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abril 21, 2021
Descompasso Atlântico, de Negro Oceano por Paulo Miyada
Descompasso Atlântico
A Gentil Carioca tem o prazer de apresentar a segunda individual de Arjan Martins na galeria. Descompasso Atlântico reitera a navegação do artista por uma história de resistências e refluxos simbólicos, políticos, culturais e existenciais dos negros de ascendência africana transplantados pela escravidão colonial. Martins se interessa pela representação dos rostos dissolvidos, quase líquidos. Como lavados pelas águas do Atlântico, que se tornou por mais de três séculos e meio um grande cemitério de pessoas escravizadas. O trânsito por essas águas negras, perpassa histórias das mais íntimas até a ressignificação cultural macro dessa transposição. São retratos que se completam apenas com a presença e a imaginação do espectador. Não por acaso, 22 de abril, a data de lançamento da exposição, é a mesma data da chegada dos colonizadores por essas terras.
Fruto de pinceladas ágeis, largas e movimentadas, as obras se impõem como uma reflexão sobre identidade e representação. Segundo Paulo Miyada [1] "O artista coaduna o que pode ser lido como um retrato multitemporal e pluri geográfico da negritude enquanto memória, presença, luta e imaginação – tendo o Brasil e, mais especificamente, o Rio de Janeiro como endereço, de onde se olha para o oceano Atlântico e para todos os continentes por ele banhado".
Nas obras desta exposição, Martins retoma o uso dos espaços vazios no interior da pintura, abundantes em suas obras de referência cartográfica. Esses espaços emergem da textura e da coloração da tela, que "fazem papel de mais uma cor entre as outras aplicadas pelo artista, sendo o mais explícito sinal da incompletude como fator ativo no seu pintar."
Um peculiar cruzamento entre figuração e incorporalidade, em jogo a sua produção, aparece na representação dos rostos dissolvidos, quase líquidos. Este oceano só se completa com a presença e a imaginação do espectador. Dessa forma, "não é possível dizer se choram ou sorriem, mas se intui que habitam o cotidiano, caminham, trabalham, estudam, lembram e sonham. Na construção destas figuras, brasileiros, norte-americanos ou europeus, são igualmente filhos da diáspora, e o modo como o artista os representa aponta para esse vínculo, enquanto reconhece que suas existências vão além da tarefa de se lembrar do trauma da violência colonial."
Assim, Arjan Martins perpassa campos semânticos diversos e deixa equações simbólicas em suspensão para serem interpretadas e reinterpretadas. Miyada atesta, "há uma sabedoria implícita em seu trabalho cujo projeto poético prevê a ampla navegação das águas do oceano negro, seja transitando entre períodos históricos, seja viajando entre diferentes latitudes e longitudes banhadas pelo tráfico escravagista."
1 - Parte de trechos extraídos do texto Negro Oceano de Paulo Miyada escrito para o livro Arjan Martins da editora Cobogó
A Gentil Carioca is pleased to present Arjan Martins' second solo show at the gallery. Descompasso Atlântico, reiterate the artist's navigation through a history of symbolic, political, cultural and existential resistance and reflux of blacks of African descent transplanted by colonial slavery. Martins is interested in the representation of dissolved, almost liquid faces. As cleaned by the waters of the Atlantic, which became for more than three and a half centuries a great cemetery for enslaved people. The transit of these black waters goes through stories from the most intimate to the macro cultural significance of this transposition. These are portraits that are completed only with the presence and imagination of the spectator. Not by chance, April 22nd, the exhibition's launch date, is the same date of the colonizers' arrival in these lands.
Issue of agile, wide and busy brushstrokes, the works impose themselves as a reflection on identity and representation. According to Paulo Miyada [1] "The artist joins together what may be read as a multi- temporal and multi-geographical portrait of blackness as memory, presence, struggle and imagination – located in Brazil and, more specifically, in Rio de Janeiro, whence one gazes at the Atlantic ocean and at all the continents bathed by it.”
In the works exhibited in the show, Martins goes on making use of empty spaces inside the painting, which are abundant in his cartography referenced works. These spaces emerge from the texture and coloring of the canvas, “which are ;occasionally playing the part of one color among others applied by the artist – the most explicit sign of incompleteness as an active factor in his painting.”
A peculiar intersection between figuration and intangible, implicated in his production, appears in the representation of dissolved, almost liquid faces. This ocean is only completed in the viewer's presence and imagination. In such a way, "It is impossible to say whether they cry or smile, but one intuits the fact that they inhabit everyday life; they walk, they work, they study, they remember, and they dream. Whether Brazilian, North American or European, they are all children of the diaspora, and the way that Arjan Martins represents them points to this connection even as it recognizes that their existence goes beyond the task of remembering the trauma of colonial violence."
Thus, Arjan Martins crosses through different semantic fields and leaves us with symbolic equations in suspension to be interpreted and reinterpreted. Miyada attests,"This also intensifies the wisdom implicit in the work of Arjan Martins, whose poetic project envisions the unrestricted navigation of the waters of the black ocean, whether traveling between historical periods or journeying between different latitudes and longitudes bathed by slave traffic."
1 - Excerpts from Negro Oceano by Paulo Miyada, written for the book Arjan Martins published by Cobogó.