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junho 7, 2019

Em verde, vibratos por Mario Gioia

Em verde, vibratos

MARIO GIOIA

SELVA-MATA, a primeira individual do artista mineiro Fábio Baroli na Zipper Galeria, aponta um novo momento em seu corpo de obra, quando a figura humana cede espaço a uma natureza, não sem exuberância, atraentemente observada em paisagens feitas com primor – no entanto, construídas; não são veristas, exatas. Ao mesmo tempo, desdobra alguns pontos de inflexão em recortes anteriores, como a criação de grandes ambientes pictóricos, em que o políptico é central dentro do espaço expositivo e se expande pelo próprio local por meio de elementos da pintura, tanto por procedimentos mais evidenciados como de apagamento. E há um conceito de aspectos econômicos e sociopolíticos, entre outros âmbitos, a fundamentar a exibição, porém hoje parece ceder sorrateiramente a investigações mais robustas do fazer artístico – da pintura a óleo, no caso.

Outro dado importante da produção de Baroli se mantém: o deslocamento. O artista nasceu em Uberaba, Triângulo Mineiro, teve a formação acadêmica em Brasília, passou um período de poucos anos no Rio de Janeiro, retornou à cidade natal e hoje se instalou em São Paulo. A exposição inicial da ‘fase paulistana’ reverbera alguns ecos, já que não faz muito que o artista mora em Pinheiros (zona oeste de SP), contudo um interessante dado vem às telas do ambiente disposto na Sala Zip'Up. A sedução verde da Mata Atlântica foi retratada a partir de visitas à serra da Cantareira, extremo norte da cidade e importante ecossistema que protege boa parte das nascentes de água essenciais à urbe. Além da Cantareira, foram captados registros da floresta da Tijuca, no Rio.

O políptico SELVA-MATA, nome da série e da individual, também retrata vegetação típica do cerrado – a linguagem fotográfica é que baseia as composições pictóricas – nas cercanias de Uberaba, fértil região de soja e gado, entre outros produtos. Ou seja, plantas e arbustos rasteiros, de configuração mais esparsa e bem mais aberta que a existente no bioma da Mata Atlântica, fazem com que o cerrado ganhe as vestes de inimigo da produtividade agrícola, numa lógica economicista, por se assemelhar a reles mato.

É relevante lembrar que o cerrado já foi mais decisivo e presente no verde de SP – não à toa, partes da cidade eram conhecidas como Campos de Piratininga no início da colonização -, e essa condição chamou a atenção do olhar e da prática de artistas visuais, como Daniel Caballero. Na obra do paulistano, há proximidade de táticas do ‘artista-viajante’ e do expedicionário, a fim de descobrir, documentar, colecionar e apresentar a frágil presença dessa flora na gigantesca área metropolitana da capital paulista. Aí, por investigações e abordagens muito distintas, ele e Baroli podem ser radiografados dentro da altermodernidade proposta por Nicolas Bourriaud no essencial Radicante. “A figuração dos espaços não estáticos implica a construção de novos códigos capazes de captar as figuras dominantes do nosso imaginário (a expedição, a errância, o deslocamento), operação que não consiste simplesmente em acrescentar um vetor de velocidade em paisagens congeladas”1, escreve o pensador francês.

Em Deitei para repousar e ele mexeu comigo, individual apresentada no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) de Brasília, em 2015, Baroli já apresentou um políptico que versava sobre a paisagem. Contudo, Pra lá de dois pé-de-gabiroba representava um panorama bem mais afetado pela presença humana, em que árvores frondosas e um céu de azul vivaz pareciam machucados à exaustão, com cercas, estradas e animais de criação marcando de forma indelével anteriores vegetações primevas. Uma carcaça bovina e um cupinzeiro ajudavam na melancólica configuração, com inserções de tinta na parede, completando figuras, e telas de diferentes escalas a se espalhar pelo cubo branco.

Agora em SELVA-MATA a ameaça humana vive à espreita, no entanto permanece no extracampo. A pujança em tom verde determina que elementos pictóricos sejam realçados de modos diversos. O artista já utiliza como base da superfície dos quadros o gesso cré, fazendo com que a mistura de carbonato de cálcio ao fundo possa realçar o cromatismo das telas feitas com o denso óleo. Por vezes, as paredes da sala foram pintadas em um verde médio, fundindo suportes e volumes quadrados e retangulares colocados na expografia. Como ‘conteúdo’, não deixa de ser curioso os arbustos mais alongados e finos típicos de cerrado pontuarem fortemente a folhagem verdejante típica dos ambientes úmidos e fechados da Mata Atlântica, cuja luz (que transparece para explicitar a própria superfície da tela) tem momentos menores, mas relevantes para que o cenário, construído, possa ser visualizado. Um rosa surge quase silenciosamente entre o verde, pendendo menos para o artificial e criando ‘rasgos’ no que se assemelham a paisagens noturnas (não são, mas a temática foi cara a diversos artistas e, entre manifestações mais recentes, pode ser citada a série do paulistano Rodrigo Andrade). E a mesma tonalidade rosada domina uma das paredes da sala, difundindo uma espécie de negativo das paisagens instaladas à frente, numa relação especular catalisada por atributos típicos da pintura.

Por fim, a nova fase de Fábio Baroli o inscreve ao lado de uma gama de artistas de variadas origens, meios e estratégias, todos a optar por uma visada menos solar (e, portanto, mais pessimista) dentro da história visual do país. A colagem do artista parece minimizar o sublime que saltaria da representação mais plana dessa pujante natureza – já que a construção de um cenário que não existe tal como o vemos no momento, com essa mescla de diferentes biomas - , conferindo, então, um real menos vivo que o criado artisticamente. Assim, a produção pode se aproximar das gravuras de forte solidão dos panoramas de SP de Evandro Carlos Jardim, dos subúrbios em tom menor das pinturas dos egressos do grupo Santa Helena, da natureza de cores e vegetação às avessas do pictórico ‘estrangeiro’ de Miguel Bakun (1909-1963) e Alfredo Andersen (1860-1935).

Mario Gioia

1. BOURRIAUD, Nicolas. Radicante. São Paulo, Martins Fontes, 2011, p. 115.

Posted by Patricia Canetti at 11:21 AM