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abril 7, 2019
Piti Tomé: 90 tentativas de esquecimento por Efrain Almeida
Piti Tomé: 90 tentativas de esquecimento
EFRAIN ALMEIDA
Em sua primeira exposição individual em um espaço institucional, a artista Piti Tomé apresenta dois conjuntos de obras distribuídos em ambientes diferentes.
No primeiro espaço, a série de trabalhos intitulada Natureza-morta reúne obras nas quais a artista utiliza galhos, folhas, troncos e madeiras. A esses vestígios apropriados da natureza são conjugadas fotografias de paisagens. Há nesses trabalhos um jogo formal e conceitual no sentido de articular e enfatizar contradições e ambiguidades como real e virtual, natureza e representação, memória e esquecimento.
Ao escolher títulos para as obras dessa série, torna-se evidente o universo de referências de Piti Tomé. Sejam elas extraídas do romantismo do alemão Caspar David Friedrich ou das melancólicas paisagens do pintor americano Edward Hopper. Apesar de todas as referências e possibilidades de leitura, o vigor da obra da artista está na maneira como agrega e produz novos sentidos para objetos triviais. Ao recorrer a procedimentos como o recorte e a supressão de partes de imagens ou mesmo a associação de imagens de origens diversas, ela promove o deslocamento de sentidos. Os objetos são retirados de sua condição original — banal e cotidiana — e alcançam assim um novo lugar. Deixam de ser o que pareciam antes — o resto, o resíduo insignificante — para adquirirem um novo estado.
No segundo espaço, na instalação 90 tentativas de esquecimento, Piti Tomé mostra peças em displays expositivos à maneira de um museu de arqueologia, paleontologia ou de história natural. Há nessa escolha muitas possibilidades de significado. O mais evidente de todos talvez seja o de nos falar sobre memórias, apagamentos ou, simplesmente, sobre a certeza da finitude à qual estamos destinados. O impressionante aqui é como, poética e sutilmente, Piti Tomé nos aproxima e nos afasta do aspecto trágico de nossa existência. Aproxima-nos, quando podemos nos reconhecer nas fotografias, nos restos de objetos e nas paisagens por ela apresentados. Mas, ao mesmo tempo, afasta-nos quando não nos reconhecemos ou não nos vemos refletidos naquelas imagens e objetos. Recorrentemente, a artista se utiliza de fotografias antigas, em preto e branco. Talvez essa escolha estratégica em fazer esse corte temporal promova no espectador uma memória associada a um tempo remoto. Agindo assim, a artista se protege e, consequentemente, preserva-nos da tão dolorida e indesejada certeza da mortalidade.
É importante ressaltar os recorrentes vínculos da obra de Piti Tomé sempre com um olhar crítico e atento à história da fotografia e ao ato fotográfico, tendo como função primeira o registro e a permanência da imagem e sua memória, seja ela coletiva ou pessoal. Não podemos esquecer também da importância para a artista de um outro campo de saber — a psicanálise. Ao sobrepor e tensionar arte e psicanálise, interpolando dois campos de conhecimento, Piti Tomé nos revela, com maestria e brilhantismo, seu domínio sobre os sentidos e significância de sua obra.
Efrain Almeida
Março de 2019 Porto - Portugal