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setembro 8, 2019
Imaginação fabulosa por Solange Farkas
Imaginação fabulosa
SOLANGE FARKAS
De potência singular, a produção pictórica de Ana Elisa Egreja se constrói em torno de um pequeno conjunto de obsessões recorrentes: a tematização dos espaços da arquitetura e da maneira como conformam e são conformados pela domesticidade; a deferência aos arranjos clássicos da pintura, em especial a natureza-morta; e a busca exaustiva de realismo na representação de materiais, superfícies e texturas, aqui servindo a uma imaginação literalmente (e cada vez mais) fabulosa.
Os trabalhos reunidos na exposição Fabulações atestam uma trajetória que, curiosamente, começou a ganhar impulso ao passar por esse mesmo espaço, em 2008, quando a artista foi premiada no 15º Salão da Bahia com a pintura Natureza morta com três patos sobre tartan verde. Então recém formada e integrante do grupo 2000e8, de artistas que tinham em comum a pintura e o desejo de atualizar o debate em torno dela, ela seguiria dando forma a uma investigação peculiar, que ao mesmo tempo mobiliza, desafia e garante a justa pertinência a seu arsenal de recursos técnicos.
Suas séries exemplificam as formas como, movendo-se por um mundo de espaços íntimos povoados por sombras e memórias, sensações e associações, ela ora se detém em um elemento-chave – como vidros ou reflexos e a forma como filtram a luz, as coisas, o mundo –, ora agrega o disparatado para embaralhar referências, tempos, realidades. Se em trabalhos iniciais lhe bastavam como estudo colagens digitais de imagens pesquisadas na internet, logo a ideia de encenação se impõe fortemente, exigindo esforços de produção que a fazem recorrer à instalação, ainda que, pela complexidade, remetam mais ao cinema.
Um marco, nesse sentido, é Jacarezinho 92, conjunto de pinturas em que monta e retrata cenas ambientadas na casa onde os avós viveram, e que lhe serviu de ateliê por dez anos, introduzindo nelas elementos externos e improváveis, como a água que alaga e transforma, inexorável, um salão originalmente grandioso. Na recente Cobogós, pintura-instalação formada por 169 telas de 20 x 40 cm, a narrativa se serve dos elementos vazados da arquitetura vernacular brasileira e das linhas modernistas da Casa do Campo Verde, de Rino Levi, enquanto se rende ao chamado enigmático da presença humana que esmaece nos espaços abandonados.