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março 8, 2018

Arnaldo de Melo - Em Pleno Expressionismo Abstrato por Tereza de Arruda

Arnaldo de Melo - Em Pleno Expressionismo Abstrato

TEREZA DE ARRUDA

[scroll down for English version]

A exposição de Arnaldo de Melo elaborada para a Cassia Bomeny Galeria é sua primeira individual no Rio de Janeiro. Suas obras foram apresentadas pela última vez nesta cidade na mostra A Arte que permanece. Acervo Francisco Chagas Freitas [1] de minha curadoria realizada de 28 de maio a 20 de julho 2014, no Centro Cultural Correios. Esta mostra tinha como ponto inicial o período pós-guerra alemão (1945) - quando o país foi dividido em duas distintas Alemanhas -perdurando até o período imediatamente posterior a unificação, com a queda do muro de Berlim (1989). Período este em que Arnaldo de Melo vivia em Berlim apoiado como bolsista deste governo através do programa DAAD. Foi neste contexto que a obra de Arnaldo de Melo chamou a atenção do colecionador Francisco Chagas Freitas, então Adido Cultural na Embaixada Brasileira em Berlim Oriental, o qual passou a colecionar obras deste jovem artista focadas e produzidas nesta Alemanha dividida – ora representações da Torre de Televisão na Alexanderplatz como símbolo do sistema vigente da ex RDA (República Democrática Alemã) ou dos gigantes espetos de Kebaps, representação da evolução sócio-política da República Federal Alemã (RFA). É nessa imersão artística berlinense que Arnaldo de Melo produz aproximadamente 200 obras sobre papel, além de muitas telas. Antes de retornar ao Brasil Arnaldo expos parte desta produção berlinense em uma mostra individual na Galeria Roepke de 3 de maio a 3 de junho de 1990 no contexto do projeto Art Brasil Berlin [2].

O Arnaldo de Melo pintor é incansável na exploração de meios, formas e suportes para sua representação artística. Suas referências vêm de observações, vivências e introspecção enraizadas em seu atento e curioso olhar desde os primórdios de sua carreira artística. Antes de desbravar Berlim entre 1987 e 1990, Arnaldo viveu entre 1984 e 1985 em Nova York. Lá predominava uma efervescência artística influenciada pelo início da arte de rua e o esplendor de carreiras em rápida ascensão através de linguagens e narrativas imediatistas e espontâneas como a pop-art, a action painting e a performance. Conforme relato do próprio artista sua vivência Nova Iorquina existiu „a partir do contato com as obras dos artistas norte-americanos do imediato pós-guerra ou da chamada New York School (Jackson Pollock, Franz Line, Willem de Kooning, Lee Krasner, Robert Motherwell, Joan Mitchell“. Entre as inúmeras exposições que visitou na época - o que resultou em um vasto arquivo de convites, panfletos, fotos e todo tipo de registro, que o acompanham até hoje - destaca-se a Words in Motion, a qual visitou no final de 1984 no World Trade Center enfatizando a relação entre a action painting e a caligrafia oriental cujo catálogo traz um texto da historiadora e crítica de arte norte americana Barbara Rose com relatos autênticos e inspiradores: „Foi na redefinição crítica do papel do desenho no expressionismo abstrato que a caligrafia parecia oferecer a resposta de como usar a linha sem representar a forma. A evitação de contornos fechados retratados criou imediatamente o dualismo entre o primeiro plano e o plano de fundo que os expressionistas abstratos em sua busca pela unidade procuravam evitar. A fusão de primeiro plano e fundo em um único plano ou em um fluxo contínuo, a abertura de contornos para permitir que o espaço flua dentro e fora da linha sem ser confinado por ele foi relacionado à busca de um novo tipo de espaço "pós-cubist“ que rompeu com a tradição ocidental de ilusão espacial ou recessão atrás do plano da imagem“. [3]

Relatos como o acima mencionado norteiam o universo pictórico de Arnaldo de Melo e o acompanham em seu processo artístico sendo enaltecidos em momentos significativos de sua carreira como o atual. Em meados do ano passado, após o sucesso de sua mostra individual West-Berlin 1987-1990: works on paper na Sé Galeria, em São Paulo, entre 2 de abril e 3 de junho de 2017, a qual tive a honra da curadoria - surge o ímpeto para atuação em um novo ateliê, localizado também na área da Catedral da Sé. Este novo espaço em um centro histórico marcado por apogeu, declíneo e revitalização sem perder a vitalidade deu precedência às obras aqui expostas realizadas entre setembro e dezembro de 2017.

Duas visitas ao atelie neste período, especificamente em 07 de outubro de 2017 e 15 de fevereiro de 2018 me proporcionaram o acompanhamento do surgimento da nova série exposta pela primeira vez aqui na Cassia Bomeny Galeria, para a qual foram selecionadas 15 obras desta produção atual.

Eis que surgem pinturas monumentais respaldadas no expressionismo abstrato, nada inusitado sendo que Arnaldo de Melo bebeu nas duas fontes que originaram esta vertente artística: a intensidade do expressionismo alemão banhado no antifigurativismo das Escolas abstratas da Europa, como o Futurismo, Bauhaus e Cubismo. Devemos considerar que este movimento surgiu nos Estados Unidos e especificamente em Nova York no iníco da década de 50. Ambos contextos foram vivenciados „in loco“ pelo artista no início de sua carreira, como mencionado acima, emanando tentáculos que o influenciam até a atualidade.

As telas e assemblages, por ele criadas como suporte através da junção e sobreposição de molduras e outros materias com que se depara, recebem um tratamento pictórico semelhante a uma camuflagem a tornar a superfície homogênea através da criação de formas e contornos que se complementam mantendo a abstração como gesto e intenção. Os traços, formas, corpos e campos criados a partir de seu ductus revelam uma escrita pessoal. Sua pincelada, esta muitas vezes criada com o uso de largas escovas e vassouras, ressoa à primeira vista grosseira, plana, homogênea. Esta é porém o resultando de uma dinâmica desordenada e espontânea que se complementa. Os campos variam entre pastoso ou translúcido repletos de contornos em contraposição com espaços transitórios formados pela matéria escorregadia aí aplicada. O uso de resina acrílica e óleo aguados ou densos em tons pastéis, ou mesmo do índigo blue são indícios do ímpeto e autenticidade deste artista que segue seu instinto gestual sem premeditações ou limitações no ato de pintar.

Após anos Arnaldo de Melo retoma a pintura abstrata sem timidez, sem preconceito, sem hesitar. Respaldada em sua própria caligrafia o artista nos revela novos campos pictóricos remanescentes de seu percurso artístico, pesquisa e vivência. Viva sua ousadia!

Tereza de Arruda, curadora
Berlim, março 2018

NOTAS
1 Os artistas participantes desta mostra eram Erika Stürmer-Alex, Carlito Carvalhosa, Klaus Dennhardt, Dalmir Ferreira, Alex Flemming, Jadir Freire, Eberhard Göschel, Moritz Götze, Bernd Hahn, Angela Hampel, Peter Herrmann, Veit Hofmann, Günther Hornig, Matthias Jackisch, Evelyn Krull, Andreas Küchler, Wolfgang KE Lehmann, Helge Leiberg, Gerda Lepke, Thomas Lohmann, Roberto Lúcio de Oliveira, Peter Makolies, Arnaldo de Melo, MichaelArantes Müller, Manfredo de Souzanetto, Cristina Pape, Osmar Pinheiro, Anton Paul-Kammerer, Stefan Plenkers, Neo Rauch, Hans Scheib, Wolfgang Scholz, Frank Seidel, José Spaniol, Max Uhlig, Enéas Valle, Falko Warmt, Jürgen Wenzel, Paulo Whitaker e Karla Woisnitza.

2 Os artistas participantes deste programa foram José Roberto Aguilar (Galerie Rudolf Schoen), Cristina Barroso (Edition Schoen), Hilton Berredo (Galerie Horst Dietrich), João Câmara Filho (Galerie Eva Poll), Mário Cravo Neto (Galerie Springer), Anísio Dantas (Goethe-Institut Berlin), Antonio Dias (Galerie Nothelfer), Adriane Guimarães (Galerie Messer-Ladwig), Sérgio Lucena (Ladengalerie), Roberto Lúcio de Oliveira ( Galerie Noé), Emmanuel Nassar (Galerie Nalepa), Rubens Oestroem (Edition Schoen), Cristina Pape (Galerie Messer-Ladwig), Osmar Pinheiro (Galerie Michael Schultz), Flávio Tavares (Ladengalerie) e Arnaldo de Melo (Roepke Galerie).

3 Tradução livre do artista em: Rose, Barbara. Japanese Calligraphy and American Abstract Expressionists. In: Words in Moption: Modern Japanese Calligraphy. An Exhibition by the Library of Congress and The Yomiuri Shimbun.


Arnaldo de Melo - In Full Abstract Expressionism

The Arnaldo de Melo´s exhibition elaborated for the Cassia Bomeny Gallery is his first individual in Rio de Janeiro. His works were presented for the last time in this city in the exhibition The Art that remains. Francisco Chagas Freitas Collection [1] under my curatorship held from May 28 to July 20, 2014 at Centro Cultural Correios. This exhibition had as its starting point the German post-war period (1945) - when the country was divided into two distinct Germanies - lasting until the period immediately after unification, with the fall of the Berlin Wall (1989). This period in which Arnaldo de Melo lived in Berlin supported as a scholarship holder of this government through the program DAAD. It was in this context that the work of Arnaldo de Melo caught the attention of the collector Francisco Chagas Freitas, then Adido Cultural at the Brazilian Embassy in East Berlin, who began to collect works of this young artist focused and produced in this divided Germany - representations of the Tower of Television on Alexanderplatz as a symbol of the current system of the former German Democratic Republic (DDR) or giants Kebaps keels representing the socio-political evolution of the Federal Republic of Germany (RFA). It is in this artistic immersion in Berlin that Arnaldo de Melo produces approximately 200 works on paper, in addition to many canvases. Before returning to Brazil Arnaldo exhibited part of this Berlin production in an individual exhibition at the Roepke Gallery from May 3 to June 3, 1990 in the context of the Art Brasil Berlin. [2]

The painter Arnaldo de Melo is untiring in the exploration of means, forms and supports for his artistic representation. His references come from observations, experiences and introspection rooted in his attentive and curious look from the beginnings of his artistic career. Before breaking Berlin between 1987 and 1990, Arnaldo lived between 1984 and 1985 in New York. There was an artistic effervescence influenced by the beginning of street art and the splendor of rapidly rising careers through instantaneous and immediate languages and narratives such as pop art, action painting and performance. According to the artist's own account, his experience of New York existed "from contact with the works of American artists of the immediate post-war period or the New York School (Jackson Pollock, Franz Line, Willem de Kooning, Lee Krasner, Robert Motherwell , Joan Mitchell)." Among the numerous exhibitions he visited at the time - which resulted in a vast archive of invitations, pamphlets, photos and all kinds of records that accompany him to this day - Words in Motion stands out, which he visited at the end of 1984 at the World Trade Center emphasizing the relationship between action painting and oriental calligraphy whose catalog brings a text by historian and American art critic Barbara Rose with authentic and inspiring accounts: "It was in the critical redefinition of the role of drawing in abstract expressionism that the calligraphy seemed to offer the answer of how to use the line without representing the form. The avoidance of portrayed closed contours immediately created the dualism between the foreground and the background which the abstract expressionists in their quest for unity sought to avoid. The merging of foreground and background into a single plane or a continuous flow, the opening of contours to allow space to flow in and out of the line without being confined by it was related to the search for a new type of ´post-cubist´ space that has broken with the Western tradition of spatial illusion or recession behind the plane of the image." [3]

Reports such as the one mentioned above guide the pictorial universe of Arnaldo de Melo and accompany him in his artistic process being extolled at significant moments of his career as the present. In the middle of last year, after the success of his individual show West-Berlin 1987-1990: works on paper at the Sé Galeria, in São Paulo, between April 2 and June 3, 2017, which had the honor of curatorship - arises the impetus for acting in a new atelier and this one located also in the area of the Sé Cathedral. This new space in a historic center marked by apogee, decline and revitalization without losing its vitality gave precedence to the works exhibited here between September and December 2017.
Two visits to the atelier during this period, specifically on October 7, 2017 and February 15, 2018, provided me with the follow-up of the new series exhibited here for the first time at the Cassia Bomeny Gallery, for which 15 works of this current production were selected.

Here are monumental paintings backed by abstract expressionism, nothing unusual in that Arnaldo de Melo drank in the two sources that originated this artistic aspect: the intensity of German expressionism bathed in the anti-figurativeism of the abstract Schools of Europe, such as Futurism, Bauhaus and Cubism. We must consider that this movement arose in the United States and specifically in New York in the early 1950s. Both contexts were experienced "in loco" by the artist at the beginning of his career, as mentioned above, emanating tentacles that influence him to the present.

The canvases and assemblages, which he creates as a support through the joining and overlapping of frames and other materials that he encounters, receive a camouflage-like pictorial treatment to render the surface omogeneous by creating shapes and contours that complement each other while maintaining the abstraction as gesture and intention. The traces, shapes, bodies and fields created from his ductus reveal personal writing. Its brushstroke, often created with the use of large brushes and brooms, resonates at first glance, coarse, homogeneous. This, however, is the result of a disordered and spontaneous dynamic that complements itself. The fields vary from pasty or translucent with contours in contrast with transient spaces formed by the slippery matter applied there. The use of watery or dense acrylic resin and oil pastels, or even the indigo blue are signs of the impetus and authenticity of this artist who follows his gestural instinct without premeditation or limitations in the act of painting.

After years Arnaldo de Melo resumes abstract painting without shyness, without prejudice, without hesitation. Backed by his own handwriting, the artist reveals new pictorial fields of his artistic journey, research and experience. Live your daring!

Tereza de Arruda, curator
Berlin, March 2018

1 . The artists participating in this exhibition were Erika Stürmer-Alex, Carlito Carvalhosa, Klaus Dennhardt, Dalmir Ferreira, Alex Flemming, Jadir Freire, Eberhard Göschel, Moritz Götze, Bernd Hahn, Angela Hampel, Peter Herrmann, Veit Hofmann, Günther Hornig, Matthias Jackisch, Evelyn Krull, Andreas Küchler, Wolfgang KE Lehmann, Helge Leiberg, Gerda Lepke, Thomas Lohmann, Roberto Lúcio de Oliveira, Peter Makolies, Arnaldo de Melo, Michael Arantes Müller, Manfredo de Souzanetto, Cristina Pape, Osmar Pinheiro, Anton Paul-Kammerer, Stefan Plenkers, Neo Rauch, Hans Scheib, Wolfgang Scholz, Frank Seidel, José Spaniol, Max Uhlig, Enéas Valle, Falko Warmt, Jürgen Wenzel, Paulo Whitaker and Karla Woisnitza.

2. The artists participating in this program were José Roberto Aguilar (Galerie Rudolf Schoen), Cristina Barroso (Edition Schoen), Hilton Berredo (Galerie Horst Dietrich), João Câmara Filho (Galerie Eva Poll), Mario Cravo Neto (Galerie Springer), Anísio Dantas Goethe-Institut Berlin), Antonio Dias (Galerie Nothelfer), Adriane Guimarães (Galerie Messer-Ladwig), Sérgio Lucena (Ladengalerie), Roberto Lúcio de Oliveira (Galerie Noé), Emmanuel Nassar (Galerie Nalepa), Rubens Oestroem , Cristina Pape (Galerie Messer-Ladwig), Osmar Pinheiro (Galerie Michael Schultz), Flávio Tavares (Ladengalerie) and Arnaldo de Melo (Galerie Roepke).

3. Free artist translation in: Rose, Barbara. Japanese Calligraphy and American Abstract Expressionists. In: Words in Moption: Modern Japanese Calligraphy. An Exhibition by the Library of Congress and The Yomiuri Shimbun. Yomiuri Shimbun, Japan, 1984, p. 38-43.

Posted by Patricia Canetti at 12:52 PM