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março 20, 2019
Tensão Relações Cordiais por Tadeu Chiarelli
Tensão Relações Cordiais
TADEU CHIARELLI
Esta exposição tem uma dimensão experimental, uma vez que se comporta como um texto que se inscreve num e a partir de um texto já dado: a Coleção Regina Pinho de Almeida, a partir da qual ela é concebida e estruturada.
Tensão Relações Cordiais não é uma exposição que busca representar a Coleção, ser um instrumento que a legitime para alça-la a uma hipotética exemplaridade (o que a tornaria mais uma mostra desse tipo que, já banal no exterior, vem sendo explorado cada vez mais no Brasil). Pelo contrário: partindo da Coleção, entendida como um texto ainda em processo, um texto que se constitui pelo gosto de sua proprietária, mas, da mesma forma, pelas circunstâncias que emolduram e moldam esse gosto (história pessoal, afinidade entre colecionadora e artistas, oportunidades mercadológicas, “achados” entre o bizarro e o esplêndido etc.), Tensão Relações Cordiais literalmente ilumina cada obra em particular (daí a opção por uma iluminação pontual, que valorize cada obra exposta, e não por uma iluminação que clareie objetos e espaço “democraticamente”, conferindo-lhe falsamente um sentido unidirecional), não propriamente para “esclarecê-las” para o público, mas para visibilizar suas tensões internas em relação com as outras obras de seu entorno.
A exposição se apresenta como uma caverna em que cada obra se comporta como o vestíbulo de uma galeria subterrânea e, simultaneamente, como uma superfície refletora, impossibilitando qualquer “passagem”, forçando o/a visitante a não se esquecer do aqui e do agora.
Que o/a visitante não espere uma exposição de viés cronológico, que “arrume” aquele conjunto de peças dentro de uma ordem, quer do que se convencionou chamar de “História da Arte”, quer do que poderá vir a ser um dia a Coleção Regina Pinho de Almeida. E nem mesmo busque encontrar uma exposição concebida a partir de “analogias de linguagem”. Sem dúvida, poderão ser encontradas conexões mais ou menos óbvias (dependendo de cada caso) entre uma obra ou outra, mas elas não se articularão no espaço com essa pretensão.
Tensão Relações Cordiais ao se inscrever na escrita anterior da Coleção, ao mesmo tempo em que alarga os sentidos do texto que lhe deu origem, agrega a ele o sentido de incômodo em que se vive hoje no país.
Se o texto Coleção Regina Pinho de Almeida escreve a si mesmo enquanto se inscreve na vida cotidiana de sua responsável última, a exposição será tecida a partir de obras que funcionarão como substantivos alocados, “contextualizados” para e pela própria mostra: a galeria da Casa do Parque propriamente dita, mas, da mesma forma, os acessos arquitetônicos que para ela confluem (daí a imagem de “caverna”).
Nesse espaço, as obras formarão um novo texto, uma reescrita (sem nenhuma pretensão de corrigir o enunciado da Coleção e muito menos de ser “a” reescrita definitiva do texto “original”) que coloca em suspensão e em suspeição o previsível de qualquer exposição de arte: induzir a um único sentido, direcionando o olhar e a mente do/da visitante a uma explicação do que é ou do como poderia ser uma exposição concebida e produzida a partir de uma determinada Coleção.
No fundo (da caverna?) o que está por trás desta proposta é singela: apresentar a Coleção Regina Pinho de Almeida como um fenômeno. Um fenômeno que se constitui na vivência de seu próprio vir a ser e que a ele deverá ser incorporado. Uma metáfora da Coleção, mas da mesma maneira, uma metáfora do que pretende vir a ser a própria Casa do Parque: um texto que se constrói na própria constituição de seu vir a ser.
Tadeu Chiarelli – Janeiro, 2019