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setembro 1, 2020
O Museu de Imagens do Inconsciente na bb11 por Lisette Lagnado
O Museu de Imagens do Inconsciente na bb11
Lisette Lagnado, 23 de agosto de 2020
Do MAOC, Franco da Rocha, São Paulo
Aurora Cursino dos Santos
Masayo Seta
Ubirajara Ferreira Braga
Maria Aparecida Dias
Do MII, Rio de Janeiro
Adelina Gomes
Carlos Pertuis
O escopo curatorial da 11ª Bienal de Berlin (adiada devido à pandemia da Covid-19 para o período de 05 de setembro – 01 de novembro de 2020) procurou examinar vários sentidos que derivam da noção de “experiência”, desenvolvida pelo artista e arquiteto do modernismo antropófago, Flávio de Carvalho (1899-1973).
Desde setembro de 2019, ou seja, um ano antes da data de inauguração, que coincide com o centenário da fundação do Berlin Psychoanalytic Institut, a presente edição da Bienal compartilhou seu processo de pesquisa ao público local por meio de exposições em escala modesta, rodas de conversa, performances e workshop, na sede que alugou no bairro de Wedding. “The Crack Begins Within” [A rachadura inicia-se por dentro] é o título do epílogo, resultante de três momentos anteriores, as “exp. 1”, “exp. 2” e “exp. 3”.
Ao longo desses meses, reapareceram algumas temáticas que haviam pautado as atividades do Clube dos Artistas Modernos (CAM), espaço experimental que teve curta duração (1932-33) em São Paulo, cuja programação acolheu uma mostra de gravuras da artista alemã Käthe Kollwitz e o “Mês das crianças e dos loucos”. O CAM foi brutalmente fechado pela polícia “por atentado aos bons costumes” depois da estreia da peça O Bailado do Deus Morto, com figurinos, iluminação e cenografia do próprio Flávio de Carvalho. Junto com o psiquiatra Dr. Osório Cesar, o artista vinha desenvolvendo uma troca pioneira, no Brasil, quanto à percepção estética da produção visual de internos e sua inserção em museus de arte.
A curadoria desta edição da Bienal de Berlim apresenta obras do Museu de Arte Osório César, Franco da Rocha, e do Museu de Imagens do Inconsciente, Rio de Janeiro, chamando a atenção, em tempos distópicos, para a questão da saúde mental e pública, de um estado de vulnerabilidade vivenciado a nível global. Importante frisar o caráter inédito, para um evento de arte contemporânea, de reunir, também no Martin Gropius Bau, peças do Museo de la Solidaridad Salvador Allende (MSSA, Chile). Comum entre os doentes, o sentimento de “alienação”, de sentir-se “alheio”, “estranho”, “fora” de uma realidade, será encontrado também na experiência do exílio político, que levou chilenos a sair do país após o golpe militar de 1973. Embora com trajetórias incomparáveis, essas três instituições juntas representam “pequenas” vitórias decorrentes de esforços de indivíduos, a maior parte sem reconhecimento, que se destacam por uma resistência contra aparatos de repressão, sejam eles de natureza política ou baseados em premissas científicas (lobotomia).
Sabendo que as “experiências” de Flávio de Carvalho foram contemporâneas das primeiras publicações de psicologia e antropologia, disciplinas então incipientes, esse ponto de partida serviu de álibi para abarcar conflitos que atravessam os séculos até hoje, notadamente os nacionalismos e fanatismos de massa, e, mais uma vez na história, questionar a validade do conceito de razão.
A luta antimanicomial da Dra. Nise da Silveira, que se traduziu na prática do afeto e do calor humano reinante nos ateliês de atividades expressivas, permitiu amenizar a dor psíquica do esquizofrênico, e nos revela a extraordinária potência da criação a despeito de pertencer a vidas danificadas. A 11ª Bienal de Berlim convidou outras iniciativas engajadas na “mudança dos tristes lugares que são os hospitais psiquiátricos”, notadamente “Debajo del sombrero” (www.debajodelsombrero.org), “La rara troupe” (raraweb.org), ou, ainda, o coletivo “Feminist Health Care Research Group” (www.feministische-recherchegruppe.org), cada qual com uma plataforma distinta, reunindo artistas em serviços de cuidados.