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outubro 21, 2019
Narrativas em Processo: Livros de Artista na Coleção Itaú Cultural por Felipe Scovino
Narrativas em Processo: Livros de Artista na Coleção Itaú Cultural
FELIPE SCOVINO
Esta exposição, Narrativas em Processo: Livros de Artista na Coleção Itaú Cultural, não permeia apenas os livros-objetos – comumente associados à expressão livros de artista –, mas propõe uma investigação das diferentes relações que podem ser estabelecidas entre livro e artista.
São várias as possibilidades de entendimento desse encontro: podemos compreendê-lo como uma publicação da qual o artista concebe conteúdo e design gráfico; a manufatura de um livro ou a intervenção conceitual ou física nesse suporte, em caráter de tiragem limitada; a ilustração de uma publicação; a execução de um álbum de gravura.
Depois de passar por Ribeirão Preto, São Paulo, Curitiba e Belo Horizonte, a mostra chega ao Recife, cidade que abriga muitos artistas que se dedicam a essa produção tão singular nas artes. Em cada cidade, a escolha e o recorte das obras e das seções sofreram mudanças – e aqui não foi diferente. Com exceção da obra do argentino Jorge Macchi, esta mostra destaca os artistas brasileiros da coleção de livros de artista do Itaú Cultural na transição entre o moderno e o contemporâneo, especialmente o momento em que o formato do livro cria novas fronteiras em sua forma conceitual, expandindo o lugar da palavra para além da página. Acompanhando a criação de novos procedimentos para a concepção de livros de artista, são constituídas diversas relações entre obra e leitor.
A percepção dos livros se dá também por meio das imagens e do espaço gráfico construído. A ilustração, em particular, não é mais considerada uma mera reprodução visual e mecânica do que foi escrito pelo autor. Ela agora tem seu próprio campo de atuação e liberdade criativa. Um exemplo icônico dessa prática é o imprescindível livro Casa-Grande & Senzala (1933), de Gilberto Freyre, ilustrado por Cícero Dias, presente na mostra. O desenho ilustra o pensamento de Freyre ao mesmo tempo que cria o seu próprio espaço de autonomia e liberdade. Acredito também que a prática da ilustração foi fundamental para a experimentação e o desenvolvimento da técnica por parte desses artistas.
Com caráter histórico, a investigação do suporte livro de artista passa pela produção moderna e seu diálogo com a ilustração, pelos livros-esculturas dos poetas concretos, pelos álbuns de gravura, incluindo a literatura de cordel, e termina com um núcleo contemporâneo, dividido em Uma Escrita em Branco, Livros-Objetos, Rasuras e Paisagens.
As narrativas transbordam novas interpretações, entre as quais destacamos dois pontos de vista: o primeiro, da pluralidade de ações e das relações não só com a literatura e as artes visuais, mas com o design, a política e, em alguns momentos, a música; o segundo, de uma leitura que não se esgota, que se desdobra redefinindo os papéis do próprio livro, do leitor e do artista. Assim, alguns questionamentos são provocados: como um livro pode ser visto, representado e transformado? Como os procedimentos e a invenção do campo das artes visuais traçam fronteiras com a literatura e o design?
Felipe Scovino