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maio 16, 2018
André Parente: Figuras na paisagem por Patrícia Mourão
Começamos por uma ausência: “Figuras na paisagem” é o título de uma obra de André Parente ausente nesta exposição. Nela, um dispositivo imersivo simulando um binóculo estereoscópico permite ao espectador a navegação por dois espaços distintos – uma biblioteca e uma praia –, cada qual contendo micro histórias sussurradas por um narrador que se põe a ler livros e paisagens. Mas se a obra falta, o convite à leitura permanece, assim como permanece, como força estruturante das obras aqui apresentadas, um certo sentido de separação e distância entre quem vê e o que é visto implícito na ideia de observar “figuras na paisagem”.
No conjunto de obras aqui apresentadas, o convite à leitura e à reflexão começa com a imersão em uma paisagem de imagens. Nas duas instalações interativas, Circuladô e O vento sopra onde quer, somos lançados entre duas experiências: uma imersiva e sensória e outra reflexiva e meditativa. De um lado, somos rodeados pelas imagens, como quem, mergulhado em um mundo outro, não se diferencia mais daquilo que vê. De outro, somos convidados a refletir sobre o nosso próprio modo de percepção e interação com essas imagens, tal como alguém que, enquanto dorme, reflete sobre a própria vigília e o sonho que está a ter, ou ainda, como alguém que, em transe, separa-se do próprio corpo e se vê de fora, como a um outro.
Assim como se infiltra no centro da imersão para provocar a reflexão, a distância também insinua-se no contraste entre, de um lado, estruturas instalativas tecnicamente complexas, que muitas vezes exigem um saber especializado e a colaboração de técnicos e cientistas e, de outro, um universo de referência visual, temático e conceitual que se reporta aos séculos XIX e XX. Projeções múltiplas, controles interativos e arquiteturas digitais concorrem com evocações a dispositivos óticos do século XIX, à pintura de Rugendas e Debret, e ao cinema moderno de Pier Paolo Pasolini, Glauber Rocha e Robert Bresson. Não são escolhas arbitrárias, muito menos nostálgicas; todas elas apontam para momentos de reconfiguração na relação entre os modos de representação do mundo e os de apreensão dessas representações por sujeitos observadores. Nessa junção trans-histórica entre o século XIX e o XXI, a pintura acadêmica e a manipulação digital, o cinema moderno do Pós-guerra e o de exposição, Parente promove uma dobra entre passado e presente, apontando para permanências e continuidades discursivas, históricas, políticas e perceptivas. Nem nostalgia de um tempo perdido, nem celebração eufórica das possibilidades das novas mídias, trata-se aqui de pensar, ao lado do espectador, sobre o modo como percebemos e nos engajamos com as imagens em movimento.
André Parente - Figuras na Paisagem, Sesc Sorocaba, Sorocaba, SP - 05/05/2018 a 29/07/2018