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julho 13, 2018
Precisão e Acaso por Felipe Scovino
Precisão e Acaso
FELIPE SCOVINO
Depois de ter sido exibida no Museu do Estado de Pernambuco, no Recife, no ano passado, esta exposição chega a Brasília. É a primeira vez que o trabalho de José Patrício é apresentado, com maior densidade, no Distrito Federal. O público está diante de grande parte da produção do artista nos últimos sete anos, além de obras do início de sua carreira. A maior contribuição de seu trabalho está no terreno da invenção e do alargamento sobre o conceito de construtivo nas artes. Sua obra possui precisão, regras e modos muito próprios de aparição. Sem dúvida, há pensamento racional, ordenamento e constituição de uma lógica que deve ser seguida até o término das peças escolhidas. Contudo, o acaso também se faz presente. Esses dois conceitos – precisão e acaso – não são antagônicos em sua obra; pelo contrário, se complementam e necessitam um do outro.
Podemos perceber a precisão, por exemplo, a partir da escolha feita pela vizinhança cromática, numérica ou material dos elementos que fazem parte das obras (dominós, botões, entre outros), sendo esse, invariavelmente, o núcleo central ou a linha que delimita o perímetro da obra, bem como os registros do início e do fim da forma construída pelo jogo de elementos. Isso acontece em razão de o movimento de leitura se dar, concomitantemente, nos sentidos centrípeto e centrífugo. Mesmo que haja a imposição do racional, durante a construção da obra, nunca se sabe a forma e a textura que ela terá ao final.
Outra forma de aparição do acaso é a qualidade cinética dessas obras. Quando buscamos desvendar a sua organização lógica, somos duplamente surpreendidos: ora por uma vibração óptica das intermitentes figuras virtuais, ora pela larga quantidade de pequenos objetos acumulados, que deixam o nosso olhar à deriva. O foco não está mais no centro, mas disperso, tentando dar conta das várias possibilidades de entrada que a obra oferece, para decifrarmos sua lógica interna. Dependendo da perspectiva que adotamos, somos surpreendidos com novas qualidades cromáticas e estruturais. A coerência na escolha dos jogos combinatórios e no uso das cores permite ao espectador ter uma experiência vertiginosa.
É interessante destacar a figura do colecionador em Patrício: ele opera com objetos de pequeno valor, garimpados nos mais diferentes lugares, que, reunidos, compõem um painel diversificado e, ao mesmo tempo, repleto de semelhanças, se compararmos as cidades em que foram coletados. Notem que é cada vez mais raro achar armarinhos, pois a indústria têxtil, serializada e altamente competitiva, tem colocado em risco uma produção mais autoral e artesanal, a qual, por sua vez, também tem desaparecido. Botões, em pouco tempo, se continuarmos nesse ritmo, serão artigo raro. Aliás, a artesania é uma característica que diferencia o trabalho de Patrício em relação ao de seus pares. Se qualificarmos a sua produção como pintura, o que é perfeitamente cabível, ela é feita, não com tinta, mas com as mãos e a experiência performática, evocadora de uma sensibilidade muito própria, além de compor um painel rico sobre a cultura brasileira, ao expor materiais e experiências que fazem parte do cotidiano do brasileiro (o dominó, o jogo de dados, o quebra-cabeça, os botões e, por conseguinte, os grandes mercados varejistas do país ou os pequenos armazéns onde são vendidas essas peças). Eis um alargamento para a ideia e o lugar de invenção das linguagens construtivas no país.
Sua obra, portanto, é um constante acontecimento. Cabe ao espectador escolher se a sequência numérica está crescendo ou decrescendo e, ainda, em que ponto do trabalho se apreende essa velocidade e se faz a escolha. Estamos constantemente envolvidos por escolhas, caminhos, formas e cores que induzem movimentos, traços, rumos e territórios. E é exatamente essa qualidade de caos que particularmente me anima.