, aí sim, percebi. Feita com tinta spray, o desenho de uma mulher tipo sereia, sobre uma camada de pelo menos um milhar de adesivos Pimaco (p.s. : Pimaco não paga merchandising por esse texto), roubava-me a atenção.
Sobre seus olhos uma tira negra, como se ela fosse alguém, menor de idade, envolvida com a policia, cuja identidade fosse preciso preservar. Uma faixa dourada cobria-lhe de glamour, no entanto, onde se lia: Miss Pimaco.
Miss Pimaco são as putinhas que enfeitam o imaginário de todo homem; as fodidas sem saída no mundo cão; as imigrantes que chegam à Sampa querendo ser alguém e acabam se obrigando a fazer michês; as fodonas que aprontam sabe-se lá o quê; as loucas do sexo bizarro; as strip-girls da região da São João, que sobrevivem mexendo com a fantasia dos homens; as que ficam doentes, também, e a gente nem sabe. A que me fez chorar de emoção.
Para arrematar, um poema do genial Leminski, compunha, com o restante da colagem, uma delicada forma de arte mural, onde tudo parecia obedecer a um deus caprichoso, fazendo do precário, o durável; do bruto, o delicado; tirando força da fragilidade; da aridez, um oásis; da passagem, a continuidade.
Tudo o que se deseja de algo que possa ser denominado de Arte de Rua - que é quase sinônimo de transgressão - é que ela se volte para o entendimento da massa e para o coração das pessoas, sem o peso institucional a lhe sustentar qualquer estatuto ou proteção. Ao contrário, qual é o tempo de exposição de um grafite, de uma pixação, de um cartaz colado na parede de algum lugar? E, ainda mais quando o que se vê só poderia ser visto naquele momento, naquele lugar. E não em outro. Um site-specific (local específico) que se alonga: o lugar está na pessoa, mesmo que a pessoa não esteja mais no lugar.
E foi ali, na rua Aurora, em uma tarde qualquer, mas especial, porque aberta à emoção do instante, que Miss Pimaco - a jovem que ganhou vida nas mãos de alguém que assina Spray Poético - SP, identificando seu(s) autor(es) - levou-me às nuvens. Em meio ao concreto irremediável de vidas que batalham um lugar no mundo. Depois que já tinha desistido de procurar pela Arte.