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setembro 20, 2019
Renata Tassinari - Beiras por Taisa Palhares
Sua beleza é total
Tem a nítida esquadria de um Mantegna
Porém como um Picasso de repente
Desloca o visual [1]
Sem expor individualmente na cidade de São Paulo desde 2015, Renata Tassinari apresenta um recorte de sua produção mais recente em sua primeira exposição na Galeria Marília Razuk. Trata-se de três conjuntos de trabalhos [2] nos quais a artista explora de maneira diversa elementos marcantes de sua poética desde meados dos anos 2000: as relações entre cor a partir de uma estrutura combinatória aparentemente simples, e o jogo com o espaço arquitetônico. É também nesta década que o trabalho irá se constituir de maneira original na tensão entre a autonomia das cores e a fisicalidade do material, quando a artista incorpora a superfície do acrílico e a textura da madeira na composição. Neste momento, os trabalhos ganham em intensidade ao tencionar os limites da pintura que surgem ao mesmo tempo como objetos manufaturados e pura virtualidade pictórica.
Essas características são retomadas no conjunto atual, contudo com importantes variações. Como em fases anteriores, na base de seu fazer pictórico temos retângulos e quadrados padronizados que convivem em harmonia, mesmo que as combinações sejam a princípio dissonantes. Essa forma quase impessoal de organização está presente na série de desenhos “Xadrez” e na grande pintura “Quadrado Vazado”, apresentados na primeira sala da exposição. Mas aqui chamam a atenção a grade branca entre os planos chapados de cor e o espaço vazado da pintura. De certa maneira, nota-se de saída que esses trabalhos pretendem se deslocar pelo espaço, em alguns casos sugerindo até mesmo continuidade com a parede. Sem dúvida, a referência é Mondrian. Mas é preciso confessar: um Mondrian um tanto esquisito no qual a grade preta se transforma na grossa linha branca feita por meio de máscaras, o que torna o espaço entre os retângulos coloridos aerado.
Em certa medida, também estamos longe da racionalidade objetiva das cores primárias que domina as composições do artista holandês. Aqui diríamos que Matisse com seus encontros de tonalidades improváveis (em que cores complementares convivem harmoniosamente ao lado de pequenos hiatos) foram geometrizadas numa estrutura que sugere antes de tudo a leveza e a alegria das descobertas intuitivas e dos achados casuais. Há sim, naturalmente, toda uma ciência por trás da combinação de cores de Renata Tassinari, um saber conquistado com paciência ao longo dos anos, e que hoje se revela em sua maturidade. Mas a exemplo daquele tipo de conquista que se dá de forma quase natural e acumulativa, seus trabalhos aparentam a leveza das brincadeiras infantis. O preto, contudo, não deixa de ser uma presença decisiva, mesmo que não mais enquanto estrutura quadriculada. Ele é, a meu ver, aquela unidade constate que surge em diferentes posições e tamanhos e dá a nota grave e concreta que modera a vibração flutuante das superfícies.
Será na série intitulada “Beiras” que a vocação espacial das pinturas de Renata Tassinari se realiza em sua potência maior. Nestas pinturas quase esculturas aquela linha orgânica dos desenhos se autonomiza e incorpora a cor, experimentando um novo espaço. Expostos pela primeira vez em 2018, eles podem ser montados de diversas maneiras na parede, ora desaparecendo no canto superior de uma quina real, ora recriando os limites da arquitetura ao formarem desenhos que deslocam as fronteiras do observador. Concisos e complexos, vistos à certa distância traçam linhas coloridas que invocam a continuação e um possível entrecruzamento virtual, perfazendo deste modo a ordenação estrutural das pinturas no universo tridimensional. Entre estes e aqueles, o grupo de painéis em L faz a passagem ideal: o quadrado vazado é aberto e as arestas, individuais ou em duplas, instauram um movimento de expansão em direção ao mundo.
Há uma certa alegria nesse conjunto de obras, mesmo que contida. Mais soltas, tanto a cor como a linha dançam uma melodia que rompe a monotonia da repetição do “uma coisa depois da outra” do nosso cotidiano cada vez mais idêntico e enfadonho. Todavia, sem perder o fundamento que possibilita sua realização.
Taisa Palhares
Agosto/2019
[1] Trecho do poema “Sua Beleza” de Sophia de Mello Breyner Andresen.
[2] Essa divisão é de minha inteira responsabilidade.