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outubro 24, 2017
Disfarce por Leandro Muniz
Disfarce
LEANDRO MUNIZ
Disfarce, Oficina Cultural Oswald de Andrade, São Paulo, SP - 12/08/2017 a 28/10/2017
A noção de disfarce busca descrever as operações e procedimentos destes artistas e os modos de formação de seus trabalhos com seus paradoxos constitutivos, antes de se definir como um tema ou um conceito, propriamente. E anunciada tão diretamente, a ideia de disfarce deixa uma dúvida pendente: Há algo que não se entrega completamente, mas também não há verdade a ser revelada por trás. Algo entre o falseamento e a camuflagem. Máscara.
Ocultar, revelar, mimetizar, encenar, posar, simular, aparentar, parecer, exibir, mostrar, imitar. Ainda que resultem em visualidades banais, são trabalhos que partem de raciocínios de formalização complexos - do ponto cego onde os limites entre falso e verdadeiro pouco importam, desde que encontrem alguma lógica interna. Não apenas uma repetição do modo supostamente transparente com que esses materiais e operações circulam habitualmente, mas tomando-os em sua opacidade: Focos de tensão que justamente por sua banalidade condensam contradições de experiências psíquicas e sociais que vivemos hoje.
Revestimentos que imitam a superfície dos objetos. Formas de representação que se comportam como os seus referentes. Mediações que encobertam outras mediações – uma cebola que revela uma camada nova igual a anterior. Narrativas em abismo. Sobreposições de muitos esquemas de representação genéricos. Mesmo que construídos com massas, trabalhos que se apresentam como blocos sólidos, icônicos e frontais importando pouco a diferença entre a superfície e a estrutura. Afinal é justamente sobre a aparência das coisas que está a discussão, sem promessa e sem nostalgia. Independentemente de se tratar de espaço ou volume, o enfoque está na superfície das coisas, com uma virtualização da matéria, que aparece convertida em imagem, seja na opulência, na precariedade ou na simulação de opulência e precariedade. Neste sentido há um tempo sem processo, já que são trabalhos feitos por uma única operação.
São trabalhos que explicitam, entre outras coisas, suas estratégias de apresentação sem tentativa de repor ou acessar um real mais íntegro que se escondesse por baixo. Ou apelam para uma visualidade excessiva, ou se reduzem. Maneiras diversas de discutir as mediações que constituem o próprio trabalho de arte no lugar onde ele surge, com seus reflexos e distorções em relação a vida social mais ampla. Eles posam, se insinuam ou se ocultam. Posicionamentos até opostos que problematizam o sentido de seu aparecimento em público em meio a uma cultura de aparências. Afinal, problematizar a opacidade dos artifícios e de sua distância com o real, não deixa de ser um modo de agir e interferir nele.
Os trabalhos encontram formas de se autonomizar por incorporar ou destacar-se completamente das contingências do espaço e da relativa conformidade com as informações contidas nele. A própria ideia de exposição, consequentemente, de auto exposição, é dramatizada ou embaralhada, considerando que esse é um ponto de discussão tanto no campo da arte, quanto em relação à situação social atual. Contradições que são tratadas sem reconciliação, sem julgamento e sem elogio.
Seja por uma “redução analítica”, seja por uma “mimese excessiva”, os trabalhos lidam com materiais, imagens e códigos rapidamente reconhecíveis, articulados com algum rebatimento interno, o que resulta num comportamento ao mesmo tempo imediato e reflexivo. Camadas de representação. A lógica do fake. O excesso de códigos. Os limites entre a representação e o referente. O direcionamento para o lugar onde se está. Recobrimentos que evidenciam a estrutura. Do arquitetônico ao invisível. Da presença a virtualização. Representações de representações. Imitação da imitação. Imagens de imagens de imagens. Explicitar para reiterar a duplicidade. Mascarar, esconder, recobrir, disfarçar sem nada a ser revelado, exceto a própria estratégia de simulação.
A ambivalência do título “Disfarce” não sugere nem adesão nem crítica, exatamente. Ao mesmo tempo em que há fascínio, há desconfiança em relação a esses materiais e seus usos sociais. Uma ambiguidade, digamos, ideológica da própria arte que aqui é declarada. Aproximação e distanciamento se comutam, numa equalização que apenas põe em suspenso os discursos mais evidentes, sem devolver resposta, juízo, narrativa triunfante ou fatalista.
Leandro Muniz
Agosto de 2017