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setembro 5, 2019
Sonia Andrade - Às contas por Katia Maciel
Sonia Andrade - Às contas
KATIA MACIEL
As contas chegam todos os meses impressas em pequenos papéis lacrados trazidas pelo carteiro condenado a ser o portador das más notícias. Não apenas as esperadas, mas aquelas inacreditáveis como a de luz ou a do IPTU desprovidas de qualquer sentido contábil.
Às contas, bem estas são outras. São aquelas que a artista carioca Sonia Andrade juntou por 50 anos e nos apresenta, todas de uma só vez, como raios aterrados no Museu de Arte do Rio de Janeiro. Sonia reuniu suas contas de gás, luz, água, esgoto, telefone fixo, celular, televisão à cabo, internet e ancorou-as literalmente. Correntes suspensas içam os papéis em blocos a nos acenar os custos de uma vida inteira iluminadas por fios de luz na imensa sala escura. Um filme kafkaniano na infinitude e incompletude de um processo. Sonia uma das primeiras artistas da videoarte nos revela com um flash nossa imagem mais contemporânea. A dívida. Atenção à altura. Não alcançamos o topo, estamos soterrados, muito abaixo do cume do metal suspenso. Nosso corpo não é a medida para a enormidade dos avulsos e logo olhamos para cima, mas estamos no rés do chão. Deleuze nos anunciava no seu texto sobre a sociedade de controle, seremos números e agora nem mesmo isso.
Sonia me diz. Não esperava. Duas pessoas choraram.
É para chorar e muito porque não temos como estar fora desta obra. Cada um de nós está preso e içado por estas correntes como escravos do mais perverso sistema financeiro que já existiu, pós-mercantil, pós-produtivo, um capital sem lastro real ou existente, flutuante e aterrador.
A instalação Às contas de Sonia Andrade é um oceano de derivações. É construção de imagem, é pesquisa de arquivo, é forma escultórica, é poesia e é um tapa na cara dos mercados, todos eles, que afundam corpos e almas sem jogar botes salva vidas.