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dezembro 11, 2020
marieloisa1003 por Thais Rivitti
Imaginem que estamos bem aqui, no Edifício Marieloisa, no momento de sua construção, na década de 1950. Caminhando poucos quarteirões chegaríamos ao Largo de Santa Cecília, onde fica a famosa igreja com obras do pintor Benedito Calixto, inaugurada em 1901. Na esquina com a Rua Sebastião Pereira veríamos a requintada Clipper, primeira loja de departamento da cidade e primeiro estabelecimento a ter uma escada rolante. Seguindo o passeio, encontraríamos também boates famosas, cinemas luxuosos, casas de chá e outras lojas sofisticadas. Aos olhos mais atentos não passariam desapercebidos os edifícios art deco e os palacetes hoje tombados pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Nem o primeiro edifício modernista construído em 1927.
Diante do prédio Marieloisa conseguiríamos de fato voltar no tempo, pois a reforma cuidadosa empreendida pela CAVN preservou os detalhes da época – até as pastilhas da fachada foram substituídas por outras iguais às originais –, acrescentando apenas os benefícios das tecnologias mais modernas.
A combinação entre o charme de outrora e a vitalidade do presente, como se vê nos novos restaurantes, bares e atividades culturais que surgiram nos últimos anos, trouxe novos habitantes para a região e deslocou novamente o interesse para essa área da cidade.
As obras aqui expostas, em marieloisa1003, mostram um pouco como dois artistas encaram as transformações do meio urbano, como as vivenciam e, principalmente, como fazem dessas mudanças um assunto para seus trabalhos.
José Carlos Martinat, artista peruano representado pela Galeria Leme, dedica-se a pensar sobre a passagem do tempo e suas marcas no contexto urbano. Seus trabalhos pretendem apreender e conservar um momento, destacando-o do fluxo constante de destruição – e construção –em que as grandes cidades estão imersas. As delicadas películas soltas no espaço são fragmentos da visualidade urbana. Extraídas diretamente de muros da cidade por um processo de transferência, aparecem como reminiscências do passado. Tipos diversos de letras, logos e símbolos formam uma iconografia complexa, uma linguagem codificada. Essa passagem sem mediação do contexto público para o interior do espaço expositivo dá outro significado ao material apropriado pelo artista. No ambiente artístico, protegido, tendemos a apreciá-lo segundo as normas e o repertório da História da Arte. Na rua, muitas vezes, ele é visto como produto de vandalismo, sinalização improvisada ou propaganda sem interesse.
Rodrigo Sassi, nascido em São Paulo e representado pela Central Galeria, utiliza em seus trabalhos materiais da construção civil como ferro, madeira e concreto. Mantém com a cidade essa afinidade orgânica de elementos constitutivos. Seus ossos e sua carne são feitos da mesma matéria. As obras de Sassi aludem à arquitetura moderna; assumem a cor cinza, sem acabamento ou disfarces. Formam-se a partir da manipulação de materiais resistentes, numa possível alusão ao dia a dia duro dos habitantes da metrópole. Têm um equilíbrio tenso que está sempre por um fio e diz muito sobre uma convivência inevitavelmente no limite da violência e da opressão. Mesmo assim, ou, melhor dizendo, por isso mesmo, uma improvável beleza surge das obras, dando ensejo a uma camada menos imediata da percepção da vida em São Paulo. As obras de Rodrigo respondem à sua maneira à pergunta do dia: “Existe amor em SP?”.