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julho 17, 2018

Verzuimd Braziel – Brasil Desamparado por Josué Mattos

Verzuimd Braziel – Brasil Desamparado

JOSUÉ MATTOS

Anna Bella Geiger, Carla Zaccagnini, Cildo Meireles, Clara Ianni, Dalton Paula, Daniel Jablonski e Camila Goulart, Daniel Santiago, Ivan Grilo, Lourival Cuquinha, Regina Parra, Regina Silveira, Santarosa Barreto, Thiago Honório, Thiago Martins de Melo e Vitor Cesar.

O verso Verzuimd Braziel tem origem no holandês arcaico e corresponde à época em que a colônia de exploração recebeu a Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais. Entregue a Maurício de Nassau (1637-1644) quando a Capitania de Pernambuco foi assumida por Portugal, marca o desfecho de uma guerra travada contra os holandeses, que contou com a participação de escravos e indígenas. Retomado, em 1995, por Daniel Santiago, dá título à ação que consiste em atirar tufos embebidos em tinta colorida sobre a parede na qual é replicado. Como chefe de bando, Santiago orquestra a artilharia: preparar, apontar, fogo. Ao final, todos assinam a parede da ação jocosa que sintetiza séculos de medidas arbitrárias, impunidades descabidas, genocídios dissimulados, extermínios omissos. Preserva espaço aos que tiram um sarro de projetos civilizatórios e mobilizações contra estratégias que usurpam o Estado de direito. Acolhe quem convive sem alardes com os rumores causados pela imprensa tendenciosa, quem sustenta a rasura de debates acerca da desestruturação da democracia. Representa, no entanto, os que interrogam e reagem à guerras fratricidas que exterminam vidas e vozes, os que combatem o "racismo estrutural" e que indexam as farsas do projeto de "país do futuro."

Com proposições, obras e artistas concentrados em descortinar a naturalização da barbárie e intervenções que criam o contínuo "estado de exceção", a exposição Verzuimd Braziel – Brasil Desamparado questiona a falta de alardes de panelas e outros instrumentos mobilizados contra a corrupção enquanto testemunha a expressa manutenção do desamparo. Alerta contra o perigo de pertencer a determinada raça, classe e gênero, propondo reflexões sobre mecanismos de sobrevivência. Reconhece a contracorrente em campanhas de combate ao mosquito da dengue, que "convocam uma união dos cidadãos contra um inimigo comum". Aproxima nossa política de estupros simbólicos, associada a discursos que repetem a mesma palavra, capítulo após capítulo. A exposição desenha o Brasil da Transamazônica, dos estigmas relacionados à objetificação da mulher brasileira, de mães que perdem o sentido da vida, da escassez do pão nosso de cada dia em terras abundantes, narradas por Américo Vespúcio em sua carta Mundus Novus, lida por imigrantes que experimentam a aridez do país. Apresenta o Caboclo Sete flechas e mártires indigentes atravessados pelo devastador lema "ordem e progresso", os direitos trabalhistas em colapso, os negros vivendo a revolta de antigos oprimidos travestidos de opressores, os sistemas destituídos de valores, em um país feito abismo, de onde seremos vigiados por corvos alçando voos altos. Em cenário bélico, outra imagem de relevo, também retirada do mundo animal, foi apresentada por Gilberto Dimenstein em A República dos padrinhos - chantagem e corrupção em Brasília (1988). Trata-se da "raposa guindada à condição de protetora do galinheiro", em muito semelhante ao que Katia Maciel disse da moeda Irreal (2016): "fazer girar cara ou coroa não diferencia o resultado extremo de um sistema de trocas que levou a fragata ao naufrágio". Em tempos difíceis, em que o país silencia crimes ambientais, articula reformas promotoras de desigualdade e leis de autoanistia, produzir arte implica, também, reconhecer as "estratégias estéticas" do cenário bélico brasileiro, segundo comentou Eliane Brum, outro dado que aproxima a profusão de cores de Verzuimd Braziel (1995-2018) do desamparo ao qual somos confrontados. No momento em que o "país se arruína um pouco mais" o aparelho político arma operações espetaculares, altera o fundo do problema e garante popularidade para as futuras campanhas eleitorais.

Mães (2013), de Clara Ianni, tem eco no obscuro tempo presente. O vídeo reúne mães em processo terapêutico, anos depois de perderam filhas e filhos em extermínios do estado. Aponta o nível máximo de desamparo pois, como dizia Eduardo Galeano, mães são pessoas capazes de experimentar em seu corpo, no processo de gestação, a ideia de que um mais um é um. O convite a viver a alteridade como se fossemos mães em gestação pode ser algo de efetivo contra o Brasil desamparado. Já que o desamparo nunca será igualitário, teremos chance, como mães prenhes, de combater impunidades ardilosas, conivências descabidas, batalhando por alguma dignidade em meio a territórios minados.

Posted by Patricia Canetti at 1:51 PM