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março 14, 2018
Suzana Queiroga: Miradouro por Raphael Fonseca
Suzana Queiroga: Miradouro
RAPHAEL FONSECA
Ao se estudar a pesquisa de mais de três décadas de Suzana Queiroga, talvez a linguagem que pareça mais explorada seja a pintura. Mais do que isso, tenho a impressão de que poderíamos discorrer de maneira extensa sobre a habilidade da artista em estudar as variações cromáticas a partir de sua produção. Porém, como ela tem mostrado nos seus últimos dez anos de criação, não só a pintura em seu formato mais tradicional a interessa; objetos infláveis, esculturas, vídeos e instalações também são capazes de convidar o corpo do espectador pela sua cor e foram aprofundados em diversas de suas exposições.
A presente exposição chega ao público com um ponto de partida celebratório: há dez anos o projeto “Velofluxo”, desenvolvido no CCBB de Brasília, literalmente estava no ar. Tratava-se de uma dessas experiências que expandia a sua pesquisa para além do cubo branco – um balão que teve sua lona pintada pela artista podia tanto transportar o público em vôo cativo, quanto ser admirado por aqueles que seguiam em terra firme. Os volumes de cor do balão respondiam ao interesse da artista nas cartografias e nos desenhos de malhas urbanas. Eis a possibilidade de transformar os percursos da cidade e seus detalhes urbanísticos utilitários em linhas, cores e abstração.
Para além da discussão da história da pintura que o trabalho de Queiroga possa proporcionar, é o seu interesse em aproximar as imagens e a vida cotidiana que chama a atenção não só de “Velofluxo”, mas das obras reunidas aqui em Miradouro. Nos dez anos que separam os dois projetos, a artista se aproximou de diferentes maneiras de ambientes vitais da experiência humana como o ar, o mar e a terra. Essa exposição, portanto, é uma maneira de estabelecer algumas conexões poéticas em sua produção recente que permitem que o público siga a ampliar suas possibilidades de leitura.
Na sala central da exposição, vitrines trazem esboços e documentos acerca de “Velofluxo”. É um modo de compartilhar com o público algo sobre o processo criativo da artista e de trazer à tona imagens ainda não mostradas. Nas paredes da mesma sala, algumas de suas telas de grande formato trazem contrastes de tons entre o terroso e o verde, ao passo que outras se dedicam às nuances do azul. Frente a frente, essas obras recordam tanto as cartografias, quanto as últimas exposições da artista sobre o mar e o seu tempo mais lento. É essa mesma desaceleração que se faz essencial no processo de criação dessas pinturas em que acaso e projeto mental se confundem.
As experimentações da artista com o papel também estão presentes. Na primeira sala, dispostos de maneira mais informal, um grupo de desenhos apresenta ao público diferentes explorações das cores, da escala e das relações entre as imagens e as palavras. Já no salão central, há “Nuvem”, uma série de papéis vegetais imersos em banhos de tinta que, uma vez colocados lado a lado, ecoam as tonalidades dos reflexos da luz sobre a água.
Os três vídeos mostrados – “Atlas”, “Cais” e “Mar” – trazem de diferentes maneiras essa fricção entre as imagens de sua autoria e a contemplação do mundo. Nos dois últimos, desenhos são folheados e fundidos na edição a imagens do mar. Seja junto às palavras de um poema, seja junto às palavras cantadas de um fado, ambas se tratam de obras que refletem sobre o nosso lugar diminuto quanto perante a grandeza do oceano. Já em “Atlas”, essa relação de escala é invertida – o vídeo captura um olho que observa um globo terrestre em rotação. Tal qual uma fábula, fica o desejo para que pudéssemos nos julgar efetivamente gigantes perante as construções humanas.
Na última sala da exposição, “Topos” traz a mistura de diferentes cartografias cortadas em feltro. Sua pesquisa, então, sai do espaço da parede e toma o centro da sala assim como outras de suas instalações. O peso da cor ainda é importante, mas é o material em si que chama a atenção e que possibilita que o público estabeleça cruzamentos com outras utilizações do feltro no espaço público – e no próprio Centro do Rio de Janeiro.
Estamos, como diz o seu título, em um miradouro – ou seja, em uma espécie de construção erguida para se olhar desde cima e para um ponto distante. Trata-se, metaforicamente, de uma pausa no fazer de Suzana Queiroga que convida o público a percorrer essas três salas e estabelecer suas leituras poéticas e formais. Que a contemplação seja longa.