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maio 14, 2018
O que se insinua sob a aparência das coisas por Francisco Dalcol
O que se insinua sob a aparência das coisas
FRANCISCO DALCOL
Uma coisa é sempre algo em condições de ser e existir. Não só enquanto evidência de um fato consumado ou de um ato praticado, como daquilo que ainda pode vir-a-ser. É algo assim a sugestão que encontramos ao revisitar as reflexões de Martin Heidegger em suas conferências de 1936 reunidas no livro “A origem da obra de arte”. Ao teorizar o que chama de “aspecto coisal da obra de arte”, afirma o filósofo alemão:
“Todas as obras têm este caráter de coisa. (…) A obra de arte é, com efeito, uma coisa, uma coisa fabricada, mas ela diz ainda algo de diferente do que a simples coisa é. A obra dá publicamente a conhecer outra coisa, revela-nos outra coisa”.
Essa dimensão enigmática, capaz de desestabilizar a aparência do óbvio que repousa sobre as coisas, é tomada neste projeto curatorial como uma noção especulativa com a qual se procura aprofundar uma meditação sobre a experiência com a arte em seus modos de instauração no contexto e na circunstância expositiva. Assim, “O tempo das coisas” é uma investigação interessada nos atravessamentos, nas contaminações e nos atritos entre processos artísticos, estratégias expositivas e procedimentos curatoriais.
Inicialmente, partindo de Heidegger, a ideia de que uma obra sempre se endereça a alguma coisa para logo a seguir dar lugar a outra coisa. Algo que se dá não apenas por meio da materialidade com que afirma sua presença no mundo das coisas todas, como também pela potencialidade de fundar o seu próprio tempo de acontecimento entre as demais coisas.
Se a obra é “uma coisa à qual adere ainda algo de outro”, como argumenta o nosso evocado filósofo, ela o é porque remete ao que está para além do que parece dar a ver. Assim, tende a ser coisa ao mesmo tempo em que se revela e esconde, em que se apresenta e desvia. Esse jogo engendrado pela noção de coisa conforme aqui convocada contém em si a probabilidade de um acontecimento a se desvelar como um devenir incerto, impreciso e indeterminado, ao qual diversificadas práticas artísticas contemporâneas parecem confluir em seus distintos processos e estratégias.
Para tentar sondar o invisível e o indizível que se encondem sob a aparência das obras enquanto coisas, tomemos novamente as palavras de Heidegger, para quem “tudo o que se queira entrepor entre nós e a coisa como concepção e enunciado deve ser afastado”, pois somente assim “poderemos abandonar-nos à presença não mascarada da coisa”.
Francisco Dalcol
Crítico de arte, jornalista e pesquisador. Curador do projeto “O tempo das coisas”
O tempo das coisas - módulo 2, Pinacoteca Ruben Berta, Porto Alegre, RS - 18/05/2018 a 27/07/2018
O tempo das coisas - módulo 1, Paço Municipal de Porto Alegre, Porto Alegre, RS - 20/03/2018 a 01/06/2018