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janeiro 14, 2018

Ma por Luisa Duarte

“Se a gente prestar atenção e fizer silêncio
– se a gente prestar atenção e fizer
silêncio –
pode ser que ouça
alguma mensagem
perdida no ar.”
[1]

Ma surge como a continuação de uma pesquisa cuja ênfase encontra-se na escuta dos murmúrios, no olhar para as entrelinhas, na escolha por manifestações que trazem uma presença discreta no mundo, pensando a incorporação do vazio, do intervalo e do silêncio não como representações do nada, mas como o que existe e afeta. Em meio a uma época marcada pela hiperinflação de imagens, pela compulsão à ocupação, Ma toma o partido de manifestações caracterizadas pela discrição, por uma economia de gestos que não significa fragilidade, renúncia ou passividade, mas sim escolha deliberada. Espécie de aposta: quem sabe em meio a cacofonia generalizada, aquele que fala mais baixo possa ser melhor escutado.

Me deparei com a expressão Ma em um texto da crítica e curadora Kiki Mazzuchelli sobre a obra de Paloma Bosque. Nas suas palavras: “A artista conta que interessou-se pela ideia de Ma, palavra japonesa que adquire sentidos múltiplos em contextos diversos, mas que pode ser aproximadamente traduzida como a experiência do espaço que inclui elementos temporais e subjetivos. As definições deste conceito, embora inúmeras e às vezes divergentes, deixam claro que não se refere ao espaço criado por elementos compositivos, mas aquilo que acontece na imaginação de quem se relaciona com esses elementos. Portanto, o Ma pode ser definido como um espaço da experiência cuja ênfase é no intervalo.” [2]

Em seguida, a reencontrei em “A Preparação do Romance, Volume I”, de Roland Barthes: “Tudo isso mostraria como o haicai anda na ‘corda bamba do Tempo’. Naturalmente, esse jogo é possível porque ele é preparado e determinado por um conceito propriamente japonês – e que nós, precisamente, não conceitualizamos porque, entre nós, não há palavra correspondente: Ma, o Intervalo do Espaço-Tempo”. [3] Tal citação surge no bojo da reflexão barthesiana sobre a noção de nuance: “Pode-se dizer que a civilização das mídias se define pela rejeição (agressiva) da nuance”. [4] Ou seja, pela rejeição àquilo que se mostra de maneira matizada, parcialmente velada. Passados trinta e oito anos da afirmação de Barthes, nos vemos mais do que nunca em um ambiente marcado pela recusa à nuance.

Os trabalhos reunidos nessa exposição habitam, justamente, essa zona avessa tanto à percepção ansiosa quanto ao enquadramento discursivo cristalizado. Na medida em que nos solicitam uma demora, uma atenção para suas incompletudes, evocam, quem sabe, uma outra forma de perceber o mundo, distante do pragmatismo e da pressa reinantes. Assim, a busca que irriga Ma tem como alvo cartografar gestos poéticos que caminham na contramão do regime do espetáculo, ou, atualizando os termos, do regime da “sensação”. Tais gestos, por sua vez, podem nos endereçar a uma preciosa paciência do olhar em tempos marcados por uma constante “atenção distraída”. [5]

Luisa Duarte, novembro 2017


PS: gostaria de agradecer a todos os artistas que aceitaram participar dessa exposição, especialmente a Manoela Medeiros, Paloma Bosque, Rodrigo Cass e Vivian Cacuri, que realizaram obras especialmente para a mostra. E, ainda, a Fernanda Brenner e Ricardo Rego, pelos generosos empréstimos de trabalhos de Leticia Ramos e Mira Schendel, respectivamente.

Notas

1 “Hola, spleen”, In Câmera Lenta, de Marilia Garcia. São Paulo: Companhia da Letras, 2017.
2 Kiki Mazzuchelli, texto para a exposição “Campo”, de Paloma Bosque. Mendes Wood DM, 2016.
3 Roland Barthes, “A Preparação do Romance, Volume I”, Martins Fontes, 2005. P. 113
4 Roland Barthes, “A Preparação do Romance, Volume I”, Martins Fontes, 2005. P. 93
5 Ver Sociedade Excitada – filosofia da sensação, de Christoph Türcke. Editora Unicamp, 2010. Livro no qual Turcke sinaliza para um presente marcado pela sociedade da sensação, em oposição à sociedade do espetáculo enunciada por Guy Debord,. Nesse contexto impera uma forma de percepção batizada como “atenção distraída”. Como se estivéssemos sempre absortos em algo, mas, permanentemente, de algum modo, dispersos.

Posted by Patricia Canetti at 7:38 PM