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agosto 7, 2019
Walter Goldfarb: A Menina, a Chuva de Amoras e outras histórias... por Vanda Klabin
Walter Goldfarb: A Menina, a Chuva de Amoras e outras histórias...
VANDA KLABIN
A exposição de Walter Goldfarb - A menina, a chuva de amoras e outras h(H)istórias - focaliza um conjunto resumido e significativo de suas obras em diferentes formatos, realizadas nos seus vinte e cinco anos de trabalho (1995-2019), que registra o desenvolvimento peculiar do seu laborioso exercício de ateliê e visa contemplar também as suas estruturas seriadas, que proporcionam articulações infinitas, dando espessura aos trabalhos e fornecendo consistência plástica ao olhar. O artista revela o seu enfrentamento direto com a pintura pela execução de unidades de grande escala, realizada de forma muito direta e com grande complexidade técnica sobre a superfície das telas, problematizadas pela utilização dos mais diversos materiais e formas de execução, trazendo novos ritmos de investigação estética e afirmando sua maneira particular de projetar a sua realidade.
Nos últimos anos, a pintura de Walter Goldfarb transformou-se em um campo fértil de pesquisa e inovações, ao instrumentalizar o discurso religioso e heróis míticos do legado da cultura semita, singularizando as suas experiências biográficas e espaços pessoais transpostos para infinitas estruturas e métricas visuais. Ao adentrar no núcleo de sua poética, percebemos que ela incide no seu caráter híbrido e numa pluralidade de linguagens. Extremamente envolvido com a atividade física do fazer, a formação do seu olhar adota referências culturais na pintura, na literatura, na música – sua forma de estar no mundo –, que sugerem narrativas e encontram continuidade através da sua ferramenta principal: a ideia do diálogo culto com o repertório da história da arte como artifício pictórico, como um dos elementos constitutivos do seu processo de trabalho, em que parece que o tempo se fragmenta na estrutura compositiva, transcende o fato pictórico e a pintura ocorre em algum lugar imaginário, penetra o mundo real e assume todos os seus próprios riscos como um motivo de espiritualidade e de questões místicas. Essas temáticas vieram à tona a partir de interesses específicos que o artista já manifestava em sua pintura e se apresentam como uma extensão natural de sua atuação, complementando e rebatendo as inquietações geradas no embate cotidiano com a tela, seja ao incorporar elementos tridimensionais como signos, bordados, pedras e metais preciosos, como ingredientes ativos e de forte impacto visual.
A relação fluida dos campos de cor, os diversos procedimentos com produtos químicos de escovação e lavagem dos suportes, a forte presença do pigmento do bastão de carvão, associados a um rigoroso jogo de signos sempre em mutabilidade e acréscimos que encontramos na ordenação do espaço interno da tela, temperadas pelos contrastes entre a opacidade e o brilho, a rugosidade e a lisura, aliados aos campos de coloração, trazem maior materialidade pictórica ao seu trabalho. A obra de Walter Goldfarb é uma arte feita de construções e raspagens, onde os fios de algodão são retirados da própria lona da tela, num procedimento de combinação e sobreposição das peças análogo ao modo com que aplica a tinta em seus quadros, seja pelos elementos fragmentários que se superpõem, num movimento realizado do fundo para a superfície, bem como o gosto pela composição cuidadosa e quase artesanal, como se tatuasse a realidade que habita o seu imaginário. O artista declarou na revista Art Nexus: “todo o meu trabalho é um trabalho de cortes e suturas”.
Os elementos de sua iconografia nos alicerçam na sua rede de inquietações, têm uma mesma melodia interna, são como unidades celulares, como os cantos gregorianos que se repetem por si mesmos. Estão ali presentes os jogos rítmicos que exercitam componentes do olhar, numa coreografia em permanente expansão, em que uma dinâmica de cores e veladuras instiga os diversos acontecimentos plásticos que ocorrem pelas suas diferentes tramas, criando grupamentos imagéticos que, pelo desdobramento natural de suas pesquisas nesses vinte e cinco anos, acabaram por se agrupar em diferentes séries.
Walter Goldfarb repensa, rediscute e reinventa a sua extraordinária tradição da pintura a partir de procedimentos plásticos atuais com uma enorme desenvoltura imaginativa, artesanal e intelectual. A valiosa contribuição do artista, ao aproximar a pintura fundada pelos seus contrastes e remissões aos dilemas históricos, redimensiona a leitura artística contemporânea, enriquecendo-a com elementos críticos e questionadores.
Vanda Klabin
Curadora, Agosto de 2019
Vanda Klabin é cientista social, historiadora e curadora de arte. Editora de revistas e catálogos de arte, coordenou várias pesquisas sobre arte brasileira. Realizou diversas curadorias de artes plásticas e é autora de artigos e ensaios sobre arte contemporânea. É consultora para diversos projetos culturais. Nasceu, vive e trabalha no Rio de Janeiro.