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agosto 27, 2018
Escadabstrata por José Damasceno
Sigo o curso dos meus sonhos, fazendo das imagens degraus para outras imagens.
Fernando Pessoa
La poésie est le réel absolu. Ceci est le noyau de ma philosophie. Plus une chose est poétique, plus elle est réelle.
Novalis
Ne pas avoir l’âme d’un exécutant. Trouver, pour chaque prise de vue, un nouveau sel à ce que j’avais imaginé. Invention (reinvention) immediate.
Robert Bresson
La mesa aparte de mí es dudosa, mi verla no; existe mi ver. Perdón, no solo la mesa real es distinta de mi verla, sino que la mesa vista es distinta de lo que en mi ver es mío; no se diga, pues, existe un sujeto que ve, sino además, un objeto visto. El ver pone no una existencia, sino una coexistencia.
Ortega y Gasset
Sempre me acompanhou, desde cedo, o sentido do explorador. Uma curiosidade renovada me anima, lá, onde continuamente se apresentam uma busca e um apetite por elucubrações, pistas, perguntas, dúvidas, evidências de uma ciência misteriosa. Essa pulsão me move e me intriga, a todo momento. Simultaneamente, desde os meus primeiros estudos até hoje, ao longo de processos múltiplos de aprendizado e realização, a ideia e a surpresa da descoberta convergiram e me levaram ao lugar onde me encontro neste momento. Gosto de caminhar, estou sempre andando e observando. Creio que os espaços percorridos, os caminhos, as estradas, as ruas são também de natureza mental. Sou um viajante entre mundos sensíveis e imaginários. O que busco? O que quero? O que minha vontade deseja? Talvez uma vida não baste para responder completamente tais perguntas, mas posso adiantar que também ao deambular e divagar por entre topografias fantasmáticas instalou-se ao longo do tempo, pouco a pouco, de forma essencial e “balizar”, um recurso imprescindível: a ideia de deslocamento; onde a gênese e a natureza do espaço se tornaram elementos indissociáveis do ato de pensar que nutre e guia meus interesses. Pensar é também produzir espaço. Eis o lugar em que cheguei.
Coordenadas e aparições. A investigação de uma espécie de escala microscópica do imaginário. Registros de uma representação inaudita talvez. Às vezes, ao tentarmos enxergar aquilo que está diante de nossos olhos, nos deparamos com uma perplexidade inquietante: ora, artes visuais… Dar relevo às especulações que busco iluminar produz perspectivas onde a natureza da visão é o substrato de configurações hipotéticas. Dados iniciais intuitivos promovem certos estados de consciência, oriundos da reunião de pontos de vista imersos no inconsciente. A orientação surge então de uma escuta; a poesia? Um guia: “o espírito da ação direta”. Tento contemplar aqui alguns ângulos presentes nessa aventura.
Escadabstrata. Uma palavra de encantamento? Talvez, mas certamente uma ideia-charada que traz consigo um possível estágio, nível, grau a se transpor e ascender. Uma vez pronunciada essa palavra, seu som, sua música, nos transporta a outro lugar acima e além, àquele de uma hipótese ainda por se revelar, imanente a seu passo. Uma vocação de transcendência. Uma escada ascese helicoidal. A forma da espiral é encontrada desde moluscos náutilos até galáxias longínquas em uma avassaladora sucessão de sequências e proporções áureas que geram correspondências vertiginosas entre ordens, formas e movimentos. A forma da espiral traduz o movimento ascensional a partir de um ponto inicial, etapas de um processo contínuo de desdobramento e de transformação. Uma escala intermediária se apresenta: miniatura gigante ou maquete multiescalar? Objeto-ideia.
O assombro diante da magnitude implacável de possibilidades e considerações em questão me fascina; o estudo do lugar, um campo aberto pela imaginação, me comove. O entrecruzamento de associações extraordinárias, sejam elas simples ou bizarras, tornou-se um espaço fértil onde se descobre na medida em que se inventa.
José Damasceno
Rio de Janeiro, 10/08/2018