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abril 2, 2018
After Nature: proliferação de híbridos por Lisette Lagnado
After Nature: proliferação de híbridos
LISETTE LAGNADO
Há tempos que o termo exposição não consegue definir as práticas artísticas contemporâneas que absorveram a ideia de expandir a experiência estética para além do projeto moderno. A arquitetura que recebe as obras acaba sempre simulando uma falsa neutralidade (o cubo branco). Difícil anular camadas de história, projeto e memória dos contextos expositivos. Com a virtualidade proporcionada agora pela era digital, o corpo do visitante não precisa sequer estar presente no local. Diante desse quadro crítico, qual o sentido de realizar mais uma exposição que pretende atuar no campo real e questionar a economia da arte?
“O papel social da arte mudou”. Por meio dessa sentença, o duo Manata Laudares sintetiza aqui vinte anos de trabalho em processos colaborativos, desenvolvidos a partir de seu interesse em torno do universo do comportamento e da cultura techno. After Nature é o nome que reúne uma série de “programas abertos” que, a cada realização, retomam uma plataforma de base e lhe acrescentam uma nova fração progressiva.
A casa inteira encontra-se impregnada de uma atmosfera artificial, atravessada por emissões sonoras. Pode-se falar em ocupação artística, deslocando nossa atenção para nosso tecido físico e social. Precursores no Brasil da síntese entre o espaço da arte e a pista de dança, vislumbrada com a Cosmococa CC2 ONOOBJECT (1973) de Hélio Oiticica, Manata Laudares vêm mapeando a produção eletrônica e nos entregam sua versão fria e coerente com a distopia do futuro da civilização humana.
Nesse momento em que o digital e o virtual investem um poder de inclusão do outro, cabe examinar propostas que mantiveram-se à margem da lógica da manufatura de um objeto puro. Manata Laudares transitam entre vários saberes, do bordado à escultura, da taxonomia à biologia. O duo cria um ambiente sintético-real, trazendo reminiscências conceituais (de John Cage a Guilherme Vaz) para repropor a poética em extinção dos passeios românticos. O conceito de panorama, anterior à invenção da fotografia, retorna aqui no tema da paisagem, com elementos concretos, fabricados e representados.
Compartilhar, colaborar e transferir ao público o uso de “produtos” são as três operações fundamentais que norteiam um pensamento em rede cuja visibilidade permaneceu oculta do sistema formal de mercado, mesmo atuando intensamente na economia política das artes. Talvez seja possível creditar à sua origem mineira a parcela de afinidade com a tradição, mas sobretudo com a melancolia da irremediável proliferação de sujeitos e objetos híbridos.