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janeiro 31, 2018
Abre-Alas por Clarissa Diniz, Cabelo e Ulisses Carrilho
Trata-se da carne morna que recém morreu, da frieza dos corpos refrigerados, do ar viciado de uma sociedade enclausurada e vigiada, de um ar nonsense, de sentidos que não se revelam – como o fenômeno do número. Luvas de látex autocontidas e moedas deformadas em trilhos, formas dissimuladas nas ruas de uma encruzilhada e imagens projetadas não para a lembrança, mas na busca da transitoriedade que leva ao esquecimento: exemplos dos atritos que os artistas aqui apresentados propõem. Linguagens às voltas com formas diversas de curto-circuito, ou de esgotamento.
É preciso questionar o estatuto dos objetos, o lugar das coisas e a nossa disposição em conviver com elas. Questionar, por fim, os sujeitos e seus regimes de legitimidade. Assim como nas bandeiras dos movimentos sociais que, unidas, se transformam numa “tereza” (para a arte, inclusive), neste Abre Alas convergem fôlegos para a devoração coletiva da tradição – ou, pelo menos, sua ruminação.
Das mais radicais propostas de Glauber Rocha, pensar o estranho surrealismo tropical – a fome – deduz uma estética da violência que surge do intolerável. Na obra de Glauber, toda ordem ou indivíduo poderá ser submetida a um transe ou crise, pois nasce da violência. Com sorte e uma saudável e farta dose de utopia, a fome sofre transmutações e torna-se metáfora do desejo e do devir revolucionário. Da fome, da violência, da crise e, hoje, do golpe, revela-se aquilo que é “terrível demais, belo demais, intolerável”. Algo que excede nossa capacidade de reação. Como a fome, imagens que – muito embora podemos sentir e com as quais podemos nos relacionar – não podemos compreender.
Clarissa Diniz, Cabelo e Ulisses Carrilho