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outubro 31, 2019
...Uma história que eu nunca esqueci... por Rosana Palazyan
...Uma história que eu nunca esqueci..., videoinstalação cujo vídeo, produzido de forma artesanal, sem pretensões de virtuosismos técnicos, nasceu como um exercício solitário de anotações visuais e sonoras no cotidiano. Propõe reconectar a memória fragmentada das histórias e relatos ouvidos, desde a infância, sobre a diáspora em consequência do genocídio armênio (c. 1915 a 1923). Uma história que sempre foi impossível esquecer, pois seria o esquecimento do próprio ser.
Brasileira, carioca do subúrbio, de ascendência armênia, tendo iniciado minha trajetória no final dos anos 1980, cercada por episódios de violência, traumas sociais, econômicos e políticos, nunca me sentia à vontade para tratar do tema Armênia. Desde então, venho buscando ampliar a reflexão sobre a violência e exclusão no tecido social.
Porém, ao ser convidada para participar da 4ª Bienal de Arte Contemporânea de Thessaloníki, na Grécia, em 2013, descobri durante a pesquisa que aquela era a cidade onde meus antepassados se refugiaram por alguns anos. E o passado distante estava diante de mim, tão próximo...
“Quem lembra do genocídio armênio?” Eu lembro. O extermínio de 1,5 milhão de pessoas e a tentativa de fazer uma cultura inteira desaparecer. Foi preciso remontar cada fragmento da memória como em um quebra-cabeça, carregado de enorme custo pessoal.
O fio condutor da história é um lenço bordado por minha avó materna, quando refugiada em Thessaloníki. Transformado em cada episódio, ele permeia sua história e a da família, desde as memórias de origem em Konya, sua cidade natal, passando pela vida como refugiados na Grécia e pela viagem para o Rio de Janeiro, por volta de 1926, até a nova vida.
Durante a apresentação nas exposições anteriores*, pude vivenciar que a narrativa conecta-se a muitas outras histórias e biografias, tocando as memórias de cada pessoa e impulsionando-a a contá-las. Ao tratar da reconstrução de uma identidade, aproxima o Outro e faz refletir sobre o quanto essas histórias continuam se repetindo.
Chegando ao Rio de Janeiro, o ciclo continua. No Museu de Arte do Rio, tão perto, o mesmo porto de chegada, o mesmo mar que um dia representou, por um lado, saudade, e por outro, esperança. Aqui, na cidade que no passado foi escolhida como um sonho bom de recomeço, contar essa história hoje propõe uma reflexão sobre os acontecimentos políticos, sociais e de violência que estamos vivendo em nosso país e sobre os nossos próprios genocídios. É como uma ferramenta que pode nos fazer acionar pensamentos na luta por manter viva nossa democracia.Trazendo de volta o desejo de ficar e não de partir. Como um não a uma nova diáspora.
Rosana Palazyan
Rio de Janeiro, abril de 2019
* Após 2013, a obra participou em 2015 (ano do centenário do genocídio) do Pavilhão Nacional da República da Armênia, premiado com o Leão de Ouro na 56ª Bienal de Veneza. Em 2017, na 1ª Trienal de Arte Contemporânea na Armênia, pude levar ao país de origem, onde tudo começou, a história enriquecida pela diáspora. E nesse mesmo ano, participou da exposição Água no SESC Belenzinho em São Paulo.