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novembro 4, 2019

Aplomb, encontro entre Hugo França e Tom Fecht por Mírian Badaró

És pó
Só pó
Se és pó
Sê esse pó poesia

Augusto de Campos, em um de seus recentes poemas concretos (Pós, 2012), sentenciou com precisão o que hoje vem a ser o tema da exposição Aplomb - encontro entre Hugo França e Tom Fecht, na Galeria Bolsa de Arte: reconhecer a pequenez humana diante da grandiosidade da Natureza e seus fenômenos, e desse reconhecimento, extrair poesia.

Essa postura é visível na obra dos dois artistas. Ambos transmitem, por qualquer das peças que compõem a exposição, a certeza de um trabalho prévio e mesmo exaustivo de observação, que lhes permite capturar imagens e revelar formas que apenas agora, parecem ter estado sempre ali, disponíveis, à espera de serem resgatadas.

Ainda que fazendo uso de suportes distintos, é esse posicionamento de maneira aprumada, firme, quase irredutível ante o objetivo, que une os dois trabalhos - e dá nome à exposição.

Hugo vê na madeira o que ninguém mais vê. O que ela precisava mostrar - e ele nos mostra. Pelas lentes de Tom, além de imagens muitas vezes invisíveis a olho nu, a certeza de estar diante do instante mágico que, dentre uma infinidade de possibilidades, era o que tinha de ser registrado.

O artista está presente em cada obra, ainda que, paradoxalmente, por vezes, na ausência de intervenção, como se podem permitir somente os que, com segurança e modéstia, têm domínio total de seu ofício e consciência de seu papel. No conjunto de obras apresentado por Hugo França, suas conhecidas esculturas mobiliárias se desvencilham da função e cedem espaço a uma narrativa essencialmente artística. A instalação “Flutuante” apresenta peças de duas coleções mantidas por Hugo desde o início de sua produção: canoas e remos. Os instrumentos tradicionais das culturas indígenas por ele tão observadas, agora, constroem o movimento ondular que outrora os movia. Já na série de esculturas circulares “Aram”, que em tupi-guarani significa “o tempo primordial da Natureza”, a verticalidade de árvores milenares é desconstruída em fatias tombadas, carbonizadas. O que era vivo, então, queima; o que era todo, vira parte. E há que se seguir enxergando beleza na passagem do tempo e naquilo que nos consome.

Na obra de Tom Fecht, os fenômenos naturais escondidos no tempo são temática recorrente. O horizonte, as marés, os efeitos da gravidade... Nem o intangível escapa à sua percepção, e tudo é registrado, ainda que, nada sem um propósito. Intensas pesquisas lhe permitem até mesmo construir as próprias câmeras, mas não o impedem de deixar espaço para descobertas ao acaso.

Da série “Dark Matters”, minimalista no conceito e generosa nas dimensões (e onde sua aficção por Física Quântica fica explícita), Tom apresenta uma seleção de seus recentes “Eclipses”, que consagraram seu trabalho fotográfico, num elegante relato de quem invadiu a noite e se deixou invadir por ela. Em “Electric Cinema”, verdadeiro elogio em preto e branco à perfeição do Universo, explora um território fotográfico maior e mais antigo que nós. Na escala oposta, “Tides” é composta por quinze pequenas - porém, impactantes - imagens da superfície turbulenta do mar, capturadas “entre chien et loup”, um curto momento do crepúsculo, quando os primeiros raios da luz do dia se cruzam com os reflexos restantes da lua cheia. Por fim, explorando o deslocamento do centro gravitacional do corpo humano, “Basics” nos deixa um alerta pungente a preservar o equilíbrio ameaçado.

Após três anos de trocas e diálogos marcados por diferenças linguísticas e conexões poéticas, Hugo França e Tom Fecht, juntos pela primeira vez em uma exposição, nos mostram, cada um a sua maneira, como navega pela Arte um homem com prumo.

Hugo França (1954, vive em São Paulo) e Tom Fecht (1952, tem sua base em Berlim) não compartilham nenhuma língua em comum, mas sim décadas de prática artística autodidata, com formação em engenharia. Os dois artistas mantém estúdios remotos em dois extremos do mundo: na costa selvagem do Atlântico, na Bretanha, França, e nas florestas tropicais de Trancoso, Bahia, Brasil.

Texto de Mírian Badaró, escrito em outubro de 2019

Posted by Patricia Canetti at 5:05 PM