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março 1, 2020
Como nos movemos, como queremos nos mover? por Daniela Avellar
Como nos movemos, como queremos nos mover?
DANIELA AVELLAR
Antes de tudo é preciso dizer que esta exposição torna-se possível a partir de um engajamento coletivo, entre estudantes e também com o estabelecimento de importantes pontos de contato com os professores ao longo do curso, movido por um desejo comum – o de construir um desdobramento simbólico dos processos vividos por nós, que nesse ano crítico de 2019 formamos a turma do Programa de Formação Gratuito – Exercício Experimental da Liberdade, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Também é importante falar sobre a dimensão de grupo desta turma, que hoje se reconhece como tal – acontecimento que só é possível se construído ao longo, no estar junto cotidianamente. A nomeação “grupo” também aponta para uma certa condição: um agrupamento de pessoas em movimentação conjunta ganha consistência à medida em que se vê capaz de sustentar um imbricamento de diferenças inerente à qualquer experiência coletiva.
Como nos movemos, como queremos nos mover? surge como uma tentativa de que os questionamentos deste grupo apareçam ao público, por uma ampliação dessa dimensão comum, agora não apenas restrita à nós, mas entendendo que as questões discutidas em salas de aula não são nada mais do que problemas e interesses também do mundo ao redor. Na presente mostra, como explicitado pelo título, a questão da mobilidade se impõe, muito por sua implicação prática e social, que nos defronta todos os dias – como chegar à escola? Como habitar seus espaços? Lembrando que uma discussão sobre o aumento de passagem no ano de 2013 acabou se desdobrando em jornadas que politicamente deixam marcas indeléveis.
Os trabalhos presentes na exposição discutem, cada um ao seu modo, intensidades embutidas na tarefa de ter de se mover, seja pela cidade, seja pelos fluxos da vida, ou tentando enfrentar os automatismos e os programas dos modos instituídos do cotidiano. Entendendo que esses deslocamentos ocorrem de forma efetiva e concreta, mas também conceitual. Como seguir? E os movimentos certamente também ganham outras espessuras, dado a alegada plasticidade do termo e à medida em que o significante esgarça. Por isso é preciso salientar que esta pergunta que nos serve de baliza não se exaure com facilidade. A exposição propõe mais coloca-la em choque percussivo, com quem a frequenta, com os sistemas da arte, com o mundo. Acreditando que praticar arte envolve alguma metodologia portadora de dúvida, curiosidade e risco. É preciso manter-se aberto antes que seja consolidada qualquer estratificação.
Dito isso, os variados movimentos possíveis inscritos na pergunta-guia apontam para deslocamentos que certamente não serão unidirecionais, apesar de chacoalharem entre condições do que “já é” (como nos movemos?) e como gostaríamos de ser (como queremos nos mover?). Diante de um esquema duro de trajetos e jogadas que podem ser encontrados pelo caminho, escolhemos um diagrama aberto de ideias que se ramificam em constante agitação. Talvez seja preciso dizer que a rede de relação formada com essa exposição, este grupo de estruturas móveis constituídas por diversos meios e portadoras de diferentes interesses, reúna-se por um comum que, acima de tudo, para ser vivido, cobra dos próprios artistas e do espectador uma espécie de giro simbólico – movimento não retilíneo que faz a curva.
Com a escolha de uma linha não propriamente reta, não haverá por aqui um só caminho para resolver questões, há de se assumir algum torpor que amplia a capacidade de conhecer, enquanto desarticula modos de mover apenas fundamentados no que já se sabe. Mover como quem deseja mover pode ser uma ferramenta poderosa. A perspectiva de realização da curva não cobra necessariamente uma mira em um horizonte, ou algo como uma flecha apontada para frente. Queremos nos mover, sim; e sempre mais longe, para além dos já cristalizados atributos lógicos e racionais. Lá, mas ainda aqui.
Daniela Avellar