|
julho 17, 2018
A intenção e o gesto por Marcus de Lontra Costa
“Tem que se achar
Que a vida não é só isso que se vê
É um pouco mais
Que os olhos não conseguem perceber
E as mãos não ousam tocar
E os pés recusam pisar”
Sei lá Mangueira – Paulinho da Viola
A potência da obra de arte não está somente naquilo que se vê na sua forma. É preciso ir além, descobrir aquilo que não se revela de imediato, pesquisar a sua história, decifrando os seus códigos e descobrindo a sua ideia, o seu conceito. Nesse momento a obra supera a sua materialidade para dialogar com o passado e se projetar no futuro. É a sua verdadeira beleza, o corpo que se cria e se afirma não somente pela matéria, mas também, e principalmente, pelos sentidos e pela razão.
Sérvulo Esmeraldo, artista homenageado nesta edição do projeto “Arte e Indústria” é referência obrigatória na história da arte brasileira. Nasceu na cidade do Crato, no Cariri cearense, região espetacular no Brasil. Como a maioria dos artistas da sua geração iniciou seus trabalhos a partir da observação da paisagem. De imediato interessou-se pelo movimento, pela transformação dos fenômenos da natureza, pela dinâmica dos corpos e pela dialética do saber. Começou então a produzir pequenas engenhocas que se apropriavam da corrente dos pequenos riachos abundantes na região e começou assim a se interessar pela essência das coisas, aproximando arte e ciência, processo e criação, objetividade e liberdade criativa. A percepção de determinada equação visual descoberta pela observação da paisagem é imediatamente respondida pela ação transformadora do artista. Há, portanto, uma decorrência imediata entre a intenção e o gesto, entre o que se vê, o que se descobre, o que se cria e o que se transforma.
Ao longo de toda sua vida Sérvulo jamais deixou de ser o menino curioso do Crato. Seu talento o levou para a capital, Fortaleza, para os grandes centros brasileiros, São Paulo e Rio de Janeiro e depois para Paris. Os seus trabalhos gráficos, surgidos através de uma inquietante pesquisa de espaço, criam as bases da práxis do artista. Ela garante a Sérvulo a régua e o compasso, e com esses instrumentos, o artista subverte o plano na busca da dinâmica do movimento. Tudo em Sérvulo é fluido, é devenir, é liquido. Na tríade dos grandes construtivos brasileiros, as obras de Amilcar de Castro se definem pela concretude, pela força do elemento Terra enquanto Franz Weissmann cria vazios que perpassam a obra e o definem como o elemento Ar. Sérvulo Esmeraldo trabalha a matéria iminente, a forma nômade, a transparência que define o seu elemento Água. E, para finalizar o círculo, podemos, nesse raciocínio, afirmar que ele se completa, na geração seguinte, com Tunga e suas portentosas matérias em ebulição que definem o elemento Fogo.
As obras de Sérvulo Esmeraldo reunidas nessa pequena mostra buscam ilustrar a extensa produção do artista, reunindo trabalhos que definem o talento e a inteligência do artista. Graças à colaboração inestimável da curadora Dodora Guimarães, companheira do artista, foi possível trazer a público essas obras que integram um patrimônio artístico de extraordinário valor, zelosamente por ela cuidado e preservado.
Marcus de Lontra Costa – Curador