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agosto 19, 2003

A arte de se locomover pelos vãos

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A arte de se locomover pelos vãos

RUBENS PILEGGI SÁ

Situações simples são as mais difíceis de se encontrar. Por serem tão óbvias, ninguém parece lhes dar o devido valor. Uma maçã, ao cair na cabeça de Newton enquanto este fazia a sesta debaixo da árvore trouxe à luz a famosa lei da gravidade. É assim: parece que tudo já está dado. Tudo que nos cabe é iluminar um determinado aspecto que, até então, ninguém conseguia enxergar.

O vidente, o profeta, talvez só consigam enxergar mesmo é o óbvio. E, como nosso amigo físico, muitas vezes ajudado pelo acaso, no momento em que ele menos se preocupava em resolver a equação que iria mudar a vida de todos: a compreensão de um fenômeno.

De que é que nos ocupamos senão for para servir a vida? Mesmo o distanciamento desta preocupação deve ser levado em consideração como motor de pensamentos. Lembra-se quando você sonhou a solução de um problema? Quando, cantando no chuveiro, lhe veio a maneira do modo de agir para resolver um caso? Foi em Paris que Oswald de Andrade descobriu o Brasil como lugar de potencialidades.

Claro, é preciso levar em consideração os paradoxos, pois o desenvolvimento da consciência tem sido menos democratizado do que o desenvolvimento da tecnologia e alguém continua a pagar por isso, certo? Melhor ficar calado: silêncio/ economia de palavras/ é ecologia.

O mais fácil é mandar comprar a comida pronta, do que fazê-la. Delegar responsabilidades do que exercê-las. Mandar fazer do que refletir. Afinal, pensar cansa. E, nesses nossos tempos, quem é que ainda tem tempo de deitar-se debaixo de uma árvore para uma simples pausa, breve que seja?
Simples, que se diga logo, pode não ser o menos trabalhoso, nem o mais rápido (pelo menos na aparência), mas todos compreendem que, uma vez que se coloque em prática uma solução simples, era ela, e só ela, a única opção (surpreendentemente) possível, exeqüível e óbvia. E aqui ressaltamos duas delas; dois eixos urgentes a se investir: a consciência e o meio-ambiente. Mas o que vem a ser, exatamente, isso? Como aplicar na prática?

Em arte, essas definições passam pela transformação da matéria. Ou seja, tudo o que diz respeito à transformação da matéria no planeta, diz respeito, também, à arte. Portanto, o artista consciente de seu papel, hoje, na sociedade, deve agir menos em relação ao rótulo, ou à categoria de arte em que está inserido, evitando ser anacrônico, do que em ser atual, fazendo de sua ação uma afirmação da vida e da existência. Sua arte deve ser potência para o desenvolvimento da liberdade, da criatividade, da independência e da autonomia (poderíamos dizer: da interdependência) entre as pessoas e o planeta. Para que até o mais simplório entre nós compreenda (perceba, seja sensível) o significado complexo do que está em jogo.

Simples, como o agradecimento que o índio Kaká Werá Jecupê fez, aos espíritos das árvores que foram entregues ao sacrifício, para que as letras pudessem ser impressas nas páginas brancas de um folheto, sobre seu trabalho comunitário.

Rubens Pileggi Sá é artista plástico e está lançando o livro com os textos da coluna Alfabeto Visual.

Posted by João Domingues at 4:25 PM | Comentários (1)